Por Luiz Carlos Miele
A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro
pela vida. A frase, claro, é de Vinicius de Moraes e faz parte do show Vivendo Vinicius, que eu tive o prazer
de dirigir no Metropolitan, do Rio de Janeiro. E que encontros. Os grandes
parceiros do poetinha: Baden, Carlinhos Lyra, Toquinho e Leila Pinheiro ou
Miúcha cantando Tom.
Depois, São Paulo, é claro, para outros encontros. E
lembranças, como as do Claridge Bar, ali na 9 de julho, no antigo Claridge
Hotel.
O hotel mudou de nome, está vazio e triste, apesar dos
heróicos esforços de Edgar Maluf, proprietário também do jornal São Paulo em Notícias. Hospedei-me no
hotel e no jornal para escrever algumas crônicas sobre a ponte aérea Rio-São
Paulo.
Dou um pulo no bar, outrora um dos endereços mais elegantes
de São Paulo. O velho piano branco de cauda ainda está lá, um velho piano que
não toca mais, como diz a canção de Dori Caymmi. Frequentei muito o bar no
início da minha carreira de crimes.
A música era espetacular. Dick Farney no piano, com aquele
repertório maravilhoso de canções norte americanas. Farnésio Dutra era o nome
verdadeiro do Dick. Não é de admirar que ele tenha mudado. Shu Viana ao
contrabaixo e Rubinho na bateria (o Zimbo Trio ainda não havia sido inventado
para a imortalidade). Eu tinha muito contato com os músicos, porque ajudava um
pouco nas produções do Jazz Clube de São Paulo, cuja presidente era minha
prima, Lenita Miranda de Figueiredo.
Grande jornalista da Folha, pianista, produtora de
sofisticados programas da rádio Excelsior, foi Lenita que me ensinou, quando eu
tinha 12 anos de idade, que Errol Gardner, Art Tatum e Oscar Peterson jamais gravariam
o axé.
Passei pelo bar à tarde para deixar um recado dela para o
Rubinho. Tipo quatro da tarde, nenhum freguês ainda, apenas o barman em mangas
de camisa, limpando os copos, como nos filmes. Eu entro, deixo o recado com
ele, que me serve uma vodca com tônica (boca-livre, é claro, eu era superduro).
Enquanto eu saboreava o presente, Nat King Cole, que estava
hospedado no hotel, fazendo hora para o ensaio na noite seguinte, pergunta se o
bar “is open”. O barman hesita em dizer que não.
Ele entra, pergunta o que eu estou tomando, estranha a vodca
com tônica, mas resolve experimentar assim mesmo. Digo a ele que sou seu fã,
falo do tremendo sucesso de bilheteria. Ele quer saber se o sucesso no Brasil é
devido apenas às suas gravações em espanhol, aquelas cascatas tipo “Cachito,
cachito, cachito mio”.
Eu respondo honestamente, que em grande parte sim, mas
existe muita gente no Brasil que conhece bastante seu repertório mais
sofisticado, e aí aproveito tudo que conhece bastante seu repertório mais
sofisticado, e aí aproveito tudo que a Lenita me ensinou e dou um show de Nat
King Cole.
Canto (canto?) várias de suas letras e, de quebra, cito várias
gravações do tempo em que ele não era cantor, mas pianistas, com seu
extraordinário King Cole Trio. Lembro que foi o primeiro trio a fazer sucesso
sem bateria (piano, baixo e guitarra).
O rei, o king, se
empolga com a espantosa erudição jazzística daquele garoto, pede a chave do
piano branco, mais duas vodcas, e eu ganho um show exclusivo de mais de uma
hora de Nat King Cole. Eu, ele e o barman, que à essa altura liberou mesmo a
vodca, inclusive para ele, barman.
Mas não adiantou nada. No dia seguinte, quando contei á
história no colégio, ninguém acreditou:
– Então tá, Miele. Nat King Cole fez o show só para você, e
depois você comeu a Elizabeth Taylor.
Ficou por isso mesmo, lá no colégio. Mas eu, o barman e Nat
King Cole sabemos a verdade. (A parte da Elizabeth Taylor é mentira mesmo.)
Bem, o Dick e o Shu já se foram, assim como o hotel e o bar.
Ficaram as lembranças. “Como um verso jogado num canto de um velho piano que
não toca mais”. Falando em Dick Farney e Nat King Cole, uma curiosidade para os
fãs dos dois. Dick Farney, um brasileiro, foi o primeiro cantor no mundo a
gravar, nos Estados Unidos, a canção Tenderly.
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