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terça-feira, junho 27, 2017

Poeira de estrelas 17: O rabino grego


As socialites Helena Gomes e Beki Klabin num baile de carnaval

Por Luiz Carlos Miele

Uma das grandes clientes do Pujol era Beki Klabin. Grande figura da sociedade carioca, Beki não respeitava os limites tradicionais de seus pares, era independente e muito divertida. Sua grande paixão na vida foi Charles Aznavour, o que não a impediu de namorar Waldick Soriano, mostrando assim sua versatilidade.

Era vice-presidente do Diner’s Club do Brasil, presidido por sua vez por seu ex-marido Horácio Klabin. Outra demonstração inequívoca de sua personalidade, pois acho que ser vice de ex-marido é uma façanha respeitável.

Frequentava muito nosso clube, e uma noite pediu para me chamar na porta, pois tinha um assunto importante a tratar. Surpreso por ela não ter entrado, fui ao encontro. Um cinematográfico motorista fardado abriu a porta do seu magnífico Bentley, e lá estava ela, ao lado de um aristocrático cão afghan, único cachorro do mundo que tem sobrancelhas.

– Oi, Miele, desculpe eu não ter entrado, mas estou com o cão.

Bem, o cachorro era mais bem educado que a maioria dos nossos clientes, de maneira que convidei os dois para entrar e tomar um drinque. Ela me contou, então, a razão do drama que a afligia, e para o qual ela pedia uma sugestão.

Seu filho, ia se casar com Wanda, mas noivo e noiva não concordavam com um casamento religioso, atitude contestatória de muitos jovens da época.

Isso representava um grande problema para Beki, pois a avó de Paulo era extremamente religiosa e iria sofrer muito se o casamento não seguisse uma cerimônia tradicional, com padre, altar etc. Já estava devidamente doutrinada para aceitar qualquer padre, desde que a cerimônia fosse tradicional.

Eu não podia perder nem a amiga, nem a cliente, e principalmente a vice-presidente do Diner’s que nos salvava toda semana, efetuando o pagamento dos cartões a cada segunda-feira, quando o prazo normal é de um mês.

Respondi que a solução era muito fácil. Era só dizer para a avó que o casamento ia ser oficiado por um rabino grego.

Acho que a época era desses desvarios. A Beki achou a idéia ótima, os noivos concordaram imediatamente. E feitos os proclamas, a efeméride realizou-se no luxuoso apartamento da família.

A produção contou com a colaboração do contrarregra que trabalhava comigo na TV e foi providenciado um altar, aquele genuflexório, um livro de orações etc. A Wandinha de vestido de noiva (de minissaia, mas noiva), Paulinho de fraque e, é claro, eu de rabino e grego, de paletó preto, colete e gravata de crochê.

A avó, matriarca da família, sentada naquela cadeira de espaldar alto, com a bengala de castão. Oficiei o matrimônio com a maior dignidade, diga-se de passagem. Como texto, uma fala com um estranho sotaque que ninguém poderia entender, muito menos a matriarca:

– Trobraniakis varonsky chatronivev. Vortazim nik faskanu yamusquen Paulo et Wanda patrany.

Os noivos colocaram as alianças, eu pedi taças de champagne para mim e para alguns parentes coniventes com aquela farsa, tomei a champagne (já estava fazendo falta àquela altura) e, lembrando de outras cerimônias, isolei a taça na parede, com a saudação “Trovansky matrimonian!”

Imediatamente, todos os presentes acompanharam o meu gesto e todas as taças foram estilhaçadas na parede, para tristeza da Beki:

– Ai, meu Deus, as minhas taças de cristal da Romênia.

De qualquer maneira, fiquei com uma ponta de arrependimento quando a avó, comovida, beijou minha mão em religiosa reverência. Apenas um passageiro constrangimento, que passou logo que o som do conjunto de Luiz Carlos Vinhas, que eu também havia providenciado, agitasse o ambiente: “avisou, avisou, avisou, que vai rolar na festa”. E a festa rolou.

As taças que sobraram ficaram mais algumas vezes cheias e vazias. Liberado das minhas atividades litúrgicas, passei às atividades do samba, que exerço com razoável competência. Impressionada com o desembaraço coreográfico do “rabino”, a avó desconfiou.

Para manter a seriedade da cerimônia anterior, fomos ambos afastados da sala. Põe a vovó na varanda e o Miele no táxi, que fica tudo certo.

No dia seguinte, o Horácio Klabin me ligou, para saber se aquela “performance” da noite anterior tinha custado alguma coisa, se eu tinha algum cachê a receber. Não tinha.

De qualquer maneira, ele resolveu retribuir e marcou uma mesa de dezoito pessoas no Pujol. Eram os casais amigos, que tinham vindo de São Paulo para o casamento. Era uma mesa que garantia o equivalente a uma semana de faturamento.

Champagne, caviar etc. No fim, uma despesa maravilhosa. Não me lembro dos valores da época, mas, só para ilustrar, vamos imaginar uma cifra de dez mil reais.

O Horácio pediu a conta, eu elegantemente respondi que mandaria cobrar no escritório, ele retrucou que nada disso e fez um cheque de 11 mil reais, incluindo mais 10% além do serviço obrigatório, o que levou maîtres e garçons a votarem nele para personalidade da semana. Todos os garçons, menos um. Completamente idiota, ele ignorou a generosidade e puxando a manga do paletó do Dr. Horácio, exclamou:

– Doutor, o senhor vai me desculpar, mas o cigarro aqui é por fora. Tem dois Hollywood na mesa.

É claro que eu comecei imediatamente a me desculpar, ficou tudo meio confuso, os convidados todos já estavam na escada que levava para o andar térreo, o Horácio respondeu que não havia problema, eu disse que o garçom era um substituto, o maître começou a chamar pelo nome merecido a mãe do garçom, mas o próprio retribuiu.

Segundo fora, e o maître acerta um dos melhores cruzados de esquerda que eu já havia visto. Só que na direção errada, pois o garçom desabou pela escada, levando com ele aquela confusão de blazers, penteados e casacos de pele. Como num lance de boliche: strike.

E no alto da escada, eu, ex-rabino e provavelmente ex-cliente do Diner’s, exclamando sem graça:

– Obrigado pela preferência, apareçam sempre.

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