Por Mouzar Benedito
Embaixador 6%. Assim era conhecido um embaixador brasileiro
na França, num período em que sobrava dinheiro nos países ricos e muitas
empresas se interessavam em aplicar no Brasil. Segundo se contava, os franceses
interessados em investir no Brasil o procuravam e ele cobrava 6% de propina
para apoiar o investimento.
Lembrando dele, fico imaginando possíveis apelidos de certos
políticos e empresários brasileiros. Poderia ser Fulano Incompetente, Cicrano
Ladrão, Beltrano Corrupto, Dudu Fora da Lei, Zé Amigo do Alheio, Beltrano
Trouxa Só 5%, Mané Cobra de Chifre, Doutor 171, Diretor Meio a Meio, Fulaninho
Mão Leve, Edu Malevão, Zé Esfola-caras, Fulano Nefando, Beltrano Viperino, Gegê
Mordaz, Paulo-que-de-pato-não-tem-nada…
Mas poderiam ser também apelidos numa linha mais irônica:
Fulano Honesto, Beltrano Bom Caráter, Cicrano Dentro da Lei, Doutor Correto,
Fefê Imaculado, Altruísta da Fiesp, Fulano Magnânimo, Beltrano Mavioso, Zé
Santo Homem… Esse tipo de apelido, invertendo as “qualidades” das pessoas não
são incomuns no Brasil
Saindo do universo dos políticos e poderosos, uma linha de
apelidos é de mostrar alguma característica física das pessoas, como os baianos
Paulinho Boca de Cantor e Odair Cabeça de Poeta. Uma vez, em Barra, cidade
localizada onde o Rio Grande da Bahia deságua no São Francisco, vi um sujeito
brigão, mal-ajambrado e com os lábios cheios de feridas. O apelido dele era
Renato Boca de Hemorroida.
Já em Minas Gerais, alguns recebem apelidos contrários às
características físicas das pessoas, assim como os já citados apelidos
ironizando as “qualidades” morais. Por exemplo: na minha terra tinha um sujeito
com um pescoço bem comprido, cujo apelido era Zé Pescocinho. Um magrelinho era
o Dito Peitudo. Toda a família dele era de magrelos, e todos recebiam o
“sobrenome”, quer dizer, o apelido Peitudo.
Mas não é só lá que acontece isso. Em São Paulo tinha um
rapazinho com os pés enormes, conhecido como Pé de Anjo (por sinal, esse é o
nome de um samba carioca, com o mesmo sentido).
Quando eu estudava Geografia, na USP, havia muitas meninas
com o mesmo nome, e eram diferenciadas por apelidos. Teresa, por exemplo, havia
muitas. Então, aí vão apelidos de duas delas: Teresa Portuguesa e Teresa Boca
Larga. Duas tinham o nome de Keiko. Uma delas, com o queixo meio avançado pra
frente, era chamada de Keiko Buldoguinha; a outra, bonita, esbelta, parecida
com o que antigamente chamavam de “japonesa de folhinha”, era a Keiko Bonita.
Entre as de nome Bete, lembro-me de uma que ficava mais
jogando pingue-pongue do que na sala de aula, era conhecida como Bete
Pingue-Pongue. Entre as chamada Vera, tinha uma que cantava no Coral da USP e
por isso era chamada de Vera Coral; outra, que nos intervalos das aulas ficava
na rampa que desce das salas de aula para a lanchonete, para grudar em algum
professor que descia por ela e ficar puxando-saco, era chamada de Vera
Declividade.
Uma moça que andava sempre de nariz empinado ganhou um
apelido bem safado: Cheira Peido. Puxa! Vejo uns políticos pomposos, que se
julgam acima de todo mundo, e também acima do bem e do mal, que poderiam bem
herdar esse apelido.
Rapazes com o mesmo nome também recebiam apelidos, em vez de
serem chamados pelo sobrenome. Um evangélico que andava com uma bíblia debaixo
do braço, ficou conhecido como Ronaldo Bíblico. Tinha também o Fernando Calçudo
e um João que, para diferenciar dos xarás veteranos, foi apelidado de João
Calouro e ficou sendo João Calouro até terminar a faculdade. Um ganhou o
apelido de Ricardo Tripé, numa festa junina, e o adotou para sempre, pois
servia como propaganda, já que o tripé era formado pelas duas pernas e…
Como surgiram alguns
apelidos
Numa cidade do Sul de Minas, numa partida de futebol, um
atacante foi derrubado dentro da área e o juiz não apitou. Ele partiu furioso
pra cima do juiz, gritando: “Isterrégui? Isterrégui?”. Ele queria dizer “Isto é
regra?”, e por isso ganhou o apelido de Isterrégui, que se tornou hereditário:
seus filhos ficaram sendo o Fulano Isterrégui, Beltrano Isterrégui… Até os
netos continuaram com o apelido Isterrégui. Esta é uma característica de certos
lugares.
Na minha família mesmo, há casos assim. Até a geração
anterior à minha havia gente com “sobrenome” Ourives, herdado de uns pioneiros
de mais de duzentos anos atrás. O sobrenome real era Torres, mas só usado em
documentos. Uns outros, herdaram o apelido Barulho, como sobrenome, por causa
do ancestral que chegou por ali no final do século XIX e gostava de dar uns
tiros pra cima. Assim, tenho parentes como Dito Barulho, Zeca Barulho, Tião
Barulho…
No Triângulo Mineiro, meu cunhado deu um apelido bastante
apropriado a um sujeito que era calmo demais: Paulo Neblina. Perguntei por quê?,
e meu cunhado explicou: ele é muito sereno.
Os moleques são maus no exercício de apelidar. Na minha
infância homem não usava cabelo comprido, mas um menino nasceu doente e a mãe
dele fez uma promessa: não cortaria o cabelo dele até que fossem agradecer a
padroeira do Brasil no Santuário de Aparecida, quando ele já estivesse bem
crescido. Aos sete anos, único menino de cabelos longos na cidade, era
conhecido como Zé Marcolina. Marcolina era o nome da principal cafetina local
Na Zona Leste paulistana, numa escola, um menino era todo
desengonçado, com o rosto torto, e os colegas o chamavam de Chiclete de Vaca.
Bom… São muitas as causas dos apelidos. Poderia continuar um
tempão lembrando deles, alguns muito indecentes. Mas para terminar vou contar
apenas a história de quando conheci o compositor baiano apelidado Batatinha. Eu
era fã dele, lembrava bastante daquela música: “Todo mundo vai ao circo / menos
eu, menos eu. / Por não poder pagar ingresso / fico de fora escutando as
gargalhadas…”
Em 1971, eu e uma turma de amigos em férias na Bahia ficamos
hospedados numa república perto da TV Itapuã, onde o Elso, um dos moradores da
casa, trabalhava como câmera. Uma noite, fui beber cerveja com ele numa birosca
ao lado da sede da emissora e ele já estava bebendo com um colega que tinha um
carguinho braçal na TV. Ele me apresentou: era o Batatinha. Fiquei emocionado.
Logo depois chegou o Mário, um dos amigos de São Paulo, e eu sabia que ele
também era fã do Batatinha. Apresentei: “Esse aqui é o Batatinha”. O Mário,
sujeito completamente avacalhado e anárquico, ficou mais emocionado do que eu,
balbuciava, não conseguia falar nada. Travou. Finalmente falou todo formal,
estendendo a mão: “Muito prazer, Mário Pires”.
Ficou um clima esquisito e para voltarmos ao papo informal,
falei: “Mas pode chamar ele de Janete, como ele é conhecido depois da
meia-noite”. Acreditaram. Até morrer, há dois anos, quando ia à Bahia o Mário
era chamado de Janete.
Ah, como eu gostaria de apelidar certos personagens do
noticiário político e econômico, e que eles fossem eternizados, como o do
Mário, quer dizer, Janete.
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