O choro da senhora parou a rua. Sua casa fora pichada com
uma paródia da família real – e a prefeitura, insensível, pintou por cima.
“Era
parte de nossas vidas. E agora, se foi”, afirmou à BBC Sofie Attrill, 50 anos e
recém-ex-proprietária de um grafite de Banksy, o artista de rua mais badalado
da história. A prefeitura lamentou o erro.
O episódio, ocorrido no leste de Londres em setembro de
2009, mostra como anda alta a cotação do grafiteiro.
Se resolvesse vender a
obra, pintada em 2003, Ms. Attrill perderia uma parede e ganharia muito
dinheiro – não seria a primeira.
Já as desculpas oficiais mostram que Banksy recebeu
um privilégio inédito: quase-licença para pichar.
Na verdade, se as autoridades
inglesas quisessem se entender com ele, seria complicado: sua identidade é
secreta.
Banksy tornou-se o anônimo mais famoso dos últimos anos. Seu
trabalho mudou o olhar sobre a arte de rua.
Com spray, faz críticas políticas, à sociedade e à guerra,
mas sempre com um humor sombrio e uma sacada. Também se especializou em ações
espetaculares, como na vez em que pôs um boneco vestido de prisioneiro de
Guantánamo dentro da Disneylândia.
Com prováveis 40 anos, ele segue experimentando: é o diretor
de Exit Through the Gift Shop (“Saída pela loja de presentes”), documentário
sobre um francês que o persegue, indicado ao Oscar e disponível no YouTube (há
uma versão legendada em português).
Hoje suas obras se espalham por Londres, Los Angeles, Nova
York, até no muro que separa Israel e Palestina. Mas tudo começou em Bristol,
no interior da Inglaterra, onde Banksy já dava sinais de que iria longe.
“Ele quer superioridade absoluta sobre qualquer coisa com a
qual lida. Quando estava em Bristol, ele não queria dividir o topo com ninguém.
Nem em Londres” diz o grafiteiro Graham Dews, o Paris, que o encontrou pela
primeira vez em 1996.
Nessa época, Banksy começou a fazer estêncil, em que o
desenho é formado por buracos numa superfície. Novidade nas ruas britânicas, a
técnica que o consagrou foi adotada por segurança: pintando direto na parede,
ele demorava tanto que a polícia chegava.
Foi no bairro de Stokes Croft, onde é possível ver alguns
desses primeiros trabalhos, que a revista Superinteressante conversou com
Paris.
“Conhecendo ele desde Bristol, acho engraçado o mito sobre sua
identidade”, diz Paris.
Uma busca na internet resulta em diferentes nomes e rostos.
E o boato de que há um coletivo por trás do nome?
“É uma pessoa só”, garante
Paris. “Mas com um grupo de 10 a 20 colaboradores próximos. Chegam a montar tapumes
para ele pintar escondido.”
Com seu rosto protegido por seus fiéis escudeiros, o artista
foi muito além de pintar figuras irônicas e frases de efeito em paredes de
prédios.
Deixou mensagens em jaulas de zoológico – “Quero sair. Chato, chato,
chato”, escreveu na jaula de um elefante.
Acrescentou obras a museus – em 2005, sua pintura de homens
da caverna caçando um carrinho de supermercado acabou indo pro acervo
permanente do Museu Britânico.
Trocou CDs da Paris Hilton por versões remixadas e com
encartes adulterados – em um, ela acompanhava mendigos.
Produziu notas de £ 10 substituindo a rainha Elizabeth pela
princesa Diana, hoje vendidas por £ 200 – no documentário, ele comenta: “Foi
como se houvesse falsificado dinheiro, posso ir pra cadeia por isso”.
Mas foi pelas ações explicitamente políticas, como pintar
painéis irônicos no lado palestino do muro que separa a Cisjordânia de Israel e
plantar o guantanamero na Disney, que Banksy virou “o cara”.
Mais especificamente, o cara que corria da polícia e agora
vendia quadros pra Christina Aguilera – ela pagou £ 25 mil pela imagem de uma
rainha Vitória lésbica.
Quando faz exposições, Banksy coloca obras para vender.
Quando faz um grafite na rua, não – o que não impede as obras de serem vendidas.
A partir de 2007, tornou-se cada vez mais comum seus
trabalhos saírem diretamente dos muros e paredes para as casas de leilão.
Indignado, ele chegou a colocar em seu site a imagem de
pessoas dando lances em uma figura que dizia “não acredito que vocês idiotas
vão mesmo comprar esta merda”.
Se a dona da abertura do texto não quis lucrar com o
trabalho alheio, já houve quem aproveitou.
Em Bristol, os donos de uma casa com um mural de Banksy em
uma parede não colocaram o imóvel à venda em uma imobiliária, mas em uma
galeria de arte, listada como “mural com uma casa anexa”.
Já em Liverpool, uma casa caindo aos pedaços alcançou o
preço notável de R$ 300 mil, só porque em um dos lados do prédio há um
gigantesca cabeça de rato desenhada pelo grafiteiro famoso.
“Não é sobre o hype, não é sobre o dinheiro”, Banksy diz em
seu documentário. Mas, mesmo idealista, anônimo e contra o sistema, Banksy está
inserido no mundo da arte.
“Ele é parte de uma geração que olhou para fora do sistema
convencional de galerias, no jeito de exibir uma obra”, observa Gill Saunders,
curadora do museu Victoria & Albert, em Londres, que tem 4 peças suas.
Na imprensa, ficou popular a expressão “o efeito Banksy”,
para descrever o interesse em outros artistas de rua que vieram na carona do
seu sucesso.
A escalada em popularidade não foi marcada apenas pela
conquista de fãs, mas também por críticas.
Banksy pautou o debate no Reino Unido sobre o grafite ser
classificado como arte ou mero vandalismo.
“Não há nada de interessante sobre Banksy. Quando vi suas
pinturas por aí, pensei: é um pouco de entretenimento em um lixo no muro. Agora
se supõe que a gente tenha que ver isso seriamente. Mas é óbvio que não é nada”,
diz o crítico de arte Matthew Collings, no documentário B Movie.
Já a organização Keep Britain Tidy (“Mantenha a Grã-Bretanha
arrumada”) considerava Banksy um vândalo, mas mudou sua posição ao constatar em
uma pesquisa que a maioria da população diferenciava tipos de grafite entre
arte e vandalismo.
Há mais de 50 anos combatendo de carros abandonados a
chiclete jogado no chão, o grupo admite agora que o artista virou um
significativo ícone cultural.
Mas deixa claro – ele é uma exceção.
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