Edival Lourenço
É comum em nosso País construir-se uma casa sem planta, sem
projeto, sem alvará, sem o recolhimento dos encargos sociais e, por fim, sem as
devidas averbações cartorárias.
Quando vai vendê-la, principalmente se há financiamento
habitacional na transação, é quando o proprietário “descobre” que, para
realizar a venda será preciso providenciar uma série de documentos.
Aí começa um procedimento tortuoso e intempestivo, pois se
tratam de documentos que, em tese, deveriam preceder o início da obra.
Como não dá para jogar “na chon” como diria D. Armênia
(personagem da novela “A Rainha da Sucata”), o proprietário providencia um
despachante, que é mais especialista em engraxar os pequenos burocratas do que
mesmo para providenciar documentos.
E em poucos dias a documentação estará toda em ordem.
Alvará de construção, projeto averbado, recolhimento da
previdência social, habite-se, averbação no cartório de registro de imóveis e
tudo o mais.
Dizem que os pequenos construtores ainda hoje preferem esse
caminho.
É mais rápido e até mais econômico do que seguir o trâmite
legal, na ordem correta do processo.
Acho que aqui não precisa de mais nenhuma explicação.
O leitor pode facilmente deduzir as razões desse descalabro.
Tomo esse exemplo como símbolo de nosso país.
Não vai aqui nenhuma conotação antinacionalista.
Acho que nosso País tem várias ilhas de excelência, mas
quase sempre como exceção à regra, como as pesquisas agrícolas e algumas
especialidades médicas.
Sem contar que temos alguns segmentos culturais de alto
requinte, como música, literatura, teatro, dança, manifestações populares.
É uma pena que o gosto dominante venha preferindo as
manifestações que remetam ao brega, ao chulo e ao baixo calão.
No mais, nós somos o País do desleixo.
Em todos os sentidos.
A propaganda oficial quer nos convencer que de estamos
melhorando dia após dia.
E é verdade.
Se olharmos somente para nós, sem comparação com outras
nações soberanas, a gente até que melhorou bastante.
As novas gerações não fazem ideia do que era esse Brasilzão
profundo de 50, 60 anos atrás.
Era um atraso quase neolítico.
Mas quando fazemos um olhar comparativo, as propagandas soam
mentirosas.
Países que têm história econômica comparável com a nossa
estão anos-luz à nossa frente.
Imagine nos comparar com Austrália ou Coreia. A do Sul.
Porque a do norte, como é comum às ditaduras ineficientes,
fechou os meios de comunicação e as fronteiras.
E a mentira oficial apregoa que se trata do país mais
avançado do mundo.
Só que quando um nacional consegue escapar para a Coreia do
Sul, para a China ou Japão, o sujeito entra em estado de choque.
Como pôde ser tão desgraçadamente iludido por tanto tempo?
Mas voltando ao nosso exemplo, o Brasil é de cima a baixo um
enorme canteiro de gambiarras, guaribas e puxadinhos.
O Governo ainda se dá ao descaso de começar uma obra de
rodovia ou hidrelétrica, por exemplo, sem projetos, com a estimativa de custo
sendo alterado ao sabor das conveniências ao longo do tempo.
De interromper a construção de uma obra por falta de licença
ambiental, que é dada pelo próprio governo.
De erguer pontes onde não vão passar estradas, de construir
ferrovias com bitolas incompatíveis.
Aqui parece que é tudo desorganizado.
Menos o crime, é claro!
Permeiam nossas cidades grandes emaranhados de fios
expostos.
E não estou falando das favelas.
Se o governo brasileiro fosse Deus e Ele fosse fazer o
homem, certamente o faria com as tripas por fora da barriga e o crânio por
dentro do cérebro.
Nossas cidades se parecem com vasos mal-recuperados.
É comum asfaltar-se uma rua e em seguida vir outra área do
governo abrindo valas para assentar a tubulação de água.
Depois de remendado vem outra quebrando novamente para
instalar o sistema de esgoto, depois de gás, e assim vai.
As calçadas das ruas são todas em desníveis e cacarecadas.
Lixões são os cartões de visita na porta das médias e
pequenas cidades.
Nossos sistemas de transportes públicos são caóticos.
A sinalização das cidades não é nada urbana: ruas com um
nome na placa e outro no mapa, avenidas que mudam de nome sem quê nem pra quê, números
fora de ordem, falhados ou repetidos.
E pelas placas de indicação, um forasteiro dificilmente
consegue se orientar pelas ruas e estradas do país.
Nossa indústria de utilitários corriqueiros é uma vergonha.
As garrafas térmicas escapam o calor, as jarras de suco
jorram pra trás, os parafusos espanam facilmente, o encanamento dá infiltração
e a ducha higiênica é feita para vazar.
Não teria condições de concorrer internacionalmente.
E assim vai indo.
Toda a nossa infra-estatura deixa a desejar, com aeroportos,
portos e estradas em petição de miséria.
Nosso ensino é fraco, a saúde é triste, a segurança é falha
e a justiça tardonha, quando não, canhestra.
Nosso sistema legal, se fosse uma rede elétrica, seria um
enrosco de favela.
Só para se ter uma ideia, a constituição americana, que é de
1787, recebeu 27 emendas nesses 226 anos.
A nossa Constituição, a dita Cidadã, que é de 1988, em 25
anos recebeu 72 emendas, se não errei na contagem.
Isso nos coloca entre os últimos países em desenvolvimento,
no quesito segurança jurídica.
Em termos de paisagem, a gente leva um susto, quando chega à
China, por exemplo.
Com a beleza e a funcionalidade dos aeroportos, com o asseio
das ruas, com a eficiência dos meios de transporte, com a sensação de
segurança.
Mas também pudera!
Em mais de três décadas eles vêm tendo um crescimento
econômico de dois dígitos e nós temos tido um crescimento pífio e há até uma
década perdida aí pelo caminho.
Democracia é mais lento mesmo, dizem.
E, o mais interessantes, é que a gente aceita pagar, devido
aos nossos sistemas corrompidos, até quatro ou cinco vezes mais caro por um km
de asfalto ou de linha de VLT.
Assim realmente a coisa não rende.
Mas a gente consegue entender porque estamos na situação em
que estamos.
Por coincidência, a nossa revolta popular acontece
exatamente no momento que há a maior leva de brasileiros visitando o exterior e
vendo como é que a vida está transcorrendo por lá.
Finalmente estamos vendo que, na calada da noite ou à luz do
dia, estão surrupiando os nossos cabedais.
Finalmente estamos percebendo o enorme buraco que existe
entre o que poderia ser e o que é a nossa vida de fato.
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