Por Xico Sá
Amar mulheres muitas, amar cidades
só uma: Recife. Assim falou uma voz interior plagiada. E me vi no Beco da Fome,
na Sete de Setembro, quatro poetas por cada metro quadrado, almas penadas,
leilão de Faustos: o cheiro de queijo de coalho assado, cerveja com amendoim, a
macaxeira com charque para abrir as ventas dos maconheiros.
Fome de viver maior que a larica e
o desprezo do tal cão sem plumas, que passa, independentemente do verso enxuto
e preciso de seu João. A vida é adjetivosa, meu filho!, molhada, sebenta,
suada, correia do chinelo entre os dedos lamacentos, a vida brega e suja e
pegajosa como as mulheres cidades e as mulheres ainda melhores.
Recife, Ponte Buarque de Macedo,
minha sombra magra e todos os meus medos n’água.
Morte em Veneza dos Pobres. Minha
primeira fêmea amadora, depois de tantas cabras ao pé da moita – menino rural
demora a comer gente! – e profissionais pagas a preço de misericórdia nas
festas da padroeira.
Amar mulheres caldo-de-feijão e
tantas tonalidades do jambo degradê.
Uma morena sob o sol final da rua da Aurora cresce, se agiganta; belas
balconistas, suburbanos corações que’u carregava para despejá-los, antes da
janta, no banho mais demorado.
E a menina do amendoim, a Natasha
Kinsky do amendoim, catorze para quinze primaveras, que fazia os velhos
funcionários públicos do INPS, barnabés de desejos antigos, babarem sobre os
gordos contracheques na cachaça mais católica a caminho do lar. Era na praça do
Sebo. Cadê tu Pedramérico, pedra filosofal!? Eu é que sumi Melquisedeque,
assustado pelo preço da “Emparedada” aqui no Sebo Brandão.
As cidades são as mulheres, ou os
colos, ou as cobertas, como na chegada a São Paulo, brava província de
Piratininga. Nunca sabia em qual camada do leito eu meteria minhas pernas –
nunca havia dormido com lençol, cobertor, edredom... Sempre entrava entre o
cobertor e o edredom e não encontrava a mulher debaixo, a danada estava na
camada anterior da guerra das pernas que precede o sono, doce justiça entre o
trabalho e os dias.
Mas pra sentir uma cidade de perto
é preciso a gasolina azul da saudade, como não disse Antônio Maria, pois tinha
mais requinte ao dizer. Carece mirar tão-somente aquele barquinho florido com
uma nega dentro, fogosa e feliz ao lado do mancebo, no meio da confusão de “Eu
vi o mundo... ele começava no Recife”, guernica do nosso caos enlameado,
obra-prima do homem de Escada, aquele diabo comedor de manga que trocou o
Beberibe pelo Sena, só para fechar os olhos e enxergar melhor ainda o rio da
aldeia.
Um lugar é feito amor perdido, que
vira amor perfeito assim que quebra a casa e dobra a esquina para comprar um
maço de Nunca Mais, o king-size
filtro da eterna nostalgia.
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