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quinta-feira, julho 14, 2016

Do Xaxado no Cangaço às Danças Nordestinas


O cangaço existe desde antes do início do século 18, tempo em que o sertão nordestino ainda não havia sido desbravado. Os jagunços eram boiadeiros que passavam a exercer um estilo de vida miliciano e se transformavam em guarda-costas dos fazendeiros ou dos senhores-de-engenho da região. Foram os jagunços que deram origem ao cangaço.

Segundo Nina Rodrigues, no livro “As Coletividades Anormais” (Civilização Brasileira, 1939), “não é jagunço todo e qualquer mestiço brasileiro: jagunço é o mestiço do sertão, que tem as características dos seus ascendentes selvagens – índios ou negros. No jagunço se revelam inteiros o caráter indomável do índio selvagem, o gosto pela vida errante e nômade, a resistência aos sofrimentos físicos, à fome, à sede, às intempéries”. 

Já os “cabras”, como ficaram conhecidos os cangaceiros de Lampião, são mestiços de mulato ou moreno, esse que por sua vez é filho de pai branco e mãe negra ou vice-versa, dando origem ao mestiço “cabra”, o filho de moreno e negro.

Em linhas gerais, jagunço ou capanga era todo o indivíduo que empunhava uma arma para defender a si próprio, aos seus bens ou à sua família e que, a partir do primeiro crime cometido, passava a ser usado e protegido pelos chefes políticos “(...) que então, se tornavam mais respeitados pela gentalha e mais desejados pelos governantes”.

O Capitão Virgulino Ferreira da Silva, considerado o cangaceiro mais famoso da História, nasceu na cidade de Vila Bela (atual Serra Talhada), no semiárido de Pernambuco, no dia 4 de junho de 1898, mas o seu nascimento só foi registrado no dia 7 de agosto de 1900. Foi o terceiro dos oito filhos de José Ferreira da Silva e Maria Lopes de Oliveira.

Até os 21 anos de idade, ele trabalhava como artesão, era alfabetizado e usava óculos para leitura, características incomuns para a região sertaneja e pobre onde ele morava. Continuou a usar óculos já como cangaceiro quando teve o olho direito furado por um galho seco de arbusto ao fugir correndo pela caatinga. Por seu pai ter sido morto por um vizinho começou a desavença que culminou com a decisão de Virgulino de incorporar-se ao cangaço.


O famoso Capitão Corisco, lugar-tenente de Lampião

Na maioria das vezes, os cangaceiros eram oriundos da lida com o gado. Tratavam-se de vaqueiros habilidosos, que faziam as próprias roupas, caçavam e cozinhavam, tocavam o “pé-de-bode” (sanfona de oito baixos) em dias de festa, trabalhavam com couro, amansavam animais e eram muito religiosos. Só ingressavam no cangaço por não suportar mais as injustiças sociais de que eram vítimas.

Os cangaceiros se vestiam com roupas de tecido grosso, geralmente um tecido entrelaçado de cor ocre (cor de barro, argila), denominado “gabardine”, semelhante ao tecido do “jeans” utilizado pelos camponeses norte-americanos ou, em certas empreitadas dentro das caatingas, até com perneiras, calça e gibão de couro. Calçavam alpercatas e meias grossas de algodão para se proteger de gravetos e espinhos.

Nas alpercatas (ou “alpragatas”), há referências de que usavam duas virolas (o altiplano dos solados), uma atrás e a outra na frente, para que o rastro não indicasse a direção que o bando seguia.

Eles também se moviam em fila indiana pisando sempre na mesma pisada do que ia na frente e dessa forma também o rastro só mostrava uma pessoa andando, não se sabendo para qual lado.

Outras vezes, o último cangaceiro da fila indiana caminhava de costas limpando os rastros do bando com pedaços de plantas.

Os cabras de Lampião usavam chapéus de couro com abas largas e viradas para cima à moda do chapéu de Napoleão Bonaparte, enfeitados com estrelas de Davi (cinco pontas) e mandalas feitas de moedas.

Gostavam de lenços no pescoço, de punhais compridos na cintura, cartucheiras atravessadas ao peito disputando espaço com as cangas, as bolsas, cabaças, manculões (sacos) e outros suportes, utilizados para transportar os objetos pessoais, incluindo pentes, espelhos, pós-de-arroz facial, revistas de moda e atualidades, artefatos de corte e costura, cuias (pratos feitos da cabaça) e perfume Fleur d’Amour.

O Capitão Virgulino tinha o chapéu idêntico aos chapéus dos seus “cabras”, à moda napoleônica e com mandalas, mas a sua estrela era a estrela do Rei Salomão, de seis pontas.


Maria Bonita, Lampião e o resto da turma

A expressão cangaço está relacionada à palavra canga ou cangalha: uma junta de madeira que une os bois para o trabalho. Assim como os bois carregam as cangas para realizar o trabalho de força, os homens que levam os rifles nas costas começaram a ser chamados de cangaceiros.

Como já foi dito, o cangaço advém do século 18. Já naquela época, o cangaceiro Jesuíno Brilhante (vulgo “Cabeleira”) ataca o Recife, mas algum tempo depois é preso e enforcado, em 1786. De Ribeira do Navio, no estado de Pernambuco, surgem também os cangaceiros Cassemiro Honório e Márcula.

O cangaço passa a se tornar, então, uma profissão lucrativa, surgindo vários grupos que roubam e matam nas caatingas, destacando-se os bandos de Zé Pereira, dos irmãos Porcino, de Sebastião Pereira e de Antônio Quelé. No começo da história, contudo, eles representavam grupos de homens armados a serviço de coronéis.

Em 1897, surge o primeiro cangaceiro importante, Antônio Silvino, considerado o “Robin Hood da caatinga”. Com fama de bandido cavalheiro e bem educado, que respeita e ajuda financeiramente muitas famílias pobres, ele atua durante 17 anos nos sertões de Alagoas, Pernambuco e Paraíba, até ser preso pela polícia pernambucana em 1914.

Outro cangaceiro famoso é Sebastião Pereira (chamado de Sinhô Pereira), que forma o seu bando em 1916 e se torna o primeiro chefe de Lampião.


Nesse contexto surge a figura do padre Cícero Romão Batista, que concilia interesses opostos e amortece os conflitos entre as classes sociais. A religiosidade praticada em torno do padre Cícero representava “aceitação” das regras políticas e sociais da República.

O cearense Cícero Romão Batista, líder religioso do povo sertanejo oprimido pelo latifúndio, pelo Estado e por uma Igreja distante e ausente, nasceu no Crato, em 1844, e faleceu em Juazeiro do Norte, em 1934, aos 90 anos de idade. O “padroeiro do Nordeste”, pessoa influente na região, foi o fundador de Juazeiro do Norte, em 1872.

Além de orações e bençãos, “Padim Ciço” aconselhava seus “afilhados” sobre atividades econômicas, doenças, questões familiares, desavenças e sugeria nomes de candidatos para as eleições. 

Participante ativo da política, ele se envolveu diretamente nas disputas que envolviam mortes e assassinatos entre as oligarquias das famílias dos coronéis do sertão nordestino, tendo se ligado aos coronéis, aos jagunços e aos cangaceiros, ao sabor de suas conveniências.

Além de ter sido prefeito, deputado federal e vice-governador, Padim Ciço ganhou a fama de “milagreiro” e se tornou uma lenda viva para os sertanejos nordestinos.


Zé Rufino, o primeiro em pé e à esquerda, junto com os membros de sua volante na época do cangaço

Para combater os cangaceiros, o Poder Público criou os “esquadrões volantes”, que reuniam ex-militares veteranos da Campanha de Canudos, policiais civis e jagunços pagos pelos coronéis em grupos de 20 a 60 homens.

Nestas forças policiais quase paramilitares, alguns dos seus integrantes se disfarçavam de cangaceiros para se misturar no meio da população e tentar descobrir os esconderijos dos verdadeiros cangaceiros ou identificar os coiteiros que pudessem dar tais informações.

Os cangaceiros chamavam os “volantes“ de “macacos” por causa do uniforme de cor marrom usado por eles. A população, entretanto, achava que eles se chamavam “macacos” porque pulavam como loucos quando viam o bando de Lampião surgindo na linha do horizonte.

O certo é que pelo fato de não serem benquistos pela população, os tais “macacos” atuavam com mais ferocidade ainda do que os próprios cangaceiros, criando um clima de violência extrema em todo o sertão nordestino.

Entre os cabras de Lampião mais conhecidos estavam Corisco, José Sereno, Galo, Antônio Pereira, Maritaca, Antônio Marinheiro, Vinte e Cinco, Ananias, Alagoano, Andorinha, Labareda, Arvoredo, Ângelo Roque, Beleza, Candeeiro, Beija-Flor, Bom de Veras, Cícero da Costa, Cajueiro, Volta Seca, Cigano, Cravo Roxo, Cavanhaque, Chumbinho, Cambaio, Criança, Delicadeza, Damião, Ezequiel, Português, Fogueira, Jararaca, Juriti, Luís Pedro, Linguarudo, Lagartixa, Moreno, Moita Braba, Mormaço, Ponto Fino, Porqueira, Pintado, Sete Léguas, Sabino, Trovão, Zé Baiano, Zé Venâncio, Tripa Seca, Azulão, Riqueza, Canjica, José Baiano, Moita Brava, Zabelê, Barreiras, Asa Branca, Luís Padre, Incubadora e Baioneta.


Imagem retirada do filme de Benjamim Abraão, onde Lampião, segundo especialistas em leitura labial, em referência à seu punhal, diz: “Esse é pra furar todo mundo. Muitas pessoas. Fura até o chifrudo!”

Quando um integrante do grupo morria, seu apelido era adotado por um novato. Essa é uma das razões que faziam os cangaceiros parecerem invencíveis, pois os nomes eram “imortais”.

Eles também não deixavam a polícia avaliar o resultado dos combates. Levavam os mortos e, quando não dava, cortavam as cabeças e levavam com eles, dificultando a identificação.

Para se divertir, os cangaceiros dançavam o xaxado, que deu origem às nossas conhecidas danças nordestinas – como se o cangaço tivesse sido transportado para o coração da Amazônia e se transformado em um importante componente folclórico da região.

A dança do xaxado é uma representação do trabalho de fazer o plantio da semente no chão, prática comum entre os sertanejos nordestinos desde tempos imemoriais.

Tanto nas pequenas propriedades rurais quanto nos latifúndios, duas pessoas, durante muitas horas, conforme a extensão do tamanho do roçado, realizavam manualmente a plantação do feijão ou do milho: uma andava na frente e cavava o buraco com uma enxada e a outra, que vinha atrás levando a tiracolo um “manculão” (saco de pano contendo as sementes), com a mão lançava a semente dentro do buraco e com o pé afofava a terra.


Os movimentos do xaxado são os de balanceio do corpo em direção ao solo e o lançamento da perna para frente o que corresponde aos atos de cavar a terra e lançar a semente.

É uma lembrança feliz dos tempos em que há inverno e todo sertanejo, homem ou mulher, trabalha o plantio.

Eles xaxavam o feijão ou o milho, e xaxar, também chamado “afofar”, é aconchegar a terra com o pé para junto do caule fincado no chão para proteger o broto.

O xaxado é tido como uma dança masculina, na qual não se usam nenhum instrumento musical, somente vozes, palmas e batidas dos pés para marcar o compasso.

Os cangaceiros eram ex-agricultores e ex-vaqueiros e, evidentemente, também se lembravam dos rituais utilizados na época das plantações e colheitas nos sítios do torrão natal.

Por isso, para se divertirem quando não estavam enfrentando os “macacos”, eles dançavam, homem com homem, um na frente do outro, a dança do xaxado.

Com o passar do tempo houve modificações na dança e os cangaceiros abraçavam cada um o seu fuzil ou carabina, como se fosse a dama.

O xaxado foi a maneira que eles encontraram para se livrar das danças tradicionais, como valsas e polcas, praticadas pelo bando no começo de sua saga, que exigiam que um dos cangaceiros fizesse o papel de dama. 

O cangaceiro Sereno, por exemplo, não dançava com outro homem de jeito nenhum. Ele ficava só espiando. 

O comportamento dele virou uma gíria muito popular nos anos 40 e 50: quem se recusa a dançar numa festa e fica somente olhando está “no sereno da festa”.


A dança do xaxado consiste em uma fila que circula pelo salão, com um cangaceiro atrás do outro e, ao circular, cada um deles vai atirando a perna direita para frente, no ato de xaxar o chão. 

A graça da dança que se vê nos salões é o arrastado da alpercata no chão que faz o som sincronizado e alegre.

Atualmente, a dança é apresentada com os brincantes abusando dos gingados, mas originalmente consistia somente de saracoteio e de pé direito lançado para frente, como quem trabalha cavando a terra e lançando a semente.

Os cangaceiros dançavam em fila indiana, o que ia na frente, sempre o chefe do grupo ou o poeta, puxava os versos cantados e o restante do bando respondia em coro, com letras de insulto aos inimigos, lamentando as mortes de companheiros ou enaltecendo suas aventuras, vitórias e façanhas.

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