Por Ricardo Noblat
Onde se lê: “Ninguém está acima da lei”. Leia-se: homens
incomuns costumam estar. Por incomuns, entendam-se homens poderosos,
influentes, detentores de segredos que, se revelados, poderiam provocar a ruína
de outros homens e de instituições.
Pensa que começarei a falar de Lula desde agora? Não.
Deixarei para mais tarde. Falo primeiro de Assis Chateaubriand, um paraibano
baixinho, espertíssimo e sem nenhum escrúpulo que foi dono em meados do século
passado da maior rede de comunicação deste país.
No seu apogeu, o grupo Diários e Emissoras Associadas reuniu
36 jornais, 18 revistas. 25 estações de rádio e 19 de televisão. Chateaubriand
usou tamanho poder para o bem e para o mal, para fortalecer-se como manda chuva
e para satisfazer seus caprichos.
Por duas vezes, em anos sem eleição, ele foi eleito senador.
Como? Pressionou e obteve a renúncia de senadores e de seus suplentes, e a
Justiça foi obrigada a convocar eleições extraordinárias ganhas, naturalmente
por ele. Não assumiu o mandato.
Getúlio Vargas era ditador quando Chateaubriand se
desentendeu com a mulher e quis ficar com a guarda da filha, Teresa. Pela lei
não seria possível. Getúlio curvou-se à vontade dele ao baixar em 1942 o
Decreto Lei 4.737, que conhecido como Lei Teresoca.
Em 1973, o general-presidente Garrastazu Médici, o terceiro
depois do golpe militar de 64, assinou decreto que deu origem à chamada Lei
Fleury feita sob medida para proteger o delegado paulista Sérgio Fleury, o
maior torturador de presos políticos à época.
Fleury corria o risco de ser preso por crimes ligados ao
Esquadrão da Morte e ao tráfico de drogas. A lei dizia que réus primários, com
endereço conhecido e bons antecedentes, estavam dispensados de ir para a
cadeia. Sim, foi isso mesmo que você leu.
Há menos de dois anos, Renan Calheiros desrespeitou decisão
do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que o
afastou do cargo de presidente do Senado (não do mandato) porque como réu em
processo não poderia ocupá-lo.
O que fez o STF? Derrubou a decisão de Mello. Proibiu Renan
de assumir a presidência da República em eventual ausência de Michel Temer e do
seu substituto imediato, o presidente da Câmara. Mas não viu mal que ele
permanecesse no cargo de presidente do Senado.
No final de setembro do ano passado, por envolvimento no
escândalo do Grupo J&S, o STF afastou Aécio Neves do cargo de senador e o
pôs em prisão domiciliar. O Senado recusou-se a aceitar a decisão. O que fez
então o STF?
Estabeleceu que, doravante, qualquer punição que impusesse a
um parlamentar só valeria depois que a Câmara ou o Senado a avalizasse. Abdicou
na prática do princípio de que a última palavra será sempre da justiça.
Rendeu-se ao Congresso.
Mas a lei não é para todos? E ninguém pode estar acima dela?
Depende. Quando se trata de homens incomuns, não obrigatoriamente. Foi Lula que
um dia, ao sair em defesa do ex-senador José Sarney, referiu-se a ele como “um
homem incomum”.
Nada mais natural, pois, que agora ameaçado de prisão e de
ficar inelegível por oito anos, Lula queira ser visto também como um homem
incomum. Se o STF é capaz de oferecer tomar decisões customizadas, digamos
assim, Lula espera não ser discriminado.
O STF está pronto para satisfazer as expectativas de Lula
pelo menos quanto à prisão. Se há dois anos entendeu que condenado em segunda
instância da justiça pode ser preso, passará a entender que caberá à terceira
instância mandar um condenado para a cadeia.
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