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quinta-feira, julho 11, 2013

A reação às manifestações de rua escancara o abismo existente entre um estadista francês, uma comandante sem rumo e um Lincoln que tem medo de crise


Augusto Nunes

Durante a crise de maio de 1968, Charles de Gaulle mostrou que o presidente da República, aos 78 anos, continuava tão lúcido, destemido e coerente quanto o general que comandara a luta pela libertação da França na Segunda Guerra Mundial.

Confrontado com o que começou como rebelião estudantil e se transformou em insurreição de dimensões nacionais depois da adesão dos sindicatos, entendeu a mensagem remetida das barricadas em Paris.

Se os jovens combatentes exigiam mudanças radicais no país e num regime político moldados por De Gaulle, estava claro que o inimigo principal e imediato era ele.

O chefe de Estado poderia ter tentado vencer os rebeldes pelo cansaço.

Também poderia ter dividido responsabilidades com o primeiro-ministro George Pompidou, chefe de governo.

Em vez disso, preferiu apanhar sozinho a luta atirada pelos líderes do movimento e amparar-se na arrogância formidável.

“A França sou eu, a República sou eu”, reiterou em 30 de maio, quando anunciou a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições gerais.

No dia seguinte, cantando a Marselhesa, 1 milhão de partidários do presidente se juntaram à passeata que parou Paris, liderada pelo escritor André Malraux, herói da resistência à ocupação nazista e ministro da Cultura.

Vitorioso na eleição de 23 de junho, De Gaulle encerrou democraticamente a rebelião de 1968.

Mais uma vez, mostrou que, sobretudo quando o horizonte está nublado, estadistas devem pensar nos interesses do país e nas próximas gerações.

Passados 45 anos, os pais-da-pátria que infestam a República brasileira confirmam a lição fazendo o contrário do que fez Charles de Gaulle.

Governantes de quinta categoria só conseguem pensar nos próprios interesses e na próxima eleição, reitera a reação dos sacerdotes do lulopetismo à onda de manifestações de protesto que começaram em 6 de junho.

A revolta da rua escancarou o abismo que separa o Brasil Maravilha inventado por Lula e aperfeiçoado por Dilma do Brasil real onde vive a gente comum.

Lá, tudo anda tão bem que, se melhorar, estraga. Aqui, o que se vê é a corrupção impune, a Copa da Ladroagem, a educação e a saúde em frangalhos, a litania das promessas jamais cumpridas, o cinismo exasperante dos políticos ─ a procissão de afrontas parece fila em posto de saúde.

O país que presta perdeu a paciência de vez.

Cansou-se de ser tratado como um viveiro de imbecis resignados.

E reduziu a farrapos a fantasia tecida desde janeiro de 2003.

Tanto o ex-presidente que não desencarna quanto a sucessora que nunca exerceu de fato a chefia do governo já entenderam que estão muito mal no retrato redesenhado pelas multidões inconformadas com a duração da farsa.

Em queda livre nas pesquisas de popularidade, Dilma foi vaiada na abertura da Copa das Confederações e não apareceu na final no Maracanã para escapar da reprise constrangedora.

No encontro de prefeitos em Brasília, a plateia vaiou a convidada ausente na sessão de abertura e vaiou a governante que resolveu dar as caras no dia seguinte.

Lula emudeceu e saiu de circulação no primeiro minuto da primeira passeata.

Só recuperou a voz para contar lorotas na África.

Ambos sabem que estão na origem das manifestações.

Mas fingem que não.

As imagens da revolta em curso neste inverno brasileiro são mais perturbadoras, muito mais agressivas e menos românticas que as produzidas na primavera europeia de 1968.

Tal constatação ganha contornos sombrios quando se compara os atores em cena.

A França tinha De Gaulle na presidência e George Pompidou na chefia de um governo que incluía homens como Malraux.

O Brasil tem no Palácio da Alvorada uma inquilina sem juízo e sem rumo.

E o Planalto continua assombrado por um Lincoln de galinheiro que vive de bravatas e morre de medo na hora do perigo.

Nesta terça-feira, Lula e Dilma se encontraram secretamente em Brasília “para trocar ideias”. Como se tivessem alguma para trocar.

Ele tem soluções para tudo, menos para problemas que o afetam.

Ela não consegue formular sequer uma frase com começo, meio e fim.

Também parecem ter sumido da paisagem a tribo dos políticos que, armados apenas de sensatez, ajudaram a debelar tantos incêndios semelhantes.

Em contrapartida, nunca se viu tamanho ajuntamento de ineptos, vigaristas e farsantes fantasiados de conselheiros do reino.

Sozinha, Dilma já admitiu que é capaz de fazer o diabo.

Com Lula soprando ordens e mercadantes sussurrando palpites, tem provado que é uma incapaz capaz de tudo, menos de fazer o precisa ser feito.

Multidões exigem em coro, por exemplo, o fim das bandalheiras.

Dilma oferece uma Constituinte natimorta e um plebiscito de múltipla escolha, com questões aparentemente extraídas de uma assembleia no hospício.

A redescoberta da rua avisa que milhões de brasileiros enfim passaram a enxergar as coisas como as coisas são.

O palavrório triunfalista virou coisa de senador do Império.

A Praça dos Três Poderes ficou mais antiga que as pirâmides do Egito.

O monarca e a rainha estão nus no trono em ruínas.

A farsa acabou, mas os canastrões seguem recitando o script que pareceu funcionar direito até maio.

Aliviados com a pausa enganosa, a turma acampada no coração do poder está cochilando.

Como nenhum dos motivos da revolta foi removido, pode ter o sono interrompido pelo primeiro estrondo de agosto.

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