O jornalista americano
James Foley foi morto na semana passada pelo rapper britânico Abdel-Majed Abdel
Bary, que pirou o cabeção e se tornou jihadista
Um jornalista americano foi decapitado na última semana, no
Iraque, e mais uma vez o Oriente Médio vira foco de notícias sobre
fundamentalismo, conflito e mortes com o intitulado ISIS, ou Estado Islâmico,
grupo auto-proclamado como um califado que atua na Síria e Iraque.
Bato nessa tecla aqui porque sei que o que pode ocorrer de
mais fácil é a confusão generalizada sobre o que está acontecendo por lá e sob
quais circunstâncias.
Chamar um povo (ou vários povos) de loucos, repetir que “lá,
a coisa não tem mais jeito não” e sair culpando religiões ou políticas é de uma
intolerância bem ruim.
Também não vão faltar opiniões e matérias ansiosas e
precipitadas com aquela vontade inerente de alarmar e criar justamente a
intolerância.
Então, antes de isso acontecer, vamos consultar os
entendidos.
Novamente, cito o jornalista do Estadão e da Globo News,
Gustavo Chacra, mestre em relações internacionais pela Universidade de
Columbia, em Nova Iorque.
Na semana passada, ele publicou o “Guia blogueiro para
entender o ISIS e a Guerra do Iraque“, um texto que disseca o que está
acontecendo no Iraque e Síria nesse momento.
No texto, ele separa as etnias e religiões existentes por
lá: árabes xiitas (maioria no Iraque, mas não dominantes), árabes sunitas
(minoria entre os árabes, mas dominantes na região — o Saddam Hussein era
sunita), curdos (etnia, não religião), cristãos (religião, não etnia), e
turcomanos (que podem, assim como os árabes, ser xiitas ou sunitas).
Disso, ele retoma a posição de cada um deles na história
recente do Iraque e os desdobramentos, desde a derrota da Al Qaeda para os
americanos e iraquianos até os acontecimentos atuais:
* * *
Cada um destes povos possui a sua própria experiência na
história iraquiana, especialmente nas últimas décadas.
Os xiitas e curdos têm um sentimento de que foram vítimas de
um Estado de apartheid nos anos em que Saddam Hussein estava no poder.
O ditador, que era um sunita laico, tendia a proteger os
sunitas e os cristãos, enquanto massacrava xiitas e curdos.
Os sunitas avaliam que são alvo de perseguição no Iraque
desde a invasão dos EUA.
Washington teria favorecidos os xiitas, aliados do Irã, em
detrimento dos sunitas.
Pouco representados, eles se levantaram contra o Exército
americano e contra o governo central em Bagdá.
Faziam parte das forças sunitas tanto grupos seculares
baathistas, ligados ao ex-ditador Saddam Hussein, como também facções ligadas à
Al Qaeda antes inexistentes no Iraque (Saddam combatia duramente a rede
terrorista de Bin Laden, de quem era inimigo).
Mas os dois tinham um inimigo comum – os xiitas e os EUA.
Como os EUA e o
Iraque derrotaram a Al Qaeda?
Inicialmente, no surge, a partir de 2006, os EUA conseguiram
reverter esta oposição de sunitas ao pagar mesadas para líderes tribais sunitas
em troca de apoio.
Fortes nas áreas sunitas, os líderes tribais se voltaram
contra a Al Qaeda no Iraque e também contra os grupos ligados a simpatizantes
de Saddam.
No fim, conseguiam estabilizar a região com a ajuda de
dezenas de milhares militares americanos e do Exército do Iraque.
Como a Guerra da
Síria contribuiu para o nascimento do ISIS?
O Ocidente, a Turquia e países do Golfo apoiaram os rebeldes
na Síria contra Bashar al Assad. Estes rebeldes, em sua maioria, porém,
compartilhavam dos mesmos ideais que a Al Qaeda, não de uma democracia sueca.
Jihadistas do mundo todo começaram a ir para a Síria para
lutar contra Assad e perseguir minorias religiosas, como os cristãos, alaítas,
drusos e mesmo sunitas moderados, que apoiam e são protegidos pelo regime
sírio, enquanto o Ocidente apenas se preocupava em condenar Damasco,
praticamente dando sinal verde para o avanço do radicalismo religioso de grupos
como o ISIS e a Frente Nusrah, ligada à Al Qaeda.
Mas tem o ISIS e a
Frente Nusrah, qual diferença?
Os dois eram aliados e ligados à Al Qaeda. Mas houve um
rompimento quando o comando do ISIS decidiu não seguir mais a liderança central
da Al Qaeda, se tornando independente.
Além disso, as ações do ISIS, crucificando minorias
religiosas, estuprando mulheres e matando crianças foram consideradas muito
radicais pela Al Qaeda e, consequentemente, a Frente Nusrah.
Mas a Frente Nusrah,
ligada à Al Qaeda, ainda existe?
Sim, e é a principal rival do ISIS na luta contra o regime
de Assad.
Os dois grupos também lutam entre si e praticamente
eliminaram do mapa facções menos religiosas da oposição, como o Exército Livre
da Síria.
Certo, isso na Síria,
mas e no Iraque?
A partir de sua base na Síria, o ISIS conseguiu se
fortalecer e, ao mesmo tempo, os EUA haviam retirado as suas tropas do
território iraquiano em 2011.
As áreas sunitas, mais uma vez, estavam insatisfeitas com o
governo central em Bagdá, dominado por xiitas apoiados pelos EUA e pelo Irã.
Isso eliminou a resistência à entrada do ISIS, agora mais
forte, nos territórios majoritariamente sunitas do oeste do Iraque, próximos da
fronteira com a Síria.
Por que os EUA
retiraram as tropas?
Esta decisão foi tomada ainda no governo de George W. Bush,
em 2008, e levada adiante pela administração Obama. Os dois presidentes
defendiam a permanência de tropas remanescentes.
Mas o Parlamento iraquiano, em votação, não permitiu a
permanência dos militares americanos. Isto é, Obama queria ter deixado cerca de
5 mil soldados baseados no Iraque, mas Bagdá não permitiu.
E a fuga de radicais
Abu Ghraib?
Ao menos 500 prisioneiros, antes ligados à Al Qaeda, fugiram
da prisão de Abu Ghraib. Entre eles, estão alguns dos mais radicais ex-integrantes
da rede de Bin Laden.
A maior parte deles acabou se juntando ao ISIS e contribuiu
para a tomada de território no Iraque.
Este episódio, quase esquecido, foi crucial para o
fortalecimento do ISIS.
Quem apoia o ISIS no
Oriente Médio?
Figuras independentes do Golfo e habitantes sunitas mais
religiosos do interior da Síria e do Iraque.
Mas a principal base de suporte vem de radicais sunitas de
outras partes do mundo, incluindo dos EUA e da Europa.
Há até uma parte dos guerrilheiros do ISIS sequer sabe falar
árabe direito e não é da Síria e do Iraque.
Quem são os maiores
inimigos do ISIS?
O regime de Assad na Síria, o Irã, o governo xiita do Iraque,
os curdos iraquianos, o Hezbollah, os EUA, o Líbano (todas as religiões),
Israel, minorias religiosas ao redor do Oriente Médio, Rússia, monarquias do
Golfo e, hoje, até a Al Qaeda.
Basicamente, todo o mundo.
E de onde eles tiram
dinheiro e armas?
O dinheiro vem de doações destas figuras independentes e
também da tomada de cidades na Síria e no Iraque.
Eles roubaram dezenas de milhões de dólares dos bancos em
Mossul, segunda maior metrópole do Iraque.
As armas vêm contrabandeadas da Líbia, onde os rebeldes
foram armados pela OTAN, do armamento de milícias opositoras na Síria pelo
Ocidente e pelo Golfo e também do roubo de armamentos do Exército sírio e
iraquiano.
Qual a estratégia
para derrotar o ISIS no Iraque?
No Iraque, há uma estratégia com três pilares. Primeiro, os
EUA estão lançando bombardeios estratégicos.
Segundo, os EUA estão apoiando os peshmerga, como são
conhecidos os guerreiros curdos, que servem de Exército do Curdistão, para combater
o ISIS a partir do norte.
Pressionando o futuro premiê Haider Abadi a formar um
governo mais inclusivo, com presença maior de sunitas, curdos e cristãos, se
diferenciando do anterior, totalmente controlados por xiitas, há uma
expectativa de os sunitas se sentirem mais representados.
Desta forma, o Exército do Iraque, com apoio dos EUA,
enfrentaria menos resistência nas áreas controladas pelo ISIS e poderia ter o
suporte dos líderes tribais.
Qual a estratégia
para derrotar o ISIS na Síria?
Não há uma estratégia clara. Alguns falam em armar os
rebeldes moderados. Mas estes são irrelevantes. Seria como treinar um time de
várzea brasileiro para enfrentar o Barcelona.
A única opção viável seria torcer para as Forças de Assad
derrotarem o ISIS com a ajuda do Hezbollah e do Irã e apoio da Rússia. Isso já
vem ocorrendo.
Para os EUA, é impossível apoiar Assad devido ao histórico
de crimes contra a humanidade, segundo a ONU, que teriam sido cometidos pelo
regime sírio, embora haja um consenso cada vez maior de que ele seja o menor
dos males hoje na Síria.
A marcação negra
mostra os territórios ansiados pelo Estado Islâmico
Ainda sobre o assunto, o Guga também publicou um texto sobre
as principais semelhanças e diferenças entre o ISIS e o Hamas, grupo armado que
luta, nesse momento, contra Israel, que pode ser lida no post abaixo.
Ainda sobre Oriente Médio, antes de a notícia da morte do
jornalista americano, Chacra faz a pergunta: Por que ninguém comenta a melhor
notícia do Oriente Médio?
Há uma excelente notícia no Oriente Médio e quase ninguém
fala nada.
As armas químicas da Síria foram totalmente destruídas menos
de um ano depois de estes armamentos terem sido usados nos arredores de Damasco
em ação atribuída pelos EUA e países europeus às forças de Bashar al Assad – o
regime sírio, assim como a Rússia, acusa rebeldes pelo uso.
Não há uma conclusão independente.
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