Por Marcos de Vasconcellos
Paulo Perdigão, jornalista, autor de um alentado tratado
sobre o Ser e o Nada, tocador de
prato no Teatro Municipal, dono de um desmaio frente a uma Miss Brasil, rompeu
com uma namorada quando lhe flagrou um pé, digamos, pouco asseado, apaixonado
por cães, crítico de cinema, escolhedor oficial de filmes para a TV Globo e,
além de tudo, possuidor de duas irremovíveis fixações: 16 de julho de 1950,
quando perdemos a Copa para o Uruguai e Shane
(“Os Brutos Também Amam”) famoso western
de George Stevens.
A paixão que Perdigão nutre por Shane é tamanha, que escreveu um ensaio sobre a fita mais grosso
que o próprio roteiro original. Não, minto. A paixão é maior. Em uma entrevista
concedida ao programa Globo Repórter, em 1989, ele admitiu ter visto 82 vezes a
película de Stevens, sendo a primeira vez em 8 de abril de 1957, no auditório
do MEC do Rio de Janeiro, em sessão promovida pelo extinto CCC (Centro de
Cultura Cinematográfica).
Em 1969, ele estava na Califórnia e antes de partir para a
costa leste, resolveu pôr em prática um velho plano: passar por Jackson Hole,
estado de Wyoming, com a intenção – pasme-se – de visitar as locações onde rodaram
o filme. Para sua sorte, soube que um fazendeiro de Wyoming, amigo de amigos,
era casado com uma brasileira, portanto ponte para o sonho.
Foi recebido pelo casal com a maior alegria, hospedaram-no e
– suprema glória – levaram-se às tais locações, filmadas em super-8 com unção
religiosa pelo desvairado fã. E não ficou nisso. Recolheu num vidro a terra
sagrada por onde andaram, cavalgaram e dispararam Allan Ladd, Van Heflin,
Brandon Wilde, Jack Palance e o alvo do maior tiro que vi e ouvi num caubói, o Stone Wall (“Paredão”) Elicha Cook. Fora
a terra, ele também apanhou um pedaço de pau do barracão de Van Heflin.
Quando chegou de volta ao Rio, o inspetor da Alfândega
estranhou aquele pó.
Desculpa do Perdigão: sou geólogo.
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