Por Luiz Carlos Miele
“Atenção, passageiros da ponte aérea com destino a São
Paulo.” Não sei há quantos anos escuto essa frase dita pela voz maravilhosa de
Íris Letieri, com quem, aliás, trabalhei na TV Continental, quando, acho, nem
eu, nem ela, tínhamos verba para as passagens aéreas.
As primeiras viagens entre Rio e São Paulo foram feitas
mesmo nos ônibus da Cometa ou Brasileiro Viação Ltda. Depois, quando as
passagens passaram a ser emitidas pelas emissoras de TV ou pelos clientes dos
primeiros shows é que vieram as mordomias do Electra.
Muitos anos atrás (antes do Tom Jobim ensinar que “todos os
anos são atrás”), fui convidado a escrever um depoimento sobre a ponte aérea,
como um dos mais assíduos usuários. É, que durante uns dez anos, trabalhei no
Rio e em São Paulo, o que obrigava a necessidade de duas e às vezes três
viagens semanais.
O que não fazia de mim um Mauro Salles, com quem fiquei
muito impressionado. Era uma grande vocação de Ícaro, com a diferença de que
Mauro não caiu, graças a Deus. Só que, enquanto eu ficava nos vôs regionais,
acrescentado vez por outra um Belo Horizonte-Porto Alegre, os roteiros semanais
do Mauro assinalavam Rio-São Paulo-Nova York-Brasília-Frankfurt-Ribeirão
Preto-Bangcoc. Parecido com a agenda do Roberto Carlos, que em dez dias fez
Rio-Nova York-Patos de Minas-Bogotá.
Os meus vôos, bem mais modestos, ficavam por conta dos
programas da TV Record e, depois, pela minha participação na Mikson Tecnologia
de Comunicações, que foi a maior empresa de audiovisual do Brasil e a terceira
do mundo, segundo o ranking feito pelo norte-americano que tinham as duas
produtoras dos primeiros lugares. Mas a Mikson chegou a uma perfeição
impressionante no multivisão, conseguindo resultados formidáveis.
Tinham clientes como a GM, Fiat, Kibon, Johnson &
Johnson, Kaiser, Gessy-Lever e inúmeros outros, para quem produzimos convenções
memoráveis. A maioria dos clientes exigia os espetáculos dos grandes cartazes
como Roberto Carlos, Simone, Gal Costa, Jorge Ben, Gilberto Gil etc, mas muitas
vezes criamos temas e roteiros especiais que foram muito gratificantes para
nós. Acabamos por produzir shows especiais nos Estados Unidos, Espanha, na
Alemanha etc.
Na Miksom fiquei mais de 15 anos como uma espécie de diretor
de criação dos eventos especiais. Os Ortalli, família dos proprietários e
diretores, foram muito especiais na minha trajetória profissional. Enquanto a
tecnologia avançava, eles mantinham as tradições de amizade dos italianos. O
presidente continuou a se chamar seu Zeca, os filhos Carlos Augusto e Zé
Francisco iam transitando pelos computadores cada vez mais sofisticados, e ele
continuava como se estivéssemos nas mesmas pequenas instalações do início da
empresa.
Certa ocasião, numa tarde na qual íamos receber o presidente
da Ford do Brasil para uma apresentação, eu sugeri que talvez fosse
providencial remover o papagaio de estimação que ficava na sala de pós-produção,
proposta imediatamente rebatida por seu Zeca:
– O papagaio é do tio Nero e está conosco desde o começo. A
Ford tem o seu presidente, e eu não dou nenhum palpite lá nas instalações
deles.
E, assim, papagaios e computadores viveram felizes para
sempre na mesma sala. Depois, a Miksom cresceu muito, e era impossível para mim
continuar lá, pois a minha função exigia um profissional full-time, diariamente e desde as primeiras horas da manhã, para
atender à grande demanda de produções. Mas ainda estivemos juntos no Moinho
Santo Antônio, espetacular centro de entretenimento com quatro restaurantes,
discoteca, sorveteria, arena de rodeios e um bar com música ao vivo (by Miele).
Ficou uma grande amizade.
As amizades paulistas são muitas. Como a que tenho por
muitos anos com Abelardo Figueiredo, grande produtor de espetáculos. Abelardo
tem uma história que não cabe neste livro, e, por isso, o dele também já está
pronto, ou quase. Vai falar de suas produções na TV, do Beco, tradicional casa
de espetáculos de São Paulo, em que, durante muitos anos, os paulistas
aplaudiram grandes shows. Abelardo foi a primeira pessoa que quis me colocar no
palco num espetáculo que produziu no Rio de Janeiro chamado 12 Bikinis. Ele acreditava que eu podia
ser um showman, mas eu não me
convenci e preferi continuar apenas como assistente dele.
Na noite que antecedia a estréia, naquele nervosismo da
véspera do show, fui chamado por alguém que, embora à paisana, parecia bem
acostumado a dar ordens.
– Vem cá, meu amigo, você é que é responsável pelo elenco?
– Exatamente. Fala rápido que nós estamos no meio do ensaio.
– É o seguinte. Eu estou aqui para buscar a Srta. Mariela
Maldonado (codinome de uma uruguaia que era a moça mais bonita do elenco). Ela
tem um compromisso em Brasília e estará de volta amanhã ao meio-dia.
Sem entender, a princípio, aquele “texto” do compromisso em
Brasília, eu recusei veementemente.
– Nem pensar. A estréia é amanhã. Não dá para liberá-la de
jeito nenhum.
Com a mesma firmeza militar da primeira vez, ele continuou:
– Você não está entendendo, garoto. Eu tenho um jato
esperando por ela na base de Santa Cruz e estou lhe informando que ela estará
aqui amanhã ao meio-dia. E não há como dizer não a quem fez o convite, pois a
tranquilidade da nação depende também de certos momentos de privacidade e paz.
Paz e amor, naturalmente.
Informado da patente dele e da urgência do compromisso,
acedi gentilmente. Realmente, no dia seguinte, ao meio-dia, lá estava ela no
ensaio. Naturalmente, todos os outros 11 biquínis queriam saber dos detalhes
daquela noite e eu fiquei imaginando qual teria sido o cerimonial: um primeiro
drinque para relaxar, abaixar um pouco as luzes, deixando apenas a luz do
abajur lilás, colocar no toca-discos uma música romântica e, então,
parabadaram, parabadaram, invadem a sala os primeiros acordes do Hino Nacional
Brasileiro.
Com Abelardo fiz ainda, já no palco, o espetáculo Sampa-Rio-Samba, que era exatamente essa
ponte aérea. Ficamos nove meses em cartaz ao lado de Rosemary e de grande
elenco. Depois fizemos também Spot Light
com Miele, Ângela Maria e Lucinha Lins. Estranha mistura, não é mesmo? Mas deu
certo. Grande Abelardo.
O grande pianista
Pedrinho Mattar
Mais recentemente fui contratado para inaugurar uma casa
chamada Café Cancun. Deveria fazer o show ao lado de Pedrinho Mattar, o mais
conhecido pianista da noite de São Paulo. Mas não fomos avisados de que
teríamos que disputar a atenção dos clientes com alegres e divertidas garotas
da Paulicéia. Naturalmente elas tinham atributos bem mais atraentes que nossas
piadas e canções, pois eu trabalhava de pé, ao microfone, Pedrinho sentado ao
piano e as garotas nas mais variadas posições.
Lembro de muitas histórias de Pedrinho. Duas são
particularmente elegantes. Ambas aconteceram na Baiuca, restaurante-bar que
durante muitos anos foi a casa mais elegante de São Paulo.
Na primeira delas, Carmem Mayrink Veiga, então ainda Carmem
Terezinha Solbiati, adentrou o bar com uma pantera negra na coleira. Carmem
usava um daqueles colares maravilhosos e a outra pantera, a negra, uma coleira
de pedras, espero que falsas. Carmem sentou-se elegantemente, como sempre, e a
pantera ficou embaixo do piano do Pedrinho. Deve ter adorado o repertório, já
que Pedrinho está entre nós até hoje.
Numa outra noite, já madrugada, apenas um cliente no bar,
Pedrinho ia encerrar os trabalhos quando, para sua surpresa e emoção, entra
Vivian Leigh, acompanhada por um inglês de capa de livro, ou seja, chapéu coco,
bengala, colete, bigodes com as pontas reviradas etc.
Pedrinho tinha aquela lembrança dela levando o fora de Clark
Gable no fim do filme famoso e atacou imediatamente o tema do filme. Mas o tal
último cliente já estava para lá de Marrakesh e também de Londres. De maneira
que ignorou completamente o inglês, sentou-se ao lado da estrela, botou a mão
no ombro e mandou um cordial e íntimo:
– Fala, Vivian Leigh.
Em face das reclamações do acompanhante, cobriu Vivian de
elogios e propostas e cobriu o inglês de porrada. Com a intervenção do
leão-de-chácara, os garçons tentaram controlar a pancadaria, enquanto nossa
estrela tirou os sapatos e saiu correndo pela chuva, descalça, de madrugada,
pela praça Roosevelt, em São Paulo. Nunca mais se soube dela. O vento levou.
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