Boi-bumbá Corre Campo,
o primeiro campeão do Festival
No dia 2 de junho, domingo, em uma reunião na redação dos
Diários Associados que contou com a presença de Philipe Daou, secretário-geral
de O Jornal e Diário da Tarde, Irisaldo Godot, secretário de O Jornal, Bianor
Garcia, secretário do Diário da Tarde, coronel Márcio de Menezes, comandante do
27º BC, e de Stênio Neves, Chefe de Polícia, os dirigentes dos grupos
folclóricos tomaram conhecimento do regulamento do concurso e das penalidades
passíveis a quem desobedecesse às regras de disciplina e segurança.
“Espero de vossas senhorias tão somente que a harmonia e o
congraçamento preponderem com absoluta normalidade, evitando-se que a
rivalidade seja desviada para fins menos gloriosos”, avisou o coronel Márcio de
Menezes, em um recado direto aos bois-bumbás.
A comissão julgadora do concurso, presidida pelo folclorista
e professor Mário Ypiranga Monteiro, incluía o sociólogo e desembargador André
Araújo, o professor Sebastião Norões e a professora Bete Antunes de Oliveira.
Ficou decidido que no primeiro dia do concurso, dia 21,
sexta-feira, se apresentariam os sete bumbás, a quadrilha da Escola Técnica de
Manaus, o Cordão de Pássaro Gavião Real e a Dança Regional do Colégio Estadual do
Amazonas.
Cada conjunto teria 15 minutos para fazer sua exibição. Os
grupos seriam chamados para o tablado por meio dos dez alto falantes espalhados
pelo estádio. As apresentações deveriam começar impreterivelmente às 19 horas.
A tolerância para o atraso seria de 5 minutos. Quem ultrapassasse esse tempo
estaria automaticamente desclassificado.
Por meio de sorteio, as apresentações das quadrilhas no dia
22, sábado, obedeceriam a seguinte ordem: Caboclinhos na Soçaite, Maria Bonita,
Última Hora, Normalistas, Ypiranguenses, Coronel Janjão, Mocidade, Caboclos do
Andirobal, Curupiras e Forró do Virgulino.
No domingo, 23, a ordem era a seguinte: Real Madrid,
Caipiras, Primo do Cangaceiro, Los Caipiras Andaluzes, Rouxinol e Matutos do
PTB.
O hoje cada vez mais
raro Gavião Real, considerado a maior ave de rapina do Brasil
A notícia de que o cordão de pássaros de Petrópolis iria se
apresentar com um gavião real de verdade virou o grande assunto da cidade.
Segundo o dono da brincadeira, Raimundo da Silva Vale, o “Velho Raimundo”,
ex-vaqueiro do bumbá Mina de Ouro, ele antes organizava o Cordão do Pássaro Tucano,
“mas ele era artificial, simbólico, feito de pano, meio fuleiro”.
O gavião real de verdade havia sido encontrado, ainda
filhote, nas matas do rio Purus e dado de presente ao Velho Raimundo por um de
seus compadres. Criado como uma ave doméstica, o gavião real começou a ser
treinado artisticamente pelo dono da brincadeira.
“O gavião real vai fazer miséria no campo dos militares. O
bicho canta, dança, abre as asas e suas gesticulações são perfeitas,
harmoniosas, disciplinadas. Atualmente, ele já entende os compassos do ensaio,
mas de vez em quando dá umas bicadas da moléstia”, divertia-se o Velho
Raimundo.
Como o “bosque” do gavião real estava localizado em uma área
de difícil acesso, a brincadeira era exibida apenas para os poucos moradores do
bairro de Petrópolis, na época um dos mais distantes de Manaus.
Segundo o Velho Raimundo, o Cordão de Pássaro Gavião Real
iria contar a história de um caçador que tenta a todo custo matar a ave, mas
que é impedido pela fada, dona Judith Oliveira Vale, esposa do próprio
Raimundo.
Os outros personagens do auto eram Cleonice (princesa),
Rosalvo (príncipe), Dukita (camponesa), Clarice (vassala), Mimita (cigana),
Maria das Dores (feiticeira), Zuleide (tuxaua braba), Maria (tuxaua mansa),
Madalena, Francinete, Mariana, Raimunda e Zuleika (índias), Chico (mestre),
Jorge (contramestre), João (guarda-bosques), Rogério (soldado), Aluisio (pajé),
José (matuto), João Paulo (Dr. Bochecha), Joaquim (palhaço Tampinha), Cristovão
(tesoureiro), Biriba (morcego), José Oliveira (carrasco), Magnólia
(enfermeira), Raimundo (caçador), Maria das Graças, Maria de Fátima e Francisca
(borboletas).
Patrocinado pelo prefeito Gilberto Mestrinho, o cordão fez
seu ensaio geral no dia 16 de junho, domingo, com início às 17 horas, na Praça
da Polícia Militar, atraindo milhares de pessoas interessadas em ver, pela
primeira vez, um gavião real de verdade, ao vivo e a cores.
Entre as quadrilhas mais bem organizadas, algumas
despontavam como favoritas:
Forró do Virgulino, de Jurandir de Souza Amorim, que
ensaiava na Rua Santa Luzia, na Matinha.
Matutos do PTB, de Maria do Carmo Ribeiro, que ensaiava na
sede do PTB de São Francisco.
Quadrilheiros de Última Hora, de Wilson Santos, que ensaiava
na Rua Ajuricaba, na Cachoeirinha.
Quadrilha da Mocidade, de Francisco Oliveira Pires, que
ensaiava na Av. Airão, na Praça 14, e tinha entre seus membros ilustres
representantes da comunidade carnavalesca maranhense radicada em Manaus como Sabá, Maria, Dedé,
Georgete, Amazonina, Bobó, Maria Zulma, Cleomar, Nescafé, Vandeta, Adamor e
Tereza, entre outros.
Quadrilha Primo do Cangaceiro, de Gentil Bessa, que ensaiava
na sede do PTB da Cachoeirinha.
Quadrilha do Coronel Janjão, de Umberto Normando, que
ensaiava na Rua Dr. Machado, 817, Centro.
Quadrilha Los Caipiras Andaluzes, do capitão do Exército Sandoval
Pinheiro de Amorim, que ensaiava na Rua Recife, 659, Adrianópolis.
E, finalmente, a Quadrilha Ypiranguense, de Carlos Queiroz
Costa, que ensaiava na sede social do Ypiranga Futebol Clube, na Cachoeirinha.
O boi-bumbá Mina de Ouro, do famoso
mantra “Êi, ferro, êi, aço, eu te procuro e não acho”, que aterrorizava os
adversários
Em junho de 1989, em uma série de artigos publicados
diariamente no jornal Diário do Amazonas sob o sugestivo título de “Os Anos
Dourados do Festão do Povo”, o jornalista Bianor Garcia relembrou aquele dia
memorável:
O 1º
Festival Folclórico do Amazonas, inaugurado no dia 21 de junho de 1957, no Estádio
General Osório, teve a participação de 25 grupos, sendo sete bois, um pássaro,
uma dança regional e 1.500 figurantes. Começou com 1.500 pessoas, mas no último
que fiz, seis anos depois, em 1963, reuni mais de 10 mil figurantes, em 100
grupos, obrigatoriamente com o mínimo de 100 pessoas cada um.
Os
bois foram Rica Prenda (Praça 14), Mineirinho (Santa Luzia), Ás de Ouro
(Matinha), Corre Campo (Cachoeirinha), Flor do Campo (Aleixo), Canarinho (Morro
da Liberdade) e Mina de Ouro (Boulevard). Diziam que eu não reuniria mais de
quatro ou cinco bumbás, pois era só o que aparentemente tinha em Manaus de
manifestações folclóricas. Reuni 25 grupos. Até um gavião vivo apareceu, no
pássaro Gavião Real. O presidente de Portugal, Craveiro Lopes, nessa noite, ao
sair do estádio, foi acariciar o pássaro e levou uma bicada na mão. A única
Dança Regional, do Colégio Estadual, teve a ajuda do professor Mário Ipiranga
Monteiro.
O
festival abriu às sete da noite, mas desde as três da tarde o estádio já estava
completamente lotado. Às 19h30 caiu uma chuva torrencial, danificando parte da
decoração do estádio e da fantasia dos brincantes que ali já se encontravam.
Passada a chuva, tive um trabalho enorme para reagrupar todos para iniciar o
desfile. É que durante o aguaceiro, a maioria foi entrando casa adentro da
vizinhança para se defender. Já fui encontrar o Mineirinho em cima da cama de
uma família, na Av. Epaminondas, com o resto do grupo espalhado da sala à
cozinha. O dono da casa, que não me conhecia, ao me ver entrar, chegou pra mim
e disse: ‘Eu só queria conhecer esse filho da puta do Bianor Garcia pra mostrar
a ele o que estão fazendo dentro da minha casa, com essa porcaria de folclore’.
Eu saí de fininho.
Mas
foi, modéstia à parte, uma das noites mais lindas de Manaus. O povo não estava
ali só para conhecer o presidente de Portugal, mas porque era a primeira vez
que se fazia uma promoção junina daquele porte. A partir daí, o festival
cresceu ano a ano. Até o Rio de Janeiro queria conhece-lo. Mas isso é outra
história para ser contada mais adiante.
No dia 22 de junho, sábado, o matutino O Jornal saiu com a
manchete “Sucesso absoluto na festa popular em homenagem a Craveiro”:
Apesar
da chuva torrencial que, inesperadamente, desabou sobre a cidade, por volta das
20 horas, prolongando-se por mais de uma hora, obteve êxito completo a festa
popular que os nossos Diários – O Jornal e Diário da Tarde – realizaram, ontem,
no Estádio General Osório, com a prestimosa colaboração do 27º BC e da
Prefeitura Municipal de Manaus, em homenagem ao ilustre presidente de Portugal,
general Francisco Higino Craveiro Lopes.
E a
nossa vitória foi tanto maior porque, na manifestação de seu irrestrito apoio à
nossa inciativa e ao desejo de aplaudir o primeiro magistrado da nação lusa, o
nosso povo, uma incalculável multidão de homens, mulheres e crianças de todas
as nossas classes sociais, resistiu ao aguaceiro, não se arredou do Estádio
General Osório e assim a festa alcançou o sucesso retumbante que tanto
esperávamos.
O
presidente Craveiro Lopes e sua brilhante comitiva, acompanhados pelo
governador Plinio Coelho e sua Exmª esposa, pelo nosso mundo oficial e pelos
senadores da República que nos visitaram, ficaram contentes e satisfeitos com
as inúmeras apresentações dos bois-bumbás, da quadrilha da Escola Técnica de
Manaus, pelo conjunto regional do Colégio Estadual do Amazonas, pelo Gavião
Real e, por igual, profundamente comovidos com a espetacular homenagem que lhes
prestou nossa população. O êxito obtido pela iniciativa compensou nossos
esforços. Sentimo-nos bem recompensados, assim como o 27º BC e a Prefeitura de
Manaus.
Neste
rápido registro, já que no Diário da Tarde, edição de hoje, voltaremos ao
assunto nos detalhes, apresentamos nossos agradecimentos à Construtora Lippi,
na pessoa de seu dirigente maior, engenheiro Mauro Lippi, aos dirigentes da
Companhia de Eletricidade de Manaus, às Serrarias Hore, Furtado, Morais,
Pereira, Amazonas (de Jackson Cabral) e Vila Rica, à firma J. G. Araújo &
Cia. Ltda, ao mestre Branco e Silva e à Fogueteria Iracema, pela valiosa
contribuição que nos deram e em função do que foi possível conseguir a vitória
maravilhosa da noite de ontem.
A amazonense Terezinha
Morango, a nossa eterna Miss Brasil
É ainda o jornalista Bianor Garcia que recorda as emoções
daquele ano, em artigo publicado na série já citada anteriormente:
O ano
de nascimento do Festival Folclórico foi recheado de acontecimentos agradáveis
para o povo amazonense. Ainda se festejava o jorro do petróleo em Nova Olinda,
que trouxe ao Amazonas o presidente Juscelino Kubistchek, quando Terezinha
Morango, aluna do Colégio Estadual, foi eleita Miss Brasil. Naquela época,
conquistar o título de Miss Brasil era a suprema realização de qualquer Estado.
O comércio fechava, o povo corria para as ruas, havia festa dia e noite. No
segundo dia do festival, 22 de junho, a população amanheceu sob a expectativa
do concurso Miss Brasil, que iria se realizar à noite, no Hotel Quintandinha,
no Rio de Janeiro, no mesmo instante das exibições folclóricas no General
Osório.
Como
não havia televisão e pouca gente tinha rádio potente, capaz de acompanhar o
certame, o jeito era aguardar a sirene de O Jornal, ou do Jornal do Comércio ou
de A Crítica, caso Terezinha Morango, Miss Amazonas, ganhasse o título
nacional. Tudo que acontecia de inusitado e pudesse representar “furo” de
reportagem merecia um toque de sirene. No incêndio da Lobrás (na época
chamava-se Lojas 4.400) e da Biblioteca Pública foi assim. Onde quer que se
estivesse e se ouvisse o toque da sirene na Eduardo Ribeiro, corria-se para lá,
em busca de novidade.
Era
mais ou menos meia-noite. Eu acabava de chegar do estádio General Osório, onde
tinha apresentado a segunda noite do festival. Irizaldo Godot, secretário de O
Jornal, me aguardava para fazer as legendas das fotos que iriam sair no dia
seguinte. De repente, chega a notícia: Terezinha Morango venceu o Miss Brasil.
Alguém da empresa saiu do gabinete: “Macaco (Macaco era o apelido de um dos
impressores), toca a sirene”.
Em 15
minutos a Eduardo Ribeiro estava cheia de gente, festejando o acontecimento.
Ninguém acreditava que Terezinha pudesse ganhar, apesar de ser uma linda
morenaça de olhos verdes, filha de português com índio. Afinal, naquele tempo,
o Amazonas era muito marcado como terra de índio, de cobras e de jacarés. O
governador Plinio Coelho deixou o Palácio Rio Negro e foi para o meio da rua
festejar com o povo. Alunos do Colégio Estadual, companheiros de Terezinha,
acompanhados de batucadas e músicos, fizeram um carnaval que só terminou às
cinco da manhã.
No dia
seguinte, 23 de junho, O Jornal estampou a grande vitória de Terezinha com uma
fotografia de 30 centímetros de altura por duas colunas. Teve que rodar a
impressora duas vezes pela manhã para atender à procura. Vendeu mais jornais
que o Jornal do Comércio, que era vizinho de O Jornal, no dia em que o antigo
matutino dos Diários Associados – cadeia nacional de Assis Chateaubriand –
publicou um anúncio de rodapé, com um erro de revisão. Em vez de “colchões de
mola” saiu “colhões de mola”. A notícia que publicamos sobre Terezinha Morango
foi a seguinte:
RIO –
23 – URGENTE – (Da Sucursal) – Teve lugar à noite de ontem, no Hotel
Quintandinha, um suntuoso desfile que se prolongou até às primeiras horas da
madrugada de hoje: o julgamento final do concurso para a escolha da Miss Brasil
1957. O certame sensacional prendeu a atenção de todo o Brasil e culminou com a
escolha da senhorita Terezinha Morango, representante do Amazonas.
Após o
desfile das candidatas em trajes de soirée e de maiô foram escolhidas as
finalistas, a saber: Miss Minas Gerais, Miss Amazonas, Miss Ceará, Miss Paraná
e Miss Rio Grande do Sul. Logo após, o locutor oficial do concurso anunciou que
o título de Miss Brasil estava entre Miss Minas Gerais e Miss Amazonas.
Foi
realizado então o julgamento final ao qual concorreram as finalistas, anunciando
a Comissão Julgadora a escolha da senhorita Terezinha Morango Miss Brasil de
1957, seguindo-se as representantes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Ceará e
Paraná. O grande ‘furo’ foi dado por nossos diários através de nossas sirenes a
uma hora da madrugada. Amanhã, na 1ª edição do Diário da Tarde, maiores detalhes
e farto material fotográfico.
No 1º Concurso Junino, a Comissão Julgadora chegou aos
seguintes resultados:
Bumbás: Corre Campo (1º lugar), Rica Prenda (2º lugar) e
Mina de Ouro (3º lugar).
Quadrilhas: Coronel Janjão (1º lugar), Caboclos do Andirobal
(2º lugar) e Primo do Cangaceiro (3º lugar).
A Dança Regional do CEA e o Cordão de Pássaro Gavião Real
foram declarados campeões em suas categorias porque não tiveram adversários.
Calcula-se que 30 mil pessoas (20% da população de Manaus
daquela época) tenham passado pelo Estádio General Osório durante as três
noites de competição.
Mal comparando, é como se hoje, na semana do festival, 50
mil pessoas fossem prestigiar todas as noites, de domingo a domingo, a
apresentação dos nossos grupos folclóricos na arena do Centro Cultural dos
Povos da Amazônia.
Em termos de popularidade, a pajelança havia começado com o
pé direito.
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