Por Jason Tércio (*)
Lírico e indignado. Reflexivo e provocador. Por esses e
outros motivos José Carlos (Carlinhos) Oliveira foi o cronista mais influente
do Brasil durante 23 anos. Entre 1961 e 1984, quatro vezes por semana, a sua
coluna no extinto “Jornal do Brasil” era leitura obrigatória. Quando morreu, 30
anos atrás, em 13 de abril de 1986, deixou um vácuo que ainda não foi
preenchido.
“Surrealista por temperamento, anarquista por indisciplina
de berço, boêmio por amor à vagabundagem, agregado à elite pensante por acaso”,
era como se definia. Com personalidade complexa, incorporou diferentes papéis
ao longo da vida: escritor maldito, criança abandonada, bon vivant mulherengo,
intelectual perspicaz e independente. Mas para um de seus melhores amigos,
César Thedim, ele era simplesmente “um doido em forma de canção”.
Apesar de ter sido um boêmio militante a vida toda,
protagonista de porres e escândalos nos melhores botecos de Copacabana ao
Leblon, seus temas iam muito além da fauna noturna. Em textos de alta voltagem
literária, comentava todos os assuntos: religião, futebol, sexo, política,
contracultura, drogas, boemia, moda, lazer, imprensa, carnaval, transformações
urbanas, música popular, crime, neuroses, conflitos sociais, artes, televisão,
ecologia. Sempre assumindo posições, expondo-se ao julgamento público, o que
lhe rendeu bons debates e alguns desafetos.
Alternava amenidades inconsequentes com provocações e
polêmicas, colocando o dedo na ferida da alma brasileira, sem perder a ternura.
Para isso subverteu as convenções da crônica tradicional. Um dia era monólogo
psicológico, outro dia era um esquete teatral ou fábula, diário, sátira, poema
em prosa, pastiche, autoficção, estilo do qual foi precursor no Brasil. Em 1981
ele estendeu a autoficção da crônica para o romance “Um novo animal na
floresta”, narrativa polifônica em que autor, narrador e protagonista se fundem
num único sujeito.
Cronista vocacionado desde os 16 anos, aos 18, em 1952, já
praticava o que só na década seguinte, nos Estados Unidos, seria denominado
Novo Jornalismo, ou jornalismo literário. Como nas reportagens “O Café
Vermelhinho até parece moça de boa família” (no livro “O homem na varanda do
Antonio’s”) e “Mãos estendidas para o parlamento” (no livro “Máscaras e
codinomes”).
Em 1953 já alertava sobre o problema do menor infrator:
“Estamos criando uma geração de revoltados sociais”. Confessional por
temperamento, transformou experiências, pensamentos e sentimentos pessoais em
textos que transcenderam as circunstâncias imediatas.
Tratavam de violência, miséria social e moral, hipocrisia,
injustiça, preconceitos, morte, intolerância, solidão, liberdade, amor, enfim,
os labirintos e abismos da condição humana.
Por isso a maior parte de suas crônicas não envelheceu. Uma
de suas frases se encaixa perfeitamente no atual momento brasileiro: “Alguma
coisa está errada, alguma coisa está podre, e o fedor envenena a minha consciência”.
O conjunto de suas mais de 3 mil crônicas formaram um painel
da sociedade brasileira nas efervescentes décadas de 1960 e 1970. Depois de ter
organizado quatro volumes de crônicas dele (“O homem na varanda do Antonio’s”,
“Máscaras e codinomes", “Flanando em Paris”, lançados pela Civilização
Brasileira, e “O Rio é assim”, pela Agir), estou planejando mais três volumes,
sobre os temas Humor, Mulher e Cultura, crônicas sobre música, cinema, teatro,
imprensa, TV, artes plásticas e literatura nos anos 1960 e 70.
(*) Jason Tércio,
jornalista e escritor, é autor da biografia de Carlinhos Oliveira, “Órfão da
tempestade” (Objetiva)
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