Mestre Maranhão e o
garrote mais famoso da história
Em junho de 1985, os tambores do garrote Luz de Guerra
silenciaram. Os vaqueiros despiram seus casacos de veludo. Os índios esconderam
suas plumas. Mãe Catirina e Pai Francisco pararam com as pavulagens. Havia uma
explicação. Principal incentivadora do boizinho, dona Laura, esposa do Mestre
Maranhão, acabara de falecer. Desmotivado, Mestre Maranhão pôs “o garrote para
dormir”. Era o fim de uma saga que, de tão maravilhosa, havia ganhado contornos
de lenda.
Animador cultural, compositor e carnavalesco por convicção, Antônio
Soares de Oliveira, o Mestre Maranhão, nasceu em Caxias (MA), em 1929, e veio
para o Amazonas, em 1944, com apenas 15 anos. Depois de servir na Aeronáutica,
em Belém (PA), por dois anos, retornou a Manaus, em 1948, e se casou com dona
Laura, com quem teve cinco filhos: Xerxes, Rosângela, Artarxerxes, Iracema e
Beethoven. Também criou como se fosse seu filho o enteado Edson Lameiras.
Em 1949, Maranhão criou a inesquecível Batucada Baré, que
costumava animar o carnaval de rua amazonense nos palanques montados pelas
rádios Baré, Difusora e Rio Mar. Para se ter uma ideia da importância da
batucada, basta dizer que, em 1980, ela se transformou no GRES Barelândia, com
sede no Parque Dez de Novembro, além de ter inspirado a criação da batucada
Balaku-Blaku (também hoje escola de samba).
Na infância, Maranhão havia brincado de “bumba-meu-boi” na
sua terra natal. Em Manaus, ficou fascinado pelo bumbá Mina de Ouro, criado no
Seringal-Mirim pelo seu conterrâneo Cipriano Vieira. O grito de guerra do bumbá
(“Hei, ferro, hei aço, eu te procuro, mas não acho!”), cantado pelos vaqueiros
durante a procura que precede a “matança do boi”, era conhecido de todos os
manauaras.
O Amo do garrote Luz
de Guerra, o moleque Xerxes, filho mais velho de Mestre Maranhão
Era 1960 e outros dois bumbás poderosos agora enfrentavam o
Mina de Ouro, tanto no festival folclórico realizado na Praça General Osório
(hoje, Colégio Militar do Amazonas), quanto em batalhas campais, quando
coincidia de se encontrarem pelas ruas: o Corre-Campo, da Cachoeirinha, e o
Tira-Prosa, de Santa Luzia. Maranhão queria colocar um “boizinho” na rua, mas
não queria enfrentar esses três pesos pesados. Nascia o garrote Luz de Guerra.
O primeiro curral do Luz de Guerra funcionou no quintal da
casa de Mestre Maranhão, na Rua Boa Sorte, na Matinha. Como era rionegrino e
botafoguense, Maranhão não teve dúvidas: escolheu para o boi as cores dos
clubes alvinegros. E como a maioria dos brincantes seria de crianças e
adolescentes, adotou como santos protetores São Cosme e São Damião.
O boizinho foi um sucesso instantâneo. Campeão do festival
folclórico no primeiro ano em que disputou a competição de garrotes, o Luz de
Guerra virou “quindim” de vários políticos, como Álvaro Maia, Gilberto
Mestrinho, Plínio Coelho, Raimundo Parente e Paulo Nery. O saudoso Fábio
Lucena, um apaixonado pela brincadeira, todo ano exigia a presença do garrote
para brincar no terreiro de sua casa.
Em 1969, Maranhão, que era funcionário público, se mudou
para a Cohab-AM do Parque Dez, mas continuou colocando o boizinho na rua,
religiosamente, ano após ano. O Luz de Guerra fez uma aparição no filme “A
Selva”, de Márcio Souza, e era muito requisitado para animar os eventos
turísticos promovidos pela Emamtur. Transformou-se em ícone da cultura popular
amazonense, tendo sido campeão na sua categoria durante doze anos consecutivos,
feito jamais igualado na história do festival folclórico.
No carnaval de 2000, Mestre Maranhão foi homenageado pelo
GRES A Grande Família, do bairro de São José, na Zona Leste. Com o tema “Laços
e abraços... Maranhão, cultura popular”, de Kléber Paiva e Pelado Júnior, a
escola levou para o Sambódromo quatro carros alegóricos, 20 alas, 250
ritmistas, cem baianas e cerca de 3 mil brincantes. Ganhar o vice-campeonato,
na frente de grandes nomes como GRES Reino Unido e GRES Vitória Régia, não
podia acabar em outra coisa a não ser em samba.
“Fico feliz por ter contribuído para que uma escola simples,
da periferia de onde venho, do povão, tenha sido tão bem classificada diante de
escolas com tanto dinheiro”, afirmou Maranhão, após conhecer o resultado.
Segundo ele, a escola merecia esta classificação ou até mesmo o primeiro lugar,
por ter levado pra avenida do samba um enredo objetivo, contando a história e a
cultura do povo amazonense. “Poucos fizeram isso”, disse ele, lamentando que a
falta de dinheiro tenha limitado a escola, que poderia ter feito mais e
conquistado o título de campeã.
Alegre feito uma criança, Maranhão garantia que o GRES A Grande
Família fizera um carnaval autêntico, com um enredo que mexeu com os foliões no
Sambódromo. Ele, que brincava carnaval quando a avenida Eduardo Ribeiro ainda era
de paralelepípedo, estava convencido de que a festa deve sempre buscar suas
origens, sem fugir das tradições. “Hoje, só ganha quem tem muito dinheiro. Mas
nós nos saímos muito bem e fico orgulhoso por ter contribuído para essa vitória”,
disse ele.
Com cerca de quatro mil brincantes, o GRES Mocidade
Independente de Aparecida levou para o sambódromo o enredo “Lua, luar – olha o
boto sinhá” e homenageou o senador Gilberto Mestrinho. Aos 72 anos, o político,
que inicialmente pensava em não desfilar, esbanjou vitalidade como destaque da
escola do bairro onde viveu até ser governador do Estado. O primeiro lugar da
escola verde-e-branca foi atribuído às injunções políticas habituais, segundo
os dirigentes das demais escolas de samba, no sentido de não contrariar o
ilustre homenageado...
O saudoso Mestre Maranhão faleceu no dia 15 de fevereiro de
2001. O resto, como diria Stephen Dedalus pelas mãos vertiginosas de Joyce, é
“silêncio, exílio e astúcia”.
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