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quarta-feira, junho 05, 2013

“O humor estava refém do traço”, diz autora do Pintinho


Marina Azaredo

Talvez você nunca tenha ouvido esse nome, mas Alexandra Moraes, 31 anos, é uma “celebridade da internet”, uma das tantas que surgiram com a popularização das redes sociais – e principalmente do Twitter – há alguns anos. A coisa começou meio despretensiosa. Ela tinha virado mãe, estava meio entediada, desenhou no Paint um pintinho e uma galinha e começou a colocar ali diálogos e ideias que surgiam em conversas com amigos, uma coisa meio nonsense, meio irônica, meio engraçadinha.

Depois do sucesso no Twitter, veio o Tumblr, o Facebook e, por fim, o Pintinho saiu da internet: Alexandra acaba de lançar O Pintinho - Mais um Filho de Mãe Brasileira, pela editora recém-criada Lote 42, com 80 tiras selecionadas entre toda a sua produção.

“A gente tentou chegar nas melhores tiras, mas isso é menos de um terço da produção total. Tentamos alinhar mais ou menos tematicamente, mas um alinhamento bem frouxo mesmo, sem capítulos, sem nada, para que fluíssem as historinhas”, disse Alexandra em entrevista por telefone ao portal Terra.

Em uma conversa em que se dividiu entre as perguntas da repórter e os pedidos de atenção de seu filho, Benjamin, hoje com 5 anos, ela falou também sobre a afirmação de Arnaldo Branco logo no início do livro de que é o Pintinho é o que de melhor surgiu no humor nacional nos últimos anos e de que é a prova que a ideia é mais importante do que o traço.

“Nem sempre o cara que tem o melhor desenho tem a melhor piada. Eu tô bem longe de dizer que sou eu que tenho a melhor piada, não é isso, mas acho que durante um bom tempo a gente ficou refém demais do traço, e talvez a internet mesmo tenha possibilitado o aparecimento de gente que consegue conjugar as duas coisas”, opinou.

Na entrevista a seguir, Alexandra fala sobre o surgimento do Pintinho, que também já está nas páginas da Folha de S. Paulo, sobre o tipo de humor que se faz hoje e sobre as suas fontes de inspiração para criar os diálogos: “acho que é mais o dia a dia mesmo. Eu me fodo bastante”.


Você criou o Pintinho quando estava completando um ano de maternidade. Foi fruto do tédio?

É, foi um pouco isso. Um pouco de tédio, mas também uma piadinha que surgiu em uma lista de amigos. Não tinha nada a ver com a formatação de hoje, não era um diálogo entre uma galinha e um pintinho. Eram vários pintinhos e várias galinhas. Aí eu tirei dois personagens e comecei a fazer os diálogos. Mas foi isso, uma brincadeira boba, sem compromisso. Eu tinha desenhado esses dois personagens e pensei em aproveitá-los com diálogos bobos, coisas que eu não tinha mais onde colocar. Então aquilo ali serviu pra mim como um suporte para essas discussõezinhas, para umas frases, umas questões que acabavam surgindo de conversas mesmo. Depois comecei a colocar num blog que eu tinha na época. E, em 2010, veio o Tumblr.

Quando você percebeu que o Pintinho estava ficando famoso?

Eu não sei te dizer exatamente quando foi, porque no começo era mais gente conhecida mesmo, gente que comentava que tinha gostado, que tinha visto algum quadrinho. E foi meio que acho que pelo Twitter, porque era mais fácil de ter esse retorno. E aí as pessoas que eu conhecia começaram a contar que alguém tinha compartilhado, alguém que não tinha conexão nenhuma comigo. Mas foi difícil. Ainda hoje eu fico bastante surpresa com o alcance que acabou tendo o que era só uma brincadeira. Hoje, na internet, 16 mil pessoas que curtiram uma fan page é até pouco. Tem o Suricate Seboso, o Bode não sei das contas (Bode Gaiato), os caras têm 800 mil curtir, são fenômenos. O Pintinho tem uma constância, um público fiel, mas quando chegou ali nos mil curtir, 5 mil, 6 mil me assustou de alguma maneira. Eu pensei “poxa, que legal que tem gente que realmente gosta e que tá além desse meu círculo”, porque o meu círculo realmente é muito pequeno. Foi meio isso.

O Arnaldo Branco diz no livro que você é o que de melhor surgiu no humor nacional recentemente. Por que mesmo assim você reluta em ser chamada de quadrinista?

Não sei se bondade é a melhor palavra, porque não é exatamente isso, mas enfim, é umagentileza dele dizer isso. E eu sou a maior fã do Arnaldo, mais do que qualquer coisa. Mas eu tenho essa limitação do desenho, o meu desenho é muito cru, muito pobre até. Eu sei que essa pobreza tem uma graça, mas os caras que fazem quadrinhos mesmo fazer todo dia, na mão, é com tinta. Eu tenho um respeito muito grande pelo trabalho deles e, quando você vai entrando nesse mundo, você pensa “pô, mas eu não sou nenhum deles”, “não tenho o talento que eles têm”, “não tô elaborando esse desenho da maneira que eles elaboram”. Eu acho que o meu trabalho é um pouquinho diferente desse quadrinho tradicional, que é realmente muito mais trabalhado e muito mais bem acabado do que o meu acaba sendo. Mas é de coração.

Em algum momento você pensou em aprimorar o desenho?

Não. Não mesmo. Porque eu acho que ficaria uma coisa artificial, talvez falsa. Não seria muito útil eu mudar aquele desenho porque eles já estavam ganhando uma vida própria. Então pra mim não foi uma questão, não pensei em fazer um curso ou tentar elaborar e aplicar algum tipo de técnica mais sofisticada nem nada.


Você concorda que a ideia é mais importante do que o traço? Isso revela uma mudança nos quadrinhos?

Eu acho que, ao mesmo tempo que eu mesma enxergo nessa questão do desenho uma força muito importante dos quadrinhos, tem o problema da piada também, porque nem sempre o cara que tem o melhor desenho tem a melhor piada. Eu tô bem longe de dizer que sou eu que tenho a melhor piada, não é isso, mas acho que durante um bom tempo a gente ficou refém demais do traço, e talvez a internet mesmo tenha possibilitado o aparecimento de gente que consegue conjugar as duas coisas ou que se esforça em busca de ideias legais que encontrem suporte no traço. Então acho que a gente caminha pra encontrar essa harmonia. E, em muitos casos, ela já foi encontrada: tem o Angeli, o Laerte, o Fernando Gonsales, que é incrível. São bem importantes as duas coisas. Mas o traço também sem ideia não vai existir. Num contexto de humor, eu digo, porque é óbvio que nem todo desenho precisa ser engraçado.

Então a ideia é mais necessária para o traço do que o traço para a ideia?

Aí você me pegou. É porque essa é uma frase forte do Arnaldo (Branco), que serve para ilustrar o meu trabalho, mas eu não sei se serve para definir o que é mais importante agora. Eu acho que tem essa questão de você ter tido um período, uma produção muito apoiada no humor de salão, alguns vícios que ficaram do humor mais social e muito pesado num certo sentido. Então foi ficando pobre, porque você precisa arejar justamente com ideias. Então, quando se alinha as duas coisas, você tem um contexto ideal.

Como surgiram os outros personagens?

Eles são meio caricaturais. Tem o Abortinho, que é um feto abortado amigo do Pintinho, tem o Zé Sexo, que é essa caricatura meio inspirada no Zé Celso a partir do nome que um conhecido meu cunhou para ele, tem a diretora da escola, que é uma personagem mais amargona, o dinossauro ateu... Eles foram surgindo a partir da necessidade de colocar alguma outra coisa nesse contexto. Acho que o primeiro de todos - e o terceiro personagem que surgiu além dois - foi o Zé Sexo mesmo, porque eu acho graça nisso de ter essa ilustração dessa figura, que é muito peculiar e defende um tipo de arte e que está sempre evocando Baco e não sei mais quem. Então eles foram surgindo disso. Eu não sentei para planejar, não pensei “preciso fazer um outro personagem agora”, então eles surgiram com a piada mesmo.


Em que você se inspira?

Acho que é mais o dia a dia mesmo. Eu me fodo bastante. Então pra mim é isso, apesar das dificuldades, do dia a dia e das coisas que tendem a amargurar a gente, para mim ver a vida com um pouco de humor sempre foi natural, desde que eu era pequena. Sempre foi uma coisa de que eu gostava, gostava de contar piada, gostava de rir, de ouvir piada, de ver A Escolinha do Professor Raimundo. Essas eram as minhas diversões quando eu era pequena, então eu não tive que fazer esforço para tentar rir das coisas, foi meio natural.

Como surgem as ideias para as tiras?

Ah, vou juntando pequenas desgraças. E eu gosto muito de andar, de andar de ônibus, eu acho que são momentos bastante propícios para de repente ter ideias, para ir pensando na vida, nas coisas. É como, sei lá, ver um filme, ler um livro. É aquilo que eu tava falando sobre oxigenar a cabeça mesmo, porque é dali que vão sair ideias novas. Não adianta ficar bitolado assim “ah, eu preciso ter ideia, eu preciso fazer alguma coisa”, porque é justamente quando elas mais faltam.

O Pintinho evoluiu desde os primeiros quadrinhos?

Acho que sim. Ele era bem mais cru no começo, menos elaborado, menos preocupado. Acho que é uma questão de timing, de menos silêncio, mesmo tendo bastante espaço vazio ali na tira. Também tem o tom das coisas, que antes era pesado demais, nonsense demais. Mas ao mesmo tempo acho que não chega a renegar, foi um caminho que era pra ter sido percorrido mesmo, eu acho.


O Arnaldo Branco também escreve que você não perdoa a esquerda, principalmente a nova esquerda. Por que as críticas à esquerda?

Ah, foi acontecendo. Acho que você não precisa ser nenhum reacionário para identificar esses vícios. Isso de botar no Facebook Guarani Kaiowá... Acho que é uma postura que vai esvaziando o sentido das próprias causas, é uma caricatura mesmo. Quem estudou numa universidade, ou trabalha numa redação de jornal, sabe que tem um pensamento que impera ali que não aceita muita contestação. Em outros tempos foram outras causas, mas hoje é essa coisa da ecologia, umas preocupações sociais que descem meio de paraquedas. A direita também tem aspectos caricatos, mas hoje o que tem mais força para virar piada está coincidentemente mais alinhado com a esquerda.

As 80 tiras que estão no livro são as melhores?


A gente tentou chegar nas melhores, mas isso é menos de um terço da produção total do site. Tentamos alinhar mais ou menos tematicamente, mas um alinhamento bem frouxo mesmo, sem capítulos, sem nada, para que fluíssem as historinhas. A gente fez uma seleção grande e dividiu esse material: parte dele para o primeiro livro e parte para o livro que ainda vai vir. Não sei quando, mas será esse ano ainda.

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