José Silvestre sendo
homenageado pela ciranda Flor Matizada, de Manacapuru, no Parque do Ingá
Conheci o professor José Silvestre do Nascimento e Souza, um
dos filhos do professor Isidoro Souza, em 1998, por meio de uma de suas filhas,
a advogada Débora Souza, a “Debinha”, que era assídua frequentadora da Casa do
Veraneio, da empresária Gracionei Alger, ali na Estrada da Ponta Negra, onde
eu também era um dos habitués nos canaviais de sábado e domingo.
Em uma de nossas muitas conversas sobre o folclore
amazonense, Silvestre me passou o texto abaixo, escrito de próprio punho, que
transcrevo abaixo como forma de homenagear esse querido e saudoso amigo, que
atravessou o espelho em 2001:
No Colégio Comercial Sólon de Lucena, no início do ano
letivo de 1963, fui chamado à Diretoria pelo então diretor Bartolomeu Dias de
Vasconcelos. Naquela época, por determinação legal, eu lecionava Português para
turmas do 1º grau, cumprindo no referido colégio um estágio obrigatório, capacitando-me
a lecionar História e o idioma pátrio, em face de haver sido aprovado no curso
de Licenciatura Plena a que me havia submetido.
Imediatamente compareci à Diretoria, onde o diretor
perguntou-me:
– Silvestre, conheces algum cordão folclórico desses que se
apresentam ao público por ocasião da quadra junina?
Sem hesitar, respondi-lhe:
– Sim, inclusive alguns que ainda não se apresentaram aos
manauaras, tais como a Ciranda, o Cacetinho, o Barqueiro e a Pomba.
Radiante, ele insistiu:
– Queres colaborar com o nosso colégio montando um desses
cordões que conheces?
– Quero, desde que possa contar com seu apoio total e sua irrestrita
colaboração – respondi.
– Está certo! – garantiu o diretor. – Podes contar comigo e
com os demais professores do colégio. Ensaia a Pomba para se apresentar ainda
este ano!
A esta altura, estávamos no final do mês de abril do aludido
ano letivo. Pois bem, aceitando o desafio que eu mesmo provocara, de imediato,
comecei relacionando nas salas de aula aqueles alunos que estavam dispostos a
brincar no cordão que ia montar.
Consegui músicos e, a seguir, em maio, realizei o primeiro
ensaio, bastante animado e bem aplaudido pelo diretor, pelos professores e por
um grande número de alunos presentes.
Realizado o segundo ensaio, com bastante aproveitamento, eis
que, numa segunda-feira, quando eu lecionava para jovens da 1ª série, fui
procurado pelo Inspetor de Alunos, dizendo que o diretor desejava falar-me.
Compareci imediatamente à Diretoria e lá me deparei com uma
senhora de classe média bastante aborrecida e quase discutindo com o diretor. À
minha chegada, ele me apresentou: “Este é o professor Silvestre!”
Sem perda de tempo, ela disse:
– Foi ele que faltou com o respeito para com a minha filha!
Apanhado de surpresa, não titubeei e indaguei-lhe:
– Como se chama sua filha?...
De acordo com sua resposta, acrescentei:
– De maneira nenhuma, diretor. A menina a que ela se refere
deve ter de 10 a 11 anos. É a Loura da classe a quem considero como uma filha.
Mande chama-la imediatamente!
Apesar dos protestos em contrário, o diretor arrematou:
– Minha senhora, pela primeira vez na vida o professor
Silvestre é chamado na Diretoria, daí a necessidade de uma explicação
convincente no tocante à acusação que a senhora acaba de lançar contra ele!
Devo esclarecer, abrindo um parêntese, que o Inspetor havia
me chamado no exato momento em que eu lecionava na classe da Loura, a qual, por
gostar muito de mim, sentava-se na primeira fila de cadeiras bem próxima da minha mesa.
Ao sair da classe, lembro-me de ter dito aos alunos: “Pela
primeira vez sou chamado à Diretoria, peçam a Deus por mim para que nada me
aconteça”.
Obedecendo ao chamado, a Lourinha, como eu a tratava, entrou
espantada na Diretoria, não entendendo qual o motivo de sua mãe ali se encontrar. E,
num gesto próprio de uma menina pura e educada, abraçou-me, segurando minha
mão, colocando-se à disposição do diretor, após haver beijado sua genitora.
Sem delongas, indaguei:
– Minha filha, eu faltei com o respeito a você em algum
momento?
Na mesma hora, ela respondeu:
– Não, professor, foi a mamãe que não entendeu. Nos
estávamos almoçando em família, eu, papai, mamãe e meus irmãos. Ao término do
almoço, eu me dirigi à mamãe, pedindo-lhe: “Mamãe, a senhora permite que eu
dance na Pomba do professor Silvestre?”
Aguentando uma gargalhada quase inevitável, solicitei à
minha aluna que voltasse à sala de aula, olhei para a senhora e disse:
– A sua filha estava com razão ao fazer-lhe o estranho
pedido, pois a Pomba é um cordão folclórico que estou ensaiando no colégio a
pedido do diretor. Se a senhora quiser, pode aguardar alguns minutos, até a
hora do recreio, quando realizarei o ensaio que estava programado para a
próxima sexta-feira.
Ainda contrariada e sem entender muito bem o que eu acabara
de dizer, ela acrescentou:
– Por que o senhor não muda o nome do seu cordão para
Pombo?... Dançar na Pomba, sei lá, mas soa assim meio pornográfico...
Como resposta, olhando fixamente para ela, acrescentei:
– Vou pensar seriamente na sua proposta!
Daí, despedi-me dela e regressei à sala de aula, ficando ela
e o diretor conversando a respeito da ocorrência.
A partir daquele dia, após a realização do terceiro ensaio,
e a pedido do diretor, troquei a Pomba pela Ciranda e, sem saber, contando com
a colaboração de dois conterrâneos tefeenses, Ambrósio Ramos Correa e Gaudêncio
Gil, organizava em Manaus um dos mais belos e aplaudidos cordões folclóricos de
todos os tempos.
Assim surgiu em Manaus, no Colégio Sólon de Lucena, no ano
de 1963, a Ciranda de Tefé, esse belo cordão folclórico trazido da minha
querida cidade natal para a capital do Amazonas, que estreou no 7º Festival
Folclórico realizado na segunda quinzena de junho do mencionado ano, no tablado
improvisado no campo do antigo Estádio General Osório, hoje Colégio Militar do Amazonas, sagrando-se campeã da Categoria Especial.
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