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quinta-feira, janeiro 18, 2018

A origem das milagrosas garrafadas nordestinas


Por Marcos de Vasconcellos

Essa história me foi contada pelo senador Ruy Palmeira (PFL-AL). Havia no interior de Pernambuco um conhecido boticário que juntava às funções de aviador de receitas, as de médico, cirurgião, conselheiro técnico e matrimonial. Tal prática é costumeira no Nordeste sobretudo nos municípios mais carentes, ou seja, todos.

Chegou na farmácia, carregado numa padiola improvisada, um cidadão que tinha levado uma carga de chumbo nos peitos e carga das mais competentes: cartucho 12, caroço 3.

O peito do infeliz era uma pasta de carne, sangue, pano e chumbo, beirando o desengano, mas o factótum mandou que o levassem para os fundos da botica. Lá, esvaziou um cartucho do mesmo calibre que esbagaçou o injuriado e laboriosamente o foi reenchendo com os grãos retirados da ferida. Horas depois, o cartucho cheio até a boca, deu por finda a catação.

O ferido gemeu cinco dias, afogueou-se em febre e delírio mais oito, deu por tenência de si no nono, convalesceu, sarou. A cicatriz restante não fazia jus ao estrago, tão bom foi o trabalho de restauração do boticário. O homem foi-se embora como novo para voltar uma semana depois com queixa:

– Ainda tem chumbo no ferimento, dotô...

– Não tem.

– Tem.

O doutor apalpou o peito do ressuscitado por desencargo de consciência. De fato, não tinha chumbo nenhum, mas o homem queria um remedinho. O dono da casa encheu um vidro médio com água destilada, coloriu com um pouco de azul-de-metileno, macerou erva-de-santa-maria e misturou mode ficar com gosto ruim, mode dar fé na cura. Recomendou: uma colher de manhã e uma de tarde, quando o sol se for. Até acabar o vidro. Nome do “remédio” escrito à mão na etiqueta: Chumbol.

Três meses depois, o doutor não tinha mãos a medir, tantas as encomendas do milagroso Chumbol. Em terra de muito tiroteio, a poção mágica fez extraordinária sucesso e logo foram acrescentados parentes na família: Facol, Porretol, Peixerol.

Mais tarde, contou Ruy Palmeira, o boticário, já riquíssimo, vendeu tudo e mudou-se para o Recife.

É como diz o Mauritônio Meira: o mundo se acaba e o Nordeste não se rende.

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