Pesquisar este blog

quarta-feira, janeiro 24, 2018

Manual de Campanha


Por Mauro Santayana

Aviso aos navegantes: estou traduzindo um dos mais antigos manuais de campanha eleitoral, redigido no fim dos anos 65 (a.C.), por Quinto Túlio Cícero, para uso de seu irmão, Marco Túlio, o famoso orador das Catilinárias e das Filípicas. Cícero foi candidato, e se elegeu cônsul no ano seguinte, exatamente contra Catilina, que tentaria derrubá-lo meses depois. Trata-se do “Commentariolum petitionis”, cuja última edição italiana foi prefaciada por um especialista no assunto, o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti.

O livro, ainda que possa parecer cínico, encerra também lições de modéstia. Cícero era, na consideração política daquele tempo, um “homem novo” – isto é, não pertencia ao círculo dos patrícios antigos de Roma. Ele havia nascido em Arpino (onde nascera outro grande estadista, Caio Mário) e essa circunstância do nascimento era desdenhada por Catilina, que o identificava como “inquilino da Urbe”, ou seja, um estranho na cidade.

Por isso mesmo, seu irmão começa por advertir que, todas as manhãs, ao sair para a busca de votos, Cícero deveria repetir várias vezes a si mesmo, em exercício de humildade: “Novus sum consulatum peto, Roma est” (Sou um homem novo, aspiro ao consulado, trata-se de Roma). Não vou dat todas as dicas para os candidatos às eleições de outubro, embora aconselhe esta a alguns candidatos. São homens novos, querem a Presidência, e se trata do Brasil.

Há outras que lhes deixo, como amostra:

“Quando o aconselhei a pensar que se trata de Roma, é porque se trata de uma cidade cheia de armadilhas, de engodos, de vícios de todo tipo, na qual é preciso suportar a insolência, o desprezo, a protérvia, o ódio e o fastídio de muitos.”

“Sei bem que não existem assembleias, de tal maneira emporcalhadas pela corrupção, em que não haja pelo menos alguns dispostos a votar gratuitamente em candidatos com os quais se sintam particularmente simpáticos. Por isso, se ficamos alertados para a importância da questão, se sabemos distribuir as tarefas exatas aos que nos apoiam e gozam de ampla credibilidade, se colocamos diante do adversário a perspectiva de um processo judicial, se incutimos medo aos compradores de votos, e de qualquer modo brecamos os distribuidores de propinas, pode ocorrer que não exista corrupção, ou que essa seja irrelevante.”

“Existem três tipos de adversários que devem merecer sua atenção. O primeiro é daqueles que você prejudicou. O segundo é daqueles que, mesmo sem motivos, não são seus amigos. O terceiro é daqueles que são intimamente ligados aos seus concorrentes. Quanto aos primeiros, que você deve ter prejudicado em sua condição de advogado, procure-os e lhes mostre que você não quis ser contra eles, mas em favor de seus amigos, e que não houve nada de pessoal, e lhes mostre que você espera defender de tal forma os seus interesses, que possam tornar-se também seus amigos. Quanto aos segundos, procure-os e lhes prometa fazer o que for de seu interesse, a fim de lhes conquistar a amizade. Da mesma forma aja com aqueles que são contra a sua candidatura, porque estão com seus adversários. Dê-lhes sempre alguma esperança.”

Isso é só uma amostra de como Quinto Túlio é atual. Ao redigir a apresentação (o que deve ter feito com muito prazer), Andreotti, que mandou na política italiana desde De Gasperi até que o Ministério Público italiano o denunciasse por envolvimento com a Máfia, diz, entre outras coisas:

“O candidato, isto é, o político empenhado em uma campanha eleitoral, parece, portanto, ter, na ótica de Quinto Túlio, margens de iniciativa e de manobra não consentidas normalmente ao homem comum. Para contrastar o adversário, é lícita a arma da calúnia.”

Andreotti cita, em seguida, o conselho cínico de Quinto Túlio, que poderia ser seu: “Procura que, se isso for de alguma forma possível, surja contra o adversário uma suspeita, apropriada ao seu comportamento, seja de culpa, de luxúria, ou de dissipação”. Ou seja, não adianta acusar um ladrão velhinho de assédio sexual, nem um avarento de dissipador.

Como previne o Eclesiastes, uma geração vai, outra geração vem, e não há nada de novo debaixo do sol.

Nenhum comentário: