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terça-feira, janeiro 23, 2018

Dia dos Namorados e Lacan


A famosa Pedra dos Namorados, em Paquetá

Por Aldir Blanc

Eu também tive um Dia dos Namorados inesquecível. Foi em Paquetá, no ano de 1964. Faz tempo planejo escrever um livro: 1964, o ano que terminou mal pra cacete! Mas isso é outra história, outros idos de março.

Sempre enjoei em barca, lancha, esqui... Não sou um surfista renomado porque o Plasil não fez efeito. Meus próprios sapatos, número 43, às vezes me provocam certa náusea.

Naquela fatídica manhã, do Dia dos Namorados de 1964, eu e Marluce pegamos um dos raros nevoeiros da Baía de Guanabara. Vagamos, ao sabor das ondas, de sete da matina até o meio-dia e meia. Saltei na ilha mais vomitado que chão de creche. Marluce apertou minha mão suavemente, tirou um tasco de talharim de minha barba e tentou levantar o moral:

– Tá parecendo o Netuno...

Fomos para a Praia da Moreninha. Eu conhecia uma passagem secreta que dava numas pedras, um nadinha de areia imaculada, lugar maneiro mesmo, ideal para a prática do sarro.

Após percurso cheio de peripécias – evitar cocô de farofeiro é pior do que o rali Paris-Dakar –, chegamos ao paraíso. Pisei numa galinha preta apunhalada, mas não perdi o bom-humor. Dei uma piscadinha marota pra Marluce e cantarolei, mais de uma década à frente do Caetano:

– O Haiti é aqui...

Estendemos as toalhas. Começou um chuvisquinho brando. O vento é que tava chato. Mangas desabavam sobre nós feito um bombardeio de meteoros. Improvisei um abrigo com minha capa de chuva e um pedaço de remo, num recanto estratégico entre duas rochas.

– Vem pra cá, meu anjo, que tá sequi...

Blhursh! Tsk, pisei no cocô.

Quatro horas depois o temporal amainou, Marluce voltou a si (ela desmaiara com o estrépito de um raio), tomamos uns goles de vinho Raposa e eu toquei, ao violão, minha paródia de Andança, para uso exclusivo em Paquetá: “Vim, tanta areia andei, tanto cocô pisei...”.

Marluce ria feito uma louca – provavelmente, não posso jurar, tomada por uma forma rara de histeria pânica: estávamos cercados por uns vinte e cinco cachorros, sendo que o menorzinho lembrava um pouco o doberman do Goering. Perguntei se eles tinham visto “A Dama e o Vagabundo”, rá, rá, rá, e corri pra água. O mar é meu chão. Marluce escalou uma jaqueira. Ficamos conversando até o anoitecer, quando os cães, atendendo ao chamado atávico da noite, foram uivar no diabo que os carregue.

Marluce, desceu da jaqueira e me esbofeteou.

– Covarde!
Sou normalmente um homem compreensivo, mas o dia havia sido estafante. Dei-lhe uma banda, pulei por cima dela disposto a estrangulá-la e... tive uma adorável ereção!

Tiramos rapidamente o que restava de nossas roupas e deu-se uma espécie de répening suburbano, um dantesco espetáculo de sexo grupal entre Marluce, esse locutor que vos fala, cerca de dois mil mosquitos, morcegos, uma pequena coruja e outros seres carentes que não identifiquei.

Inspirados no perfil escuro da Ilha de Brocoió, minha partner e eu nos arrastamos para a beirinha d’água. Penetrei o portal das delícias, dei uns solavancos empurrados pelas marolas e senti que estava prestes a atingir o clímax.

Ensandecida de paixão (assim julgava eu...), Marluce deu tamanho beliscão em minha bunda que eu...

– Aaaaaiiiiiiiiiiiiiiii!

Marluce entrou em verdadeiro frenesi:

– Me espera... me espera....

– Aaaaaiiiiiiiiiiiiiiiii!

– Aldir, querido... acho que nunca te vi gozar assim...

– E quem é que tá gozando, pombas? Solta minha... aaaaiiiiiiii!

– Mas, Aldir, eu não...

Graças a uns requebros de rumbeira da Praça Mauá, o desgraçado do siri largou a pelanca e correu pra água.

Vocês podem ficar chocados com o que eu vou dizer, mas agradeço a Deus ter sido um siri adolescente em vez daquele boto parecido com o Carlos Alberto Riccelli.

O clima entre Marluce e eu nunca mais foi o mesmo. Não adianta negar: eu sentia falta do siri.

Um dia, ela me devolveu minhas cartas, retratos, os discos do Ray Conniff. Veio tudo num pacotinho muito bem embrulhado, com um último bilhete enigmático: TENTA O MIKE NELSON.

Fiquei magoado, passei meses na fossa, e resolvi fazer terapia lacaniana. Eu havia lido no Aurélio que siri é um crustáceo decápodo braquiúro, da família dos portunídeos, chegados a detritos em geral. Isso abalara minha confiança em mim mesmo.

A doutora era a cara da Dóris Giese. Passei várias sessões enrolando, sem coragem de revelar a razão de meu trauma. Um belo dia, depois de umas cervas com o Betinho, entrei no consultório disposto a tudo. Fui logo dizendo que tinha problemas sexuais com determinado animal. Ela discorreu brilhantemente sobre zoofilia. Quando consegui sussurrar que o bicho em questão era um siri, aí fez-se um silêncio de mais ou menos meia hora. Começamos a rir ao mesmo tempo, ela me confessou que adorava mexilhão, e saímos por aí, atrás de uma boa sopa Leão Veloso.

Como disse o sábio Lacan, em um de seus impagáveis seminários (Sêmen Áurio, na tradução MDMagno):

– Chorrar é pur bebé doente. Sirri, aí c'est parfé, Tion Macalé. Nojente...

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