Por Aldir Blanc
Estou posto em sossego numa casa de praia, perto de
Saquarema, terminando um livro. Na verdade, o livro é que está terminando
comigo. Segundo alguns gaiatos, o tal livro previsto para cerca de 250 páginas
já tem as palavras bang! e cadáver – mas isso é outra história.
Meu esôfago tem travado ásperos diálogos com as antes amenas
doses de vodca. Xingo, entre dentes, o mundo, o conceito (para mim,
incompreensível) de férias, e, em especial, as casas de praia. Encontrava-me
entretido nesse passatempo sulfúrico quando o neto Vinícius, lá da gávea, deu o
brado de alerta:
– Olha, vô! Parece uma lona de circo.
Adivinhem quem veio
para jantar?... O compositor Moacyr Luz, conhecido em algumas áreas, para
continuar citando títulos de filmes, como Um
Convidado Bem Trapalhão. Uma injustiça. É um cara calmo e afável.
Entrou na mansinha (uma mansão pequena) deslocando com graça
e classe sua meia tonelada de peso bem distribuído. Dirigiu-se à varanda, abriu
os braços (com seu famoso desodorante) em direção ao amar e Aaaahhhh!
Os pulmões do Moa valem por duas Kombis. Não é preciso dizer
que ele já havia biritado no caminho. Com a expiração dantesca, andorinhas
caíram fulminadas, um acordeom passou voando. Ouvimos o Gustavo, meu neto
adotivo do pedaço, gritar: “Segura, peão”. Cavalos empinavam, numa área
equivalente a seis hectares. A piscina (antes que meus detratores comecem com a
cantilena, um tanquinho de plástico para bebês) ficou juncada de variados
insetos, dizem que o próprio mar – um espelho antes do titânico hausto – ficou
de ressaca. Um paquete marmórico com turistas a caminho de Búzios, voltou para
a Itália.
Aí fomos para o bar do Belar. Belar, grande figura humana,
um aerofotogrametrista de mão cheia, trabalhou durante 30 anos com meu saudoso
tio Placidino.
No bar, Belar serviu ao Moa uma cachaça raríssima. Temendo
outro Aaaahhhh! de prazer, afivelamos
os cintos. Papo de conhecedor de uca é pior que o de pescador. Moa provou – e
aprovou... – a caninha, ornada com azeitonas num pequeno balde. Depois, tomou o
rumo do quebra-mar e, tonitroante, rugiu para os arrecifes:
– ISSO É QUE É VIDA!
Em seguida, como que transformado em pássaro mitológico,
voou. Ou melhor, caiu de três metros de altura entre siris, casais de namorados
e calangos, ferindo de raspão um voyeur. Novo Aaaahhhh!, dessa vez de susto. Golfinhos em pânico. Albatrozes
colidindo em pleno ar. Um rabino enlouqueceu: “Homem-bomba! Homem-bomba!”
Desfeito alguns outros equívocos, fomos, em alegre caravana,
para o posto de saúde de Bacaxá. Tumulto, choro, hospital superlotado – e,
pasmem, um ortopedista craque, aulas de dedicação aos pacientes dadas pelos
jovens da G. M. de Saquarema, impecavelmente uniformizados, com destaque para o
soldado Mattos. Show da Vida é isso aí. Fomos dormir, Aaaahhhh, no limite...
Pesadelos, suores. Acordamos com o som da viola. Aí pelas
sete da manhã. Era Moa, em cadeira de rodas, tocando sambas antológicos e
tomando a cerveja com peixinho frito trazidos pelo Belar. Às 8h25, pelo horário
de Brasília.
Moa provocou novo acidente ecológico.
– Cadê aquela cachaça?
Todos nós demos uma bicadinha. O nome da branca é Germana,
mas aqui só é chamada de “Saltos Ornamentais”...
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