Luis Quatronne, Luiz
Carlos Barreto e Mario Priolli
Por Luiz Carlos Miele
Muitas lembranças do Canecão. Ainda fizemos lá shows da Elis,
da Alcione, do Agnaldo Timóteo, do Simonal, da Regina Duarte, além de inúmeras
convenções e eventos especiais. E também como outros produtores, NÃO fizemos o
show de João Gilberto. Depois de noites e noites de ensaios e pesquisas sobre o
acompanhamento – orquestra, trio, conjunto, quarteto, quinteto de cordas,
berimbau, só piano??? –, João não se convenceu com nenhuma formação.
Após uma semana de ensaios e tentativas, desistiu daquele
espetáculo e seguiu brilhantemente sua carreira, acompanhado somente por João
Gilberto, único capaz de entendê-lo em seu imenso talento, técnica, suingue e
sensibilidade.
Mas os ensaios ao lado de Mario Priolli, o proprietário do
Canecão, valeram sempre pelos muitos sucessos e mínimas decepções. Mario
mandava colocar uma mesa enorme em frente ao palco, onde ficávamos eu, ele,
Ronaldo, Maneco, responsável por solucionar as eventuais loucuras técnicas que
a gente pudesse inventar, Zeca Priolli e algum convidado especial.
Mario sempre foi muito fidalgo em relação às mordomias, o
que a gente pedisse para comer etc. Por uma estranha afinidade entre
proprietário e produção, o uísque foi eleito por unanimidade o elemento
principal desse menu noturno e, embora os ensaios terminassem mais ou menos ás
três da manhã, era normal que eu, Mario e Ronaldo ficássemos discutindo as
possibilidades do roteiro, da música brasileira em geral, da situação da
política mundial, do futuro da cultura de abobrinhas na Escócia e de qualquer
outro assunto que resistisse ao consumo da imensa adega do Canecão.
Naquela época, o Canecão não tinha as cortinas, eram as
paredes de vidro que deixavam passar as luzes da noite, que não atrapalhavam os
shows. Mas, em virtude da extensão do horário de nossas reuniões, todas elas no
sentido de contribuir para a melhoria das condições dos espetáculos, em favor
da cultura do Brasil, o sol que atravessava as vidraças começou a perturbar
nossa concentração.
Numa dessas ocasiões, mais ou menos às dez da manhã,
remanescentes ainda os bravos profissionais do show da noite anterior, Mario
houve por bem mandar instalar as cortinas negras, que imediatamente se
mostraram supereficientes, também em relação aos espetáculos. Mas que foram
colocadas por causa do “nosso sol”, foram.
Em outra ocasião, Mario trouxe para o Brasil o Moulin Rouge.
Foi preciso adaptar o palco do Canecão para receber toda aquela cenografia.
Veio um batalhão de técnico, bailarinos e bailarinas e um... leão. Leão de
verdade, mesmo, porque em matéria de leões-de-chácara, o Canecão tinha a melhor
equipe do Brasil.
Mas onde é que vai ficar guardado o leão? Naquele tempo,
ainda não havia sido construído o shopping, ali ao lado, e ainda estava lá o
morro, com alguns barracos. Ofereceram uma grana altíssima a um dos moradores
para construir um cercado para hospedar a fera e o dono do barraco, que não era
leão, mordeu rapidinho.
De maneira que, todas as noites, o domador descia a pé pelo
morro com o leão na corrente até uma estradinha onde uma Kombi aguardava para
levar o bicho até o Canecão.
Numa dessas noites, durante a descida pelo matagal, domador
e leão passaram perto de um casal que fazia das estrelas seu cobertor. No auge
da empolgação, o macho homem sentiu aquele bafo quente na nuca.
Como ele estava por cima, estranhou, e, ao virar a cabeça,
deu de cara com aquela tremenda cabeça, que ainda por cima urrou. O leão urrou,
mas não comeu ninguém. É claro que o apaixonado amante também não.
Aliás, nunca
mais comeu ninguém. Ficou broxa para sempre.
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