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quarta-feira, janeiro 31, 2018

Uma visita histórica


Por Aldir Blanc

Estou posto em sossego numa casa de praia, perto de Saquarema, terminando um livro. Na verdade, o livro é que está terminando comigo. Segundo alguns gaiatos, o tal livro previsto para cerca de 250 páginas já tem as palavras bang! e cadáver – mas isso é outra história.

Meu esôfago tem travado ásperos diálogos com as antes amenas doses de vodca. Xingo, entre dentes, o mundo, o conceito (para mim, incompreensível) de férias, e, em especial, as casas de praia. Encontrava-me entretido nesse passatempo sulfúrico quando o neto Vinícius, lá da gávea, deu o brado de alerta:

– Olha, vô! Parece uma lona de circo.

Adivinhem quem veio para jantar?... O compositor Moacyr Luz, conhecido em algumas áreas, para continuar citando títulos de filmes, como Um Convidado Bem Trapalhão. Uma injustiça. É um cara calmo e afável.

Entrou na mansinha (uma mansão pequena) deslocando com graça e classe sua meia tonelada de peso bem distribuído. Dirigiu-se à varanda, abriu os braços (com seu famoso desodorante) em direção ao amar e Aaaahhhh!

Os pulmões do Moa valem por duas Kombis. Não é preciso dizer que ele já havia biritado no caminho. Com a expiração dantesca, andorinhas caíram fulminadas, um acordeom passou voando. Ouvimos o Gustavo, meu neto adotivo do pedaço, gritar: “Segura, peão”. Cavalos empinavam, numa área equivalente a seis hectares. A piscina (antes que meus detratores comecem com a cantilena, um tanquinho de plástico para bebês) ficou juncada de variados insetos, dizem que o próprio mar – um espelho antes do titânico hausto – ficou de ressaca. Um paquete marmórico com turistas a caminho de Búzios, voltou para a Itália.

Aí fomos para o bar do Belar. Belar, grande figura humana, um aerofotogrametrista de mão cheia, trabalhou durante 30 anos com meu saudoso tio Placidino.

No bar, Belar serviu ao Moa uma cachaça raríssima. Temendo outro Aaaahhhh! de prazer, afivelamos os cintos. Papo de conhecedor de uca é pior que o de pescador. Moa provou – e aprovou... – a caninha, ornada com azeitonas num pequeno balde. Depois, tomou o rumo do quebra-mar e, tonitroante, rugiu para os arrecifes:

– ISSO É QUE É VIDA!

Em seguida, como que transformado em pássaro mitológico, voou. Ou melhor, caiu de três metros de altura entre siris, casais de namorados e calangos, ferindo de raspão um voyeur. Novo Aaaahhhh!, dessa vez de susto. Golfinhos em pânico. Albatrozes colidindo em pleno ar. Um rabino enlouqueceu: “Homem-bomba! Homem-bomba!”

Desfeito alguns outros equívocos, fomos, em alegre caravana, para o posto de saúde de Bacaxá. Tumulto, choro, hospital superlotado – e, pasmem, um ortopedista craque, aulas de dedicação aos pacientes dadas pelos jovens da G. M. de Saquarema, impecavelmente uniformizados, com destaque para o soldado Mattos. Show da Vida é isso aí. Fomos dormir, Aaaahhhh, no limite...

Pesadelos, suores. Acordamos com o som da viola. Aí pelas sete da manhã. Era Moa, em cadeira de rodas, tocando sambas antológicos e tomando a cerveja com peixinho frito trazidos pelo Belar. Às 8h25, pelo horário de Brasília.

Moa provocou novo acidente ecológico.

– Cadê aquela cachaça?

Todos nós demos uma bicadinha. O nome da branca é Germana, mas aqui só é chamada de “Saltos Ornamentais”...

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