Por Mauro Santayana
Aviso aos navegantes: estou traduzindo um dos mais antigos
manuais de campanha eleitoral, redigido no fim dos anos 65 (a.C.), por Quinto
Túlio Cícero, para uso de seu irmão, Marco Túlio, o famoso orador das Catilinárias e das Filípicas. Cícero foi candidato, e se elegeu cônsul no ano
seguinte, exatamente contra Catilina, que tentaria derrubá-lo meses depois.
Trata-se do “Commentariolum petitionis”, cuja última edição italiana foi
prefaciada por um especialista no assunto, o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti.
O livro, ainda que possa parecer cínico, encerra também
lições de modéstia. Cícero era, na consideração política daquele tempo, um
“homem novo” – isto é, não pertencia ao círculo dos patrícios antigos de Roma.
Ele havia nascido em Arpino (onde nascera outro grande estadista, Caio Mário) e
essa circunstância do nascimento era desdenhada por Catilina, que o
identificava como “inquilino da Urbe”, ou seja, um estranho na cidade.
Por isso mesmo, seu irmão começa por advertir que, todas as
manhãs, ao sair para a busca de votos, Cícero deveria repetir várias vezes a si
mesmo, em exercício de humildade: “Novus sum consulatum peto, Roma est” (Sou um
homem novo, aspiro ao consulado, trata-se de Roma). Não vou dat todas as dicas
para os candidatos às eleições de outubro, embora aconselhe esta a alguns
candidatos. São homens novos, querem a Presidência, e se trata do Brasil.
Há outras que lhes deixo, como amostra:
“Quando o aconselhei a pensar que se trata de Roma, é porque
se trata de uma cidade cheia de armadilhas, de engodos, de vícios de todo tipo,
na qual é preciso suportar a insolência, o desprezo, a protérvia, o ódio e o
fastídio de muitos.”
“Sei bem que não existem assembleias, de tal maneira
emporcalhadas pela corrupção, em que não haja pelo menos alguns dispostos a
votar gratuitamente em candidatos com os quais se sintam particularmente
simpáticos. Por isso, se ficamos alertados para a importância da questão, se
sabemos distribuir as tarefas exatas aos que nos apoiam e gozam de ampla
credibilidade, se colocamos diante do adversário a perspectiva de um processo
judicial, se incutimos medo aos compradores de votos, e de qualquer modo
brecamos os distribuidores de propinas, pode ocorrer que não exista corrupção,
ou que essa seja irrelevante.”
“Existem três tipos de adversários que devem merecer sua
atenção. O primeiro é daqueles que você prejudicou. O segundo é daqueles que,
mesmo sem motivos, não são seus amigos. O terceiro é daqueles que são
intimamente ligados aos seus concorrentes. Quanto aos primeiros, que você deve
ter prejudicado em sua condição de advogado, procure-os e lhes mostre que você
não quis ser contra eles, mas em favor de seus amigos, e que não houve nada de
pessoal, e lhes mostre que você espera defender de tal forma os seus
interesses, que possam tornar-se também seus amigos. Quanto aos segundos,
procure-os e lhes prometa fazer o que for de seu interesse, a fim de lhes
conquistar a amizade. Da mesma forma aja com aqueles que são contra a sua
candidatura, porque estão com seus adversários. Dê-lhes sempre alguma
esperança.”
Isso é só uma amostra de como Quinto Túlio é atual. Ao
redigir a apresentação (o que deve ter feito com muito prazer), Andreotti, que
mandou na política italiana desde De Gasperi até que o Ministério Público
italiano o denunciasse por envolvimento com a Máfia, diz, entre outras coisas:
“O candidato, isto é, o político empenhado em uma campanha
eleitoral, parece, portanto, ter, na ótica de Quinto Túlio, margens de
iniciativa e de manobra não consentidas normalmente ao homem comum. Para
contrastar o adversário, é lícita a arma da calúnia.”
Andreotti cita, em seguida, o conselho cínico de Quinto
Túlio, que poderia ser seu: “Procura que, se isso for de alguma forma possível,
surja contra o adversário uma suspeita, apropriada ao seu comportamento, seja
de culpa, de luxúria, ou de dissipação”. Ou seja, não adianta acusar um ladrão
velhinho de assédio sexual, nem um avarento de dissipador.
Como previne o Eclesiastes, uma geração vai, outra geração
vem, e não há nada de novo debaixo do sol.
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