Hoje foi a missa de sétimo dia do meu amigo Erivam Cabocão, um
excelente goleiro do Murrinhas do Egito (reserva do Mário Adolfo), do Inútil (titular absoluto) e do Atlântica (titular absoluto).
Aliás, o Atlântica só não foi campeão porque na última
partida o técnico Pompeia, ex-goleiro profissional do Nacional, Rio Negro e
Rodoviária, resolveu jogar no lugar do Erivam.
O Atlântica perdeu nos pênaltis para o bisonho time da Ótica
São Paulo.
Com o Erivam Cabocão no gol, tenho absoluta convicção de que
a história seria outra: a exemplo do Mário Adolfo, ele era especialista em
defender pênaltis – tanto que levou o Inútil a campeão do Torneio Início do
Peladão de 1985.
O fabuloso Inútil, uma
espécie de genérico do Murrinhas do Egito. Em pé: eu, Olíbio Trindade, Zé
Carlos, Erivam Cabocão, Sargento Roberto, Cacheto, Boanerges, Jones, Chico
Cavalinho, Aldemir e Petrônio Aguiar. Agachados: Mazinho, Zeca Boy, Bebeto,
Zezinho, Roberto, Dinho e Rubens Bentes.
Suas defesas milagrosas, durante o Peladão de 1987, quando
ele defendia o Atlântica, eram celebradas no Bar do Aristides com doses
industriais de birita.
Centro das atenções, o goleiro das defesas impossíveis se
limitava a dizer, esticando o copo de cerveja em minha direção e pedindo minha
anuência:
– Eu só estou fazendo a minha parte, né não, poeta?...
Ele foi um dos primeiros homeboys a me chamar de poeta, não
sei se por ironia ou porque gostava mesmo do que eu escrevia.
Prefiro acreditar na segunda hipótese.
Fundador do Bloco do Macacão e do Bloco Andanças de Ciganos
(depois GRES Andanças de Ciganos), Erivam Cabocão tinha a minha idade e foi um
dos bons amigos que cultivei nessa minha não tão curta existência.
Ele se casou com a Suelizinha, irmã do Arlindo Jorge, os
dois tiveram uma filha, a encantadora Érika Mubarak, depois se separaram – mas nunca
se divorciaram – e ele foi morar em Coari, onde seu pai era um dos mais
abastados comerciantes locais.
Nessa época, eu tinha notícias dele por meio do Osmar
Santos, o Mazinho, que estava exercendo a função de juiz classista em Coari e
também era filho de um próspero comerciante local.
Em 2002, numa presepada já contada aqui no mocó, durante o
Festival dos Bumbás de Parintins daquele ano, o nosso barco “Comandante Farias”,
que estava ancorado no barco “Maresia”, virou ancoradouro de outro barco retardatário, cujo nome me foge à memória.
Desconfio, sem poder provar, que se chamava Princesa Érika.
Eu estava no tombadilho do nosso barco, na manhã de domingo,
quando vi um sujeito conversando com algumas pessoas no tombadilho do tal barco
retardatário.
Não me contive.
Chegando na amurada do nosso barco, abri o vozeirão de Barry White:
– Erivam Cabocão, filho da puta, não era pra você estar em
Coari, porra? Que caralho de asas você está fazendo em Parintins?
Os olhos do sujeito brilharam.
Ele me respondeu no mesmo diapasão:
– Simão Pessoa, fresco velho! Não era pra você estar em
Manaus cuidando da Banda da Bica, seu poeta filho da puta?
Antes que eu continuasse a nossa agradabilíssima troca de
carinhos, Erivam, com a agilidade de um gato, já estava pulando pro nosso
barco.
Ele seria um excelente corsário dos mares do sul, dada a
facilidade que tinha pra circular de um barco pra outro com a desenvoltura de
um pirata.
Apresentei o Erivam para Pedrinho Ribeiro e Mário Gilson.
Passamos a manhã de domingo conversando e enchendo a cara de birita.
Ele era dono do barco e havia fretado para uma turma de
Coari.
Falou que era a primeira vez que estava participando do
festival e me convidou para ir a Coari tomar umas cachaças com ele, depois que
eu retornasse pra Manaus.
Relembramos os nossos tempos de peladeiros, as nossas presepadas para furar clubes de carnavais, as nossas artimanhas para catar garotinhas (e o sacana levava tão a sério o fato de ser um espada matador registrado em cartório, que teve uma filha com uma lésbica assumida, façanha que eu devo levar para o cemitério com uma certa dose de inveja malsã...)
O mais engraçado daquele nosso encontro em Parintins foi que o sacana me recriminou por me ver fumando um cigarro atrás
do outro.
– Deixei de fumar essa merda porque estava quase ficando sem
fôlego. Você devia fazer o mesmo... – avisou, com um ar peremptório de quem não aceitava contestação.
– Cara, eu fumo a porra desse cigarro Charm desde quando foi
lançado, em 1972. Só vou parar quando a Souza Cruz descontinuar o produto! –
devolvi. “Ou quando eu morrer, o que pintar primeiro...”
Ele riu pra caralho.
Lembrou que eu e Mário Adolfo éramos os únicos que fumávamos Charm, numa época em que todo mundo só fumava Minister (já descontinuado pela Souza Cruz).
Foi a última vez que conversamos.
Soube que ele havia falecido neste último domingo, 7, de câncer
de pulmão, por meio da Érika.
E que o sacana havia voltado a fumar há dois anos.
Fui vê-lo no velório, na funerária Almir Neves, na segunda
feira, e sai de lá arrasado.
Não era para menos.
Nos últimos cinco anos, o meu time de coração (“Murrinhas do
Egito”) já perdeu quatro atletas: Wilson Fernandes, Airton Caju, Fábio Costa e
Erivam Cabocão.
Está faltando apenas mais um para completar uma fuderosa
equipe de futebol de salão.
Enquanto detono meu primeiro maço de Charm do dia e já
começo a ficar nervoso porque só tenho mais um maço em casa e vou começar a
biritar daqui a pouco, vem a pergunta que não quer calar: “Quem será o próximo?...”
Erivam Cabocão, meu inesquecível goleiro, um beijo no
coração onde e como você estiver!
Muita saudade de ti, meu velho!
Devíamos ter nos visto mais, conversado mais, saído mais, biritarmos mais, fumarmos mais, rido mais!
Fica pra próxima, parceiro, mas acredite que valeu!
4 comentários:
Não sei se choro ou se rio. Pelo seu texto ..rrproduzi rapidamente uma encenação do que pode ter sido uma conversa entre vocês. Tem essa foto aqui em casa. Logo eu, que sempre tivr um certo "preconceito" com os goleiros, achava que era os que não jogavam nada..eram colocados no gol. Mas pelo menos meu pai agarrava bem né? ! Rs. Quem engravidaria a "sapatão"? Só meu pai e não é uma lésbica qualquer..é um brotherzona de verdade..sempre o perguntava como ele conseguiu. .mas só ficava rindo e nunca.. me respondeu! Obrigada pela homenagem "tio". Ele deve ter se espocado de rir e ter dito seu velho bordão: "haja coração". Bjos
Erivam era isso tudo e mais um irmão,tio cunhado e amigo como poucos de hoje
Realmente um grande amigo... Nossa familia sentira muita falta dele... era muito amigo de meu pai Arnaldo Batista Alves e minha mãe Marcola Alves... tenho certeza meu irmão como sempre me chamava que Deus lhe recebeu de braços abertos como sempre voce recebeu a todos....
Hoje dia 01 de junho de 2016, que soube do falecimento do meu amigo Erivam, os momentos de alegria que vivemos juntos com a turma dos Murrinhas do Egito na minha residencia na Carvalho Leal, 1330; o bom que ele me chamava de Olibio xiri era coisa de amizade que realmente tivemos. Voce esta com grande arquiteto do universo.....
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