Por Luiz Carlos Miele
Um ditado que todo mundo conhece é aquele que diz: mãe só
tem uma. E um dos comentários menos felizes que conheço sobre o mesmo ditado é
o que diz: só tem uma porque duas ninguém aguentaria. Pois bem, eu tenho duas,
nasci delas e adoro as duas.
A primeira é D. Irma D’ Ugo Miele, a que me gerou, mãe do
parto. A segunda é Regina Macedo, mãe do palco. Na verdade, elas são a mesma
pessoa. D. Irma me deu à luz… Regina Macedo luz, câmera, ação. O pseudônimo
identifica a cantora, atriz e produtora de televisão.
Lembro que, aos oito anos de idade, eu tive uma crise de
asma, enquanto a mãe cantora ensaiava o show do cassino de São Vicente. Sem
saber como me salvar da crise, a empregada, apavorada, me levou para o cassino.
Quando entrei no ensaio e senti pela primeira vez aquela
magia, os músicos afinando os instrumentos, os iluminadores preparando a luz
para o show, acho que descobri que nunca mais os meus heróis seriam os mocinhos
das histórias em quadrinhos.
A maioria das crianças da minha geração cresceu aprendendo
“Atirei o pau no gato”, pois a primeira canção que eu decorei foi “Long ago and
far way”, que minha mãe tinha de cantar ao lado do organista André Penazzi, de
quem era a lady crooner.
Assim, comecei a me preparar para a carreira artística,
embora, minha primeira participação no mundo do show business tenha sido
bastante desastrosa.
Num espetáculo de teatro, o vilão avançou para a minha amada
genitora de faca em punho, conforme exigia o script. Eu, na plateia, filho
zeloso e apavorado com a cena, interrompi o espetáculo, causando um grande
tumulto com os gritos de “socorro, vão matar a minha mãe”.
Depois disso, dona Regina me devolveu para dona Irma,
adiando por algum tempo minha estreia, achando que eu ainda não estava
preparado para o palco e suas emoções.
Até que a rádio Excelsior preparou uma série de programas
intitulada Meu filho, meu orgulho,
que focalizava a vida de grandes vultos da história brasileira.
Um garoto deveria interpretar a infância desses grandes
vultos, mas o menino que foi contratado ficou muito nervoso e não conseguia
fazer o papel.
Foi quando a minha mãe, não só porque queria me ter ao seu
lado no trabalho, com também porque havia recebido meus últimos boletins do
colégio, que antecipavam que eu estava longe dos destinos dos médicos,
advogados, economistas e presidentes da República, resolveu que era hora de eu
tentar outra coisa e disse ao diretor do programa: “Acho que meu filho pode
quebrar esse galho”. E assim nos tornamos, mais do que mãe e filho, colegas.
Eu ficava entre fascinado e orgulhoso de ouvi-la cantando em
italiano, castelhano, francês e inglês, quer dizer, ela sustentava a mim e às
minhas irmãs (Eliana e Regina) em quatro idiomas.
Daí para frente, sempre que recebia a oferta de um novo
contrato, minha mãe condicionava à minha contratação, e assim conheci com ela
os princípios do profissionalismo, do respeito aos colegas, do amor à arte de
ver e ler e de ouvir e aprender.
Ela me levou ao encontro da música, embora tenha desistido
de me ensinar piano. Era aluna de Camargo Guarnieri, e penso que minha
indisciplina foi demais para ela, que já estudava com o mestre. Mas enquanto eu
fazia as minhas primeiras participações em alguns programas, ela, que já havia
deixado de cantar, exercia as funções de atriz e produtora.
Era a responsável pela programação diurna da TV Paulista
(depois TV Globo). Lá, realizou programas de música clássica e popular, além de
entrevistas memoráveis, como a que fez com a mãe de Che Guevara.
Vendo a programação atual da TV, no horário da tarde,
acredito que o que a minha mãe fazia de melhor era não ler no ar as reportagens
das revistas especializadas em fofocas da vida dos astros da televisão.
E eu fui, assim, aprendendo a trilhar os primeiros caminhos
da produção na TV. Além de me encaminhar na vida artística, ela também me
ensinou os princípios da honestidade, mas também não precisava exagerar. Tanto
eu quanto ela, em diferentes ocasiões, saímos da Rede Globo deixando para trás
meses de salários e direitos por puro orgulho.
Finalmente, ela deixou a carreira, mas não a convivência com
a arte. Mas, para poder lecionar oficialmente piano e flauta, era necessária a
formação universitária. Portanto, nada mais lógico que ela entrasse para a
faculdade aos 57 anos de idade, formando-se quatro anos depois. Minha mãe, meu
orgulho!
Durante o período universitário, ela foi chamada algumas vezes
para novelas na Globo. Foi a avó de Cristiane Torloni, que eu recebi na família
com o maior carinho, é claro, e depois a mãe de Antônio Fagundes, o que me
deixou na verdade com ciúmes.
Realizada artística, mas preocupada espiritualmente, ela
atendeu o chamado de uma sociedade esotérica, a Eubiose, que possui quatro
templos no Brasil, onde são estudadas todas as religiões. Os templos ficam em
Itaparica, São Paulo, São Lourenço e Maria da Fé.
É claro que o mais fácil não servia para ela, que optou por
Maria da Fé. Fica no interior de Minas Gerais, que, com relação a São Paulo,
onde moram suas filhas (minhas irmãs) e seus netos (Quiara e Quico), e ao Rio
de Janeiro, onde eu moro, tem as seguintes características similares: fica
igualmente muuuiiittoooo longe das duas cidades, não tem aeroporto, também não
tem rodoviária, mas, em compensação, também não tem nenhum táxi.
Mas tem lá a minha mãe. Mãe do parto, mãe do palco.
Suas bênçãos, minha mãe!
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