Por Marcos de Vasconcellos
O cronista José Carlos Oliveira inaugurava-se Paris,
primeira viagem. Prevenido, ainda no Rio, dia do embarque escolheu seu cicerone
que, mesmo à distância, o orientaria na descoberta dos mistérios da capital da
Europa: Aloysio Salles, cuja alma de grand
seigneur abriga uma notável percentagem de genuíno parisiense.
Encantado com a missão, Aloysio deixou-se agarrar pelo
Carlinhos e, tratando-lhe o braço, abandonou as coisas terrenas para sonhar
Paris com o escritor aspirante à cidade. E dedicou toda a manhã, o almoço,
meteu-se tarde adentro a desfilar, carro aberto, pela Rive Gauche, certamente o
destino da boemia cultural do Carlinhos que lá pelas cinco horas, repleto de
informações, ia, nos intervalos da fala interminável de Aloysio, tentando
encaixar uma despedida, pois precisava fazer as malas e ir para o aeroporto.
Aloysio, inesgotável:
– Abandone os hotéis ordinários, desses anunciados em guias
de viagem. Recomendo-lhe o Grand Hotel de L’Univers, é próprio para seu gênero.
Ocupe a mansarde – desça a Rue
Gregoire de Tous e dobre à esquerda, Rue Buci. Lá, compre um molho de flores
silvestre, contorne o quarteirão e caminhe pelo Boulevard Saint Germain até topar,
na outra margem com a Brasserie Lipp. Persigne-se, atravesse, e, com o
pensamento em Deus, peça un blanc sec.
Em plena rua Barata Ribeiro, perseguindo pelos gritos do
Aloysio – Espere! Espere! Há mais! –, Carlinhos fugiu, precipitou-se para o
apartamento, fez as malas de qualquer maneira, voou para o aeroporto. Por um
triz não perdeu o avião.
Paris! Refeito imediatamente da diferença das horas, dada a
excitação da chegada triunfal, o escritor iniciou a missa rezada à distância
pelo amigo: desceu a Gregoire de Tours, comprou as florezinhas na feira da Rue
Buci, desembocou no Boulevard, caminhou contrito para a Brasserie Lipp e
encantou-se ao ver que a casa estava justamente onde o Aloysio anunciara, com
precisão.
Sentou-se, colocou as flores num verre d’eau, imitando a providência de um cidadão ao seu lado, que
também mamava um blanc sec enquanto
lia o Figaro que lhe ocultava parte
do rosto.
– Un blanc sec! –
ordenou Carlinhos, com intimidade de nativo.
O vizinho de mesa parece que lhe reconheceu a voz, pois
baixou o jornal e revelou-se: Aloysio Salles!
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