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terça-feira, junho 18, 2013

A congada da Lapa


Inegavelmente, o culto a São Benedito — o santo preto — deixou em nosso folclore, marcas de profunda beleza. Ligado intimamente às esperanças de dias melhores para os antigos escravos e seus descendentes, São Benedito ganhou, em seu louvor, danças e cantos em festas lendárias, cheias de ritmo e dor.

No Paraná, tem-se notícias de vários festejos em honra a São Benedito, ou seja, as congadas, em diferentes regiões.

Em Curitiba, Paranaguá, Castro, Lapa e na região norte, próxima a Tunas, os negros misturavam as reminiscências de seu passado africano às orações louvatórias ao santo padroeiro e mais a uma sutil caricatura da constituição monárquica da época.

De todas, a única que sobreviveu foi a congada da Lapa, onde o culto a São Benedito permaneceu mais fervoroso.


Trazido da África pelos antigos negros, já por influência dos colonizadores portugueses, o culto a São Benedito não permitiu que aqui se desenvolvessem as práticas fetichistas produzidas pelo sincretismo religioso verificado em outras regiões brasileiras.

Os antigos escravos reuniam-se em organizações religiosas rudimentares, cuja nota predominante, o catolicismo, evitou a preservação de práticas religiosas de seus antepassados.

Tais organizações, sem dúvida nenhuma, abriram caminho para a estruturação da Irmandade de São Benedito, existente até os dias de hoje.

E tem sido essa irmandade que, na maioria das vezes, manteve sob seu comando a organização das congadas, sendo quase todos os congos (participante do auto popular) membros da entidade religiosa.

Assim, a tradição fixou para a realização da congada o dia 26 de dezembro, data destinada ao louvor do santo padroeiro.

Cumpre registrar, entretanto, que, embora mantenha o seu testemunho de veneração a São Benedito, a congada é uma representação profana e não pretende rivalizar com os rituais católicos, normalmente processados.


Na congada, a representação é feita por dois grupos: o rei do Congo, com sua fidalguia, e a embaixada de Ginga, a rainha da Angola, composta do embaixador e seu exército.

Embora haja uma ascendência africana histórica no desenrolar da congada, é de se notar a grande influência portuguesa existente, principalmente no que diz respeito à organização da corte e respectivos vestuários.

Os prováveis conhecimentos que se tinham dos hábitos de nossa corte motivou tal influência e, substituindo os habituais títulos militares encontrados na maioria de nossos autos populares, encontramos títulos de nobreza.

Assim, Zumbi Ganaiame é o rei, Totoiza-Name, a rainha, Ganaitoza, o secretário, Guiziame, o duque e, Boeniziame, Naquim, Subam e Kantor, outros quatro fidalgos.

Após as movimentações preliminares, em que a fidalguia vai até a casa do rei, para em sua companhia, seguir até a residência da rainha, há um desfile de toda a comitiva pelas ruas da cidade.

Simultaneamente, a embaixada da rainha Ginga, com o embaixador, os conguinhos e o cacique — elemento ameríndio — faz também sua reunião e desfile.


Têm início, então, as danças e cânticos, cujas intenções iniciais são louvar São Benedito e homenagear o rei do Congo.

Na segunda parte, acontece a chegada da embaixada da rainha Ginga, com o propósito de levar ao reino do Congo, o testemunho de amor e respeito a São Benedito.

Porém, a maneira um pouco ruidosa e a aparência guerreira dos componentes da embaixada geram desconfiança e tumulto.

O embaixador mantém contatos preliminares com o príncipe, que se encarrega de transmitir informações falsas ao rei, culminando no entrechoque das duas forças, no momento conhecido como a primeira guerra.


Tenta-se, novamente, uma aproximação, mas novos desentendimentos surgem e segue-se a segunda guerra, após a qual o embaixador é feito prisioneiro.

Mas a embaixada, em seguintes coreografias, reclama o perdão real, que é imediatamente concedido.

Finalmente, é conseguida a harmonia entre os dois grupos, verificando-se a total transmissão da mensagem do reino de Angola ao reino do Congo.

Tudo isso transcorre num ambiente de estranha beleza, feito pela música, pela poesia e pela coreografia totalmente nascidas da alma simples dos escravos e seus descendentes.

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