Os estilistas Bosco Fonseca
(“Arroz”) e Luiz Gaudêncio (“Mococa”), como destaques da Tribo dos Andirás, em meados dos anos 60
Para os índios, a floresta é o único mundo que conta, o seu
verdadeiro habitat natural. Da floresta, eles obtêm tudo o que precisam para
suas vidas, desde material para a construção de suas ocas, utensílios básicos, ferramentas,
implementos de caça, até alimentos e remédios. Eles sabem que compartilham esse
habitat com outros seres vivos, animais de muitas espécies diferentes, que, às
vezes, podem ser caçados para alimentar seu povo.
Desde pequenas, as crianças aprendem o essencial sobre a
floresta. Ainda jovens, adentram na mata com seus pais, tios e avôs para
incursões de caça ou coleta de frutos, sementes, mel, cipós e ervas medicinais.
A floresta é como uma grande enciclopédia viva para o conhecimento indígena.
O contato dos povos indígenas com comunidades próximas
tornou algumas de suas lendas conhecidas, de modo que foram absorvidas pela
cultura regional brasileira, como a lenda amazônica do boto tucuxi, que gosta
de seduzir e namorar as moças incautas às margens dos igarapés. Outras lendas
são específicas de cada tribo.
É o que explica a pesquisadora e curadora do Museu do Índio
do Rio de Janeiro, Chang Whang. “Geralmente cada povo indígena tem seus mitos
de origem, de como seu povo veio a ser. São os mitos cosmogônicos. Esses mitos,
transmitidos oralmente, de geração a geração, são muito importantes na formação
do indivíduo social, pois fornecem coesão simbólica à percepção do indivíduo
como parte de um corpo social, reforçando sua identidade étnica. Desde tempos
imemoriais, os mitos descrevem eventos que se dão no mundo indígena, e a
floresta é o elemento concreto, visível e tangível desse mundo”, diz ela.
Em Manaus, o cordão folclórico intitulado “Tribo Indígena”
consistia de um agrupamento de homens, mulheres, jovens e crianças usando as
vestimentas tradicionais (tangas ou saiotes feitos de penas de animais, folhas
de plantas, entrecasca de árvores, sementes ou miçangas), cocares, pinturas
corporais e adornos plumários de uma determinada nação indígena.
Para dar maior veracidade ao conjunto, as tribos costumavam
fazer suas apresentações exibindo a presença de pequenos animais vivos, tais
como macacos, papagaios, tucanos, araras, quatis, tatus, cobras jiboias,
camaleões, jabutis, etc.
De um modo geral, as tribos recontavam cenicamente as lendas
indígenas mais conhecidas (vitória-régia, mandioca, guaraná, uirapuru,
jurupari, cobra-grande, festa da tucandeira, lagarta-de-fogo, etc), mas tinham
uma especial predileção por encenar a “Lenda da Menina Moça”.
Nessa lenda específica, os principais personagens do enredo
são o tuxaua, o pajé, a cunhan poranga (a “moça bonita”, considerada a índia
mais bela da tribo), o seringueiro e o caraíba (o apresentador do auto, quase
sempre vestido de coronel de barranco).
Os cânticos e os diálogos dos índios eram sempre feitos na
língua geral (“nheengatu”), com exceção do caraíba (que apresentava o enredo
para a plateia) e do seringueiro, que se comunicavam em português.
O espetáculo tinha início com a tribo chegando a um
determinado local da floresta para erguer sua nova maloca. Após realizarem essa
tarefa, a tribo inteira ia dormir. Já era noite alta quando o tuxaua desperta,
olha para o céu e vê a lua nova. Ele então acorda o resto da tribo e ordena que
comecem os preparativos para a “Festa da Moça Nova”, ou seja, da menina que
menstrua pela primeira vez e se torna mulher.
Homem destemido e autoritário, o cacique bate no chão com um
grande cacete de cumaru avisando aos índios que a pajelança vai começar. Uma
das índias de confiança do tuxaua apanha algumas plantas e começa a benzer o
terreno, secundada pela cantoria de um casal de índios.
O tuxaua chama para o centro do terreiro a cunhan poranga,
sua filha caçula, que se aproxima do pai acompanhada pelas suas duas irmãs mais
velhas. Ela é seguida pelas três mulheres do tuxaua, que se diferenciam das
demais índias da tribo por terem o cabelo longo, liso e negro num comprimento
abaixo da linha da cintura.
O pajé da tribo se aproxima da moça nova e, com o auxílio de
maracás, começa a afugentar os demônios e os maus espíritos que atormentam as
meninas quando entram na puberdade.
Antes de iniciar a escolha do índio da tribo que vai
desposar a moça nova, o tuxaua ordena que todos eles se embrenhem na floresta
para uma grande caçada, a fim de obterem alimentos que serão moqueados para a
grande festa. A cunhan poranga fica sozinha na aldeia.
Nesse momento, um seringueiro que perambulava perdido na
floresta se aproxima da moça nova para pedir uma informação sobre como chegar
ao caminho de Itapauá, onde ficava seu tapiri, e acaba se apaixonando
perdidamente pela índia.
Para conquista-la, ele oferece suas ferramentas de trabalho.
A cunhan poranga, entretanto, não entende o que ele fala, pois não conhece a
língua dos brancos. Ela pergunta o que ele faz no território de sua tribo. Ele
não entende o que ela diz por que também não conhece a língua daquela tribo. O
seringueiro tenta acariciar seu cabelo. A índia grita, aterrorizada.
Ouvindo os gritos da moça nova, os índios retornam
imediatamente à aldeia e prendem o seringueiro, que deverá ser morto na manhã
seguinte. O tuxaua escolhe três guerreiros para ficarem vigiando o prisioneiro
e o resto da tribo vai dormir. De madrugada, os vigias acabam adormecendo.
A moça nova, que havia gostado do seringueiro e agora queria
casar com ele, aproveita a oportunidade para libertar o prisioneiro e, por meio
de mímica, indica o caminho de Itapauá, onde ficava seu tapiri. O seringueiro
beija a cunhan poranga no rosto e vai embora.
Quando o dia amanhece, os índios dão pela falta do
prisioneiro e soa o alarme. O tuxaua,
enfurecido, ordena ao pajé que os vigias relapsos sejam castigados. Após o
castigo, o pajé diz que a paz voltou novamente à aldeia e o tuxaua ordena o
reinício da festa. Os índios começam a dançar e o caraíba anuncia o fim do
espetáculo.
É evidente que esse enredo folclórico de encenação
recorrente entre quase todas as tribos existentes em Manaus (Maués, Andirás,
Iurupixunas, Manaú, Amazonas, Guaranis, etc) era uma versão bastante diluída da
verdadeira “Festa da Moça Nova”, praticada pelos índios ticuna, conforme relato
abaixo do sertanista Sebastião Alves Pinto:
Na
margem esquerda do rio Solimões, cerca de 120 quilômetros abaixo de Tabatinga,
desembocam o rio Tocaná e o Igarapé do Belém. Na vasta região compreendida
entre esses dois cursos de água, habita a tribo dos ticuna. São quase dois mil
índios. Que vivem primitivismo interessante, com hábitos os mais estranhos.
Esses aborígenes adotam a monogamia. Mas os chefes são polígamos,
obrigatoriamente, sendo tolerada a bigamia dos guerreiros.
Os
ticuna conservam entre os usos e costumes exóticos, alguns ritos religiosos
dignos de nota. Na festa da moça nova, o ritual tem que ser cegamente
observado, sob pena de morte.
Quando
a mocinha, a cunhantã atinge a puberdade, esse fenômeno biológico tem que ser
celebrado com estranhas práticas. Assim recolhem a indiazinha numa cabana
isolada, redonda, feita de ripas de palmeira, coberta de palmas. Segredada do
convívio de todos, por longos dias, a donzela aguarda as festas do ritual,
cujos preparativos se fazem intensamente. O pajé, o maior poder da tribo,
orienta a aprontação.
Depois
de concluídos os preparativos da cerimônia, feitos pelos parentes da mocinha,
marca-se a data das festividades. E sai um membro da família a fazer os
convites. Curiosa é a maneira de convidar. O índio, pilotando a sua “montaria”,
vai de igarapé em igarapé, corre de maloca em maloca, munido de um instrumento
rústico, feito de bambu silvestre e a que dão o nome de “aricanha”. Ao atingir
o porto da residência do indivíduo a ser convidado, o emissário modula alguns
sons da aricanha. E segue viagem sem nada mais fazer. Pela modulação, o
convidado fica sabendo o dia, o lugar e a hora da festa e mais ainda, quem é o
festeiro.
Chega
o grande dia. Começa a festança. Esta tem início pela recepção dos convidados.
Há larga distribuição de “caxiri” e de “caiçuma”, bebidas fermentadas. A
embriaguez coletiva dura três dias. E há música bárbara. E há danças típicas.
Aos sons das aricanhas, tantans, japurutus e outros instrumentos primitivos,
toda uma estranha coreografia é exibida e aplaudida pelos bugres. Enquanto
dançam, algumas mulheres velhas, experientes, iniciam a donzela, reclusa nos
segredos da vida adulta.
Ensinam-lhe
coisas do amor. E dão-lhe instruções sobre as obrigações da mulher, tais como
atividades domésticas, saber fazer bebidas, trançar a rede para o marido,
acostumar-se ao sofrimento, obedecer cegamente ao seu homem e outras coisas
mais. Depois submetem-na às provas da tentação e curiosidade. Pratica-se então,
a cena do Pai de Vento, feita por mascarados vestidos grotescamente. E tudo
termina com um bailado selvagem e violento representando lutas e morte.
Então
terminadas as provas, vem o fecho da festa. Num ambiente de embriaguez
completa, ultima-se a função. A iniciada é transportada para o terreiro da
aldeia. A um sinal do chefe da tribo, algumas megeras, atiram-se sobre a
mocinha. E entram a arrancar-lhes os cabelos, que tinham sido previamente
pintados com pasta de jenipapo. Com uma rapidez incrível, vão arrancando os
cabelos da donzela ticuna.
Coberta
de sangue, descabelada, ferida, a iniciada não grita, nem geme. Num dado
momento, o pai, o dono da festa, chama um guerreiro de sua simpatia e doa-lhe a
filha. Para que dela faça sua esposa. Não importa que o guerreiro já seja
casado. O marido escolhido, toma-a nos braços, conduzindo-a para sua maloca,
onde ela vai ser a “tucunuá”. E consuma-se a noite de núpcias, bárbara e
original, sob a ação da “caiçuma” e debaixo do estrondar dos tantans. E a selva
continua a viver em pleno regime de pajelança.
A Dança do Cacetinho
Também conhecida como “Dança dos Tarianos” ou “Cacetinhos de
Tefé”, trata-se de uma dança de origem indígena, exclusivamente masculina,
consistindo de um combate coreografado entre duas parelhas de rapazes com
vestimentas indígenas e portando um pequeno bastão de madeira (daí o nome
cacetinho), que representam a luta entre tribos ou clãs rivais.
As duas tribos inimigas são caracterizadas pela
predominância das cores vermelho e azul em suas vestimentas. Durante o combate,
eles tanto realizam desenhos coreográficos lineares (somente com sua parelha)
quanto em dupla (com a linha de rapazes que dançam a sua frente), utilizando os
seus bastões contra os bastões da linha rival.
Durante a apresentação, as tribos realizam uma série de
coreografias específicas de acordo com a denominação de cada ato e obedecendo
as ordens do apitador/marcador: Ritual (com a entrada da índia branca), Entrada
dos Guerreiros, Cacetão, Palma, Cacete Manso, Queda, Lodum, Anta, Lenço, Cacete
Doido e Despedida.
A dança apresenta alguns destaques típicos (índia branca,
pajé e índias guerreiras), cujo papel secundário consiste apenas em
proporcionar uma maior beleza plástica e visual ao cordão folclórico. Um
pequeno grupo de músicos faz a trilha sonora da apresentação.
Originária do município de Tefé, a dança foi trazida para
Manaus pelo pesquisador Gaudêncio Gil, no ano de 1958, sendo montada pelos
alunos da Escola Técnica de Manaus (depois ETFA, CEFET e atual IFAM), na época
um educandário exclusivo para homens.
Por exigir um sincronismo quase perfeito (qualquer descuido
na hora do Cacete Doido pode se transformar em um acidente perigoso), a Dança
do Cacetinho só foi exibida para o grande público, pela primeira vez, em 1962,
no 6º Festival Folclórico do Amazonas, tendo arrebatado de emoção as 30 mil
pessoas presentes ao campo do Estádio General Osório.
Com o passar dos anos, a Dança do Cacetinho acabou se
transformando em uma atração especial do evento muito aguardada pelo público, principalmente
depois que introduziu nas suas apresentações uma impressionante coreografia em
que os cacetinhos foram substituídos por terçados. As faíscas que se soltavam
das lâminas do terçado se chocando com violência eram um espetáculo à parte, de
tirar o fôlego da assistência.
A partir dos anos 90, diversos cordões folclóricos
semelhantes começaram a surgir na cidade, mostrando que a dança está cada vez
mais enraizada na cultura local.
Das tribos pioneiras de Manaus, merece destaque a Tribo dos
Maués, fundada em 25 de julho de 1952, no bairro de São Raimundo, pelo sr.
Francisco Martins da Silva, que depois de ensaiar nos bairros de Santo Antônio,
Vila da Prata e Francisca Mendes, tem sua maloca, hoje, na Compensa e costuma
participar do festival com 150 brincantes.
Entre as tribos que ainda hoje participam ativamente do
Festival Folclórico do Amazonas merecem destaque os seguintes grupos: Cacetinho Tribo
dos Tarianos do IFAM, Cacetinho Tribo dos Katukinas Pidá D´Japá, Tribo dos
Ianomanis, Tribo dos Barés, Tribo Tukano Dessana, Cacetinho Ajuricaba,
Cacetinho da Belo Horizonte, Cacetinho Manaós, Cacetinho Tribo dos Kaiapós,
Tribo Clamor de um Povo, Cacetinho Tribo Baniwa, Cacetinho Kamayurá, Cacetinho
Manaú, Tribo Tikuna Belezas Naturais, Tribo dos Manaú, Tribo Tukano do Alto Rio
Negro, Cacetinho Tribo Jurupixunas, Tribo Raízes Indígenas, Cacetinho Waimiri
Atroari, Tribo Saterê Maué, Cacetinho Tribo Makuxi e Tribo dos Muras.
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