Por Maria Carolina Maia
Parece ter chegado ao ápice uma
disputa que vem se desenrolando há alguns anos, todo mês de junho, no Nordeste.
Mais do que em qualquer outra região do país, a época é de festa em Estados
como Sergipe, Pernambuco e Paraíba – os dois últimos concorrem pelo título de
maior São João do Brasil, se o de Campina Grande (PB) ou o de Caruaru (PE).
Neste ano, a briga entre as duas
cidades ficou pálida diante da guerra que se escancarou entre sertanejos, grupo
que vem tomando os palcos nordestinos neste período, e os forrozeiros,
representantes de um gênero que há décadas domina os festejos juninos.
O debate, incendiado por uma
campanha na internet em que adeptos de um São João de raiz pedem o fim da
invasão bárbara de sertanejos, vai além da oposição entre o que é tradição e o
que é novidade – velho conhecido do mercado fonográfico, em que reina pelo
menos desde o início da década, quando deixou para trás a axé music, o pop e a
música romântica, o sertanejo neste contexto representa o novo, já que o São
João sempre foi reduto do forró.
Para os que endossam a campanha,
substituir o ritmo que guiou por anos o arrasta-pé nordestino seria
descaracterizar a festa. Elba Ramalho, que pensa dessa forma, aproveitou sua
presença na Avenida Paulista, em São Paulo, onde fez show no último domingo,
para defender que haja um “equilíbrio” na programação dos eventos, que hoje
tendem a ter mais cantores country. “Não é festa do peão”, disse.
Para Marília Mendonça, que
respondeu do palco do “São João da Capitá”, festival da Grande Recife, a
curadoria deveria ser do público, que hoje consome mais o sertanejo.
É aí que a discussão se desdobra
em outros aspectos. O sertanejo, como já dito, de fato domina o mercado. O
público, portanto, pode querer as atrações do momento nas festas juninas a que
pretende comparecer.
As prefeituras das cidades que
realizarão essas festas, organizando os shows e pagando os cachês, também: ter
um evento cheio de gente não significa apenas estar apto ao título de maior São
João de uma determinada área, mas de ter ganhos com turismo, gastronomia e
outros segmentos alimentados pelo fluxo de visitantes. Interesses econômicos
compartilhados por donos de restaurantes, lojas e hospedarias.
Há também uma boa dose de
bairrismo na discussão, um orgulho pela própria terra e por seus frutos que,
como se sabe, é tão forte no Nordeste quando no extremo Sul do Brasil. Elba,
paraibana, está também defendendo o que é dela, por assim dizer: a permanência
de um ritmo nordestino contra a chegada de um gênero que se originou no
Centro-Oeste, ali junto ao Paraguai, e no interior de Estados como São Paulo e
Paraná, e foi se alastrando por todo o país.
Pode soar resistente, para não
dizer preconceituoso, com o que vem de fora. Se nem Ariano Suassuna, em sua
genialidade particular, escapou da acusação de tentar congelar o folclore,
difícil que o tópico não atinja os músicos.
Mas, por outro lado, pode haver de
fato uma demanda por forró nas festas, demanda que o modismo – as atrações da
vez são as cantoras sertanejas como Marília e Naiara Azevedo – encobre. Daí, a
eventual necessidade de se valorizar a cultura regional, soterrada pelo que
toca nas rádios.
A resposta, longe de ser simples,
parece depender de experimentos: de haver festas com programações
diversificadas e a partir delas se verificar se há espaço para todos. O ideal,
de um ponto de vista agregador, é que haja. É provável que, nessa
experimentação, também se detecte alguma mudança.
Inerente à dinâmica do mundo, o
imperativo da transformação foi percebido pelos gregos antigos há milhares de
anos, e não se pode driblá-lo. O forró tem composições lindíssimas e fez grande
sucesso no Brasil nos anos 1950, sobretudo com Luiz Gonzaga, o chamado rei do
baião, que cantava não sem certa densidade as mazelas e a beleza do sertão.
Agora, feliz ou infelizmente,
talvez seja a vez do forró. Pode-se detestar o ritmo sertanejo, mas não se pode
paralisar o tempo.
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