Edson Aran
Era uma manhã cinzenta e depressiva feito um disco da Maria
Bethânia. Eu abri os olhos, mas não quis me levantar. Fiquei deitado e vi que
horas eram. Depois peguei o meu iPad 5.0 com Tração nas Quatro Rodas para ler
as notícias do dia.
O mundo sempre foi uma pouca-vergonha, mas isso já era
ridículo: “Em busca de um novo amor, ex-BBB Greyci Quéli depreda restaurante no
Leblon. PM usa bomba de efeito moral, mas é abatida por 487 BBBs de edição
anteriores, que depois seguiram para a casa de Boninho, onde ficarão acampados
até conseguir papel em ‘Malhação’”.
Tem alguma coisa muito errada com essa merda de país ou meu
nome não é Ermenegildo Pinto, pensei. Eu entendo desse troço. Mobilização
espontânea das massas só acontece quando passa trio elétrico na rua. Povo só se
junta pra fazer coreografia de axé music. Sair marchando com cartolina e
molotov? Nem a pau, juvenal! Isso é conspiração. E das boas.
Abro a janela. Lá em baixo, uma marcha que defende Aborto
Gay Mutuamente Consentido entra em choque com a passeata dos Evangélicos
Pró-Cura Gay Depois da Meia-Noite. A polícia tenta conter os baderneiros com
spray de pimenta dedo-de-moça temperada com semente de mostarda, receita de um
chef de cozinha contratado especialmente para controlar os protestos.
Do outro lado da rua, duzentos caras usando máscaras do Guy
Fawkes exigem:
1) A volta do AI-5 e do Chapolin Colorado
2) Show do Michel Teló em Santa Ignorância do Norte (MT)
3) A Revogação Imediata da Lei do Ventre Livre
Tomo um café preto feito o futuro da América Latina. Na TV,
uma mulher gorda e cheia de laquê propõe plebiscito para fazer uma comissão
para discutir como elaborar uma constituinte e agendar uma reforma política.
Isso, definitivamente, não estava certo. Não eram apenas R$
0,20. Nem malabarista de farol aceita essa merda. Da última vez, o cara
arrebentou o vidro do meu carro com três bolas de tênis.
Isso era outra coisa. Forças ocultas solertes, salafrárias,
safadas e sem-vergonha estavam usando memes para manter a massa na rua.
Um meme é igual a um gene: é compacto, mas contém informação
para criar um organismo inteiro. Um meme funciona como um vírus: depois de
inoculado, se propaga sozinho, afetando corações e mentes destruídas por
sertanejo universitário e piadas do Rafinha Bastos.
Isso era uma conspiração. Naquela manhã, eu tomei uma
decisão: eu desvendaria a trama fedaputa ou morreria tentando.
Peguei o celular e liguei pro Raulzito. Raulzito é um cara
que se veste como Raul Seixas e fala feito o Mano Bronha.
“Raulzito? Ermenegildo, mano. Firmeza?”
“Aí, véi, tô na quebrada quebrando tudo com os manos sangue
bom. Tá o maior perreio. Ficou pequeno pra esse país vacilão!”
“Cala a boca, retardado!”, eu disse, polidamente. “Você é
massa de manobra de uma conspiração internacional, ô cretino.”
“Aí, bródi, não vem moscando não que o tambor vai girar pra
ti, tá ligado?”
Não dei trela pro maluco.
“Sai dessa merda agora e vem pra cá que nós temos uma
missão: acabar com essa conspiração ou tomar o poder! O que for mais fácil. E
no caminho vê se acha o malaco do Bom Selvagem”.
Bom Selvagem é um índio que anda com a gente. Ele é malandro
e manipulador feito um marqueteiro, manja? É um silvícola que nasceu mau e
depois foi corrompido pela sociedade.
Juntos – eu, Raulzito e Bom Selvagem – representamos as três
raças que formam o Brasil: canalha, maluco e safado. E juntos nós vamos acabar
com essa conspiração lesa-pátria ou eu não me chamo Venceslau Pietro Pietra!
Opa, espera... Esse é o nome que eu uso pra falsificar cartão de crédito.
Desculpa aí, foi mal.
(CONTINUA)
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