Por Luiz Carlos Miele
Liza Minelli não veio ao Brasil para o carnaval de 2004. Que
pena. Estávamos esperando por ela no Bar do Tom, no show Apenas Bons Amigos,
com Miele, Menescal e Wanda. Anna Maria Tornaghi, grande amiga dela, já tinha
feito toda a programação do carnaval e incluiu nosso show. Eu já conhecia Liza
de outros carnavais.
Não me lembro do ano, mas eu estava em Petrópolis, jogando
uma pelada, quando Anna ligou, convidando para o júri do concurso de fantasia
do Hotel Nacional. “Vem, que eu vou colocar você na mesa dos jurados, ao lado
da Liza”. Vim voando, é claro. Tivemos que julgar aquelas senhoras vestidas de
“catedral submersa” e outras loucuras alegóricas.
Uma das senhoras não foi muito feliz na escolha do tema “A
ira de Zeus quando da traição de Cleópatra no reino de Napoleão”. Era um zero
na certa, mas eu convenci Liza que a concorrente era minha avó e ficou sete e
meio. Depois do júri, liguei para Anita, avisando que eu estava indo com a Liza
tomar uma caipirinha na piscina do hotel, mas Anita disse que estava cansada do
baile, para eu ligar depois.
Liguei um pouco mais tarde, para dizer que eu e Lize
estávamos no bar do hotel, agora já na base da vodka tônica, se ela não queria
aparecer. Anita lembrou que o inglês não estava lá essas coisas, para eu dar
mais um tempinho. Um tempinho e liguei novamente: “Anita, estou aqui na suíte
da Lize… Anita… Alô. Alô, Anita…” Tocou a campainha, era Anita no porta do
apartamento, antes que eu colocasse o telefone no gancho.
Noutra ocasião, a Liza veio fazer o show no mesmo Hotel
Nacional e eu comentei com ela, depois do espetáculo, que ela arrasou em New York, New York. Ela perguntou:
– Você assistiu de onde?
Eu respondi que de um dos camarotes e ela sugeriu:
– Então, vem amanhã, na primeira fila, que eu vou fazer para
você.
Bom, não havia lugar na primeira fila, eu sentei no chão bem
em frente a ela. E fui de primeira classe para Nova York. Aliás, fui à Nova
York bem menos do que gostaria.
Uma das melhores viagens foi quando fui ciceroneado pela
Tornaghi, única brasileira a dar palpites na campanha “I Love New York”. Com um
trânsito impressionante pela cidade, ela é a única pessoa que eu conheço capaz
de jantar na mesma noite em três restaurantes diferentes: entrada no Le Relais,
primeiro prato no Nello, sobremesa no Elaine’s.
Na primeira noite fomos assistir a Timbukttu, uma versão de Kismet,
que, por sua vez, é uma versão do Príncipe
Igor, de Borodin. A versão que fomos ver, com um elenco todo de artistas
negros, era de Geoffrey Holder, que já havia feito The Wiz, versão de O Mágico
de Oz.
Geoffrey tem dois metros de altura e é “apenas” coreógrafo,
figurinista e diretor dos shows. Para quem lembrar, interpretou o mordomo do
filme Annie, a história da garotinha
com o milionário (Albert Finney). Mas sua maior qualidade é ser amigo do
Haroldo Costa.
No Timbukttu,
Eartha Kitt estava no elenco e entrava em cena, sentada na palma da mão de um
gigante que fazia parte de um grupo de doze halterofilistas. Todos com aquele
corpo e músculo do concurso de “Mister Universo”. Todos cantando e sapateando,
é claro. Mas lá na Broadway todo mundo sapateia, não é mesmo?
Eu também tentei, num número ao lado da Elis, no Teatro da
Praia. Depois do show, saí de lá ao lado do Ivan Lessa e do Paulo Francis.
Cabeças, línguas e críticas afiadas, sabiamente eles ignoraram minha
performance e passaram a elogiar a grande cantora que era a Elis etc.
Noite seguinte em NY: O
Beijo da Mulher Aranha. Fico imaginando que talvez tenha sido escrito por
Manuel Puig no mesmo apartamento onde morei tantos anos (na Rua Aperana, no
Leblon) e que ele comprou. Leia o livro, veja o filme, assisti ao show na maior
emoção, portanto. No show, uma espécie de desculpa que a Broadway devia a Chita
Rivera.
Uma celebração a uma grande artista e dançarina aos 62 anos
de idade. O show business ficou com essa dúvida, depois que Chita foi preterida
por Rita Moreno na versão cinematográfica de West Side Story. Chita é feia, Rita Moreno (também ótima) era
linda, mas Chita havia arrasado na Broadway e merecia.
Vingou-se um pouco depois, no cinema, ao lado de Paula Kelly
e Shirley MacLaine, todas dirigidas por Bob Fosse. Aliás, no filme Isto é Hollywood fica evidente a
angústia da incerteza dos altos e baixos do show business.
Numa sequência em que Bob Fosse aparece dançando com Ann
Miller em Kiss Me, Kate, o narrador
(Fred Astaire) pergunta: “Esse era Bob Fosse. Um extraordinário dançarino.
Sumiu. O que terá acontecido com ele?”
Quatro anos depois, Mr. Fosse voltou e dirigiu apenas Cabaret, Sweet Charity e All That Jazz.
Na noite seguinte, Sophisticated
Lady. Fui louco para ver Gregory Hines, maior sapateador da década. No show
em comemoração aos 65 anos de profissão de Sammy Davies Jr. (atenção: 65 anos
de profissão, não de idade), Sammy, com câncer na garganta, não podia falar nem
cantar, mas dançar podia.
Gregory Hines foi até a plateia, levou Sammy para o palco e
fizeram juntos um número, depois do que o aprendiz deitou no chão e beijou os
sapatos do mestre. Pouca emoção?
Infelizmente, na noite em que fui ver o Sophisticated, Gregory Hines não estava. Ele só faz as temporadas
de estreia. Isso já aconteceu outra vez, quando fui assistir ao New York
Ballet, e Mikhail Baryshnikov também já havia sido substituído. Achei
chiquérrimo.
E agora vou fazer a mesma coisa. Só faço a semana de
estreia. Depois ataca o Baryshnikov.
Folga, dona Maria. Vou ao encontro do Ricardo Amaral, mas o
Ricardo “mandou o lima”, expressão criada pelos músicos quando um deles falta
ao compromisso. Pois bem, Ricardo mandou o lima e o limão nos americanos, e
inaugurou a caipirinha em Nova York. Ele havia inaugurado o Banana Café,
tremendo sucesso.
Aliás, Nova York toda estava na base da banana, embora fosse
a grande maçã. Tinha o Capitains Banana, cabaré francês pilotando por
Jean-Marie Riviére, que foi diretor do Paradis Latin, lugar mais divertido que
conheci em Paris; tinha também a Banana Republic, loja elegante. Banana is my business, banana até nas
carrocinhas da Park Avenue, por 25 cents cada. Que os americanos adoram e saem
descascando pela rua.
À noite, finalmente encontramos o Ricardo. Ele mais um
amigo, que, por respeito e condições de matrimônio, vamos chamar pelo codinome
Claudinho. Estamos eu e o Carlos Augusto Ortali, vice-presidente da Milsom,
grande empresa de eventos de São Paulo, na qual eu trabalho, no departamento de
criação.
Aparece também uma mulher apaixonada pelo Claudinho, com o
dobro da altura dele. Ela é amante do presidente de um país latino, Eldorado
(que é lógico, também um codinome). Vamos até uma boate chamada Íris, que tem
apresentação de dança do ventre.
A tal mulher já está pra lá de Marrakesh e adora o estilo,
pensa que o Claudinho está ficando excitado com a dança. Chama todo mundo para
a casa dela, diz que faz a dança do ventre melhor que a sobrinha do aiatolá.
Vamos todos para a casa dela e, conforme sugestão, fica todo
mundo relax. Aquela mulher enorme, vestida de odalisca, os coadjuvantes de
toalha e charuto, alguns só de charuto. Menos o meu vice-presidente, é claro.
Na manhã seguinte, já no espetacular restaurante do Ricardo,
o Alô Alô, encontro o Nelsinho Motta. Como eu estava indo para Los Angeles, o
Nelsinho, ex-marido superelegante, pediu para eu levar um anel de presente para
Marilia Pêra, que estava lá para as apresentações de Pixote.
Ela já havia ganhado dois prêmios da crítica americana por
sua atuação no filme e foi escolhida para ser uma das cinco candidatas ao prêmio
de melhor atriz, ao lado de Jane Fonda, Meryl Streep e outras duas menos
votadas.
Mas, como se fosse possível, a Marília não pôde concorrer
porque a Embrafilme errou de inscrição do Pixote.
Que pixotada, hein? Se fosse com alguém menos bacana que a Marília, era o caso
para tiro, não era?
De qualquer maneira, chego em L.A. com o anel para entregar
para ela, que não estava no hotel. Deixou recado que foi almoçar na casa do
Sergio Mendes, em Encino. Não sei onde fica e peço a direção para Aloysio de Oliveira.
Autor de Dindi, Inútil Paisagem e outras parcerias com
Tom, ex-marido da Silvinha Telles, fundador da gravadora Elenco, Aloysio foi
para os Estados Unidos com o Bando da Lua para acompanhar Carmem Miranda, que
casou com outro apaixonado por ela. Quanta informação, hein? Ao saber que eu
estava em Hanna Hein, Aloysio, que mora em San Fernando Valley, respondeu com
aquela voz de narrador do Walt Disney:
– Bom, Miele, você está mais ou menos em Campinas.
Chego finalmente ao endereço do Sergio. Antes de percorrer a
suntuosa alameda da casa que ele comprou de Dick Van Dike, o ator de Mary Poppins, ao lado de Julie Andrews,
vou lembrando do primeiro show da dupla Miele & Bôscoli – Sergio Mendes no Beco das Garrafas – e
de como íamos até a Praça XV, onde Sergio pagava a barca para Niterói, não sem
antes consumirmos um angu do Gomes, iguaria de acordo com a nossa grana na
época.
Desperto das divagações com a chegada ao jardim, na frente
da casa. Um Rolls Royce de plantão. Na placa, escrito: “Nictheroy”. Lembro da
frase de Wesley Duke Lee: “Viver bem é a melhor vingança.”
Fico com vontade de repetir a maldade de outro brasileiro
(acho que Newton Lins), que, quando entrou no Rolls Royce de um amigo, fingiu
que nem reparou, foi puxando outros assuntos, enquanto o amigo forçava a barra
para chamar a atenção para o carro: “quer que ligue o aquecimento? se você
tiver pressa posso acelerar que o motor é maravilhoso; o controle do banco é
automático…”
O Newton nem bola, até que o amigo não aguentou mais:
– Porra, você já andou num Rolls Royce antes?
Resposta:
– No banco da frente é a primeira vez...
Mas, em memória ao angu, e às nossas médias com pão e
manteiga, reparo e elogio o carro do Sergio. Vamos até o estúdio que ele mandou
construir no quintal da residência magnífica. Nas paredes, algumas fotos do
começo da carreira, lá no Beco.
Entre as fotos, uma do Sergio com o carpinteiro que terminou
a obra de sua casa: Harrison Ford, que antes de Guerra nas Estrelas travava uma guerra com serrotes e martelos. E ganhou.
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