Marina Azaredo
Talvez você nunca tenha ouvido esse nome, mas Alexandra
Moraes, 31 anos, é uma “celebridade da internet”, uma das tantas que surgiram
com a popularização das redes sociais – e principalmente do Twitter – há alguns
anos. A coisa começou meio despretensiosa. Ela tinha virado mãe, estava meio
entediada, desenhou no Paint um pintinho e uma galinha e começou a colocar ali
diálogos e ideias que surgiam em conversas com amigos, uma coisa meio nonsense,
meio irônica, meio engraçadinha.
Depois do sucesso no Twitter, veio o Tumblr, o Facebook e,
por fim, o Pintinho saiu da internet: Alexandra acaba de lançar O Pintinho - Mais um Filho de Mãe Brasileira,
pela editora recém-criada Lote 42, com 80 tiras selecionadas entre toda a sua
produção.
“A gente tentou chegar nas melhores tiras, mas isso é menos
de um terço da produção total. Tentamos alinhar mais ou menos tematicamente,
mas um alinhamento bem frouxo mesmo, sem capítulos, sem nada, para que fluíssem
as historinhas”, disse Alexandra em entrevista por telefone ao portal Terra.
Em uma conversa em que se dividiu entre as perguntas da
repórter e os pedidos de atenção de seu filho, Benjamin, hoje com 5 anos, ela
falou também sobre a afirmação de Arnaldo Branco logo no início do livro de que
é o Pintinho é o que de melhor surgiu no humor nacional nos últimos anos e de
que é a prova que a ideia é mais importante do que o traço.
“Nem sempre o cara que tem o melhor desenho tem a melhor
piada. Eu tô bem longe de dizer que sou eu que tenho a melhor piada, não é
isso, mas acho que durante um bom tempo a gente ficou refém demais do traço, e
talvez a internet mesmo tenha possibilitado o aparecimento de gente que
consegue conjugar as duas coisas”, opinou.
Na entrevista a seguir, Alexandra fala sobre o surgimento do
Pintinho, que também já está nas páginas da Folha de S. Paulo, sobre o tipo de
humor que se faz hoje e sobre as suas fontes de inspiração para criar os
diálogos: “acho que é mais o dia a dia mesmo. Eu me fodo bastante”.
Você criou o Pintinho
quando estava completando um ano de maternidade. Foi fruto do tédio?
É, foi um pouco isso. Um pouco de tédio, mas também uma
piadinha que surgiu em uma lista de amigos. Não tinha nada a ver com a
formatação de hoje, não era um diálogo entre uma galinha e um pintinho. Eram
vários pintinhos e várias galinhas. Aí eu tirei dois personagens e comecei a
fazer os diálogos. Mas foi isso, uma brincadeira boba, sem compromisso. Eu
tinha desenhado esses dois personagens e pensei em aproveitá-los com diálogos
bobos, coisas que eu não tinha mais onde colocar. Então aquilo ali serviu pra
mim como um suporte para essas discussõezinhas, para umas frases, umas questões
que acabavam surgindo de conversas mesmo. Depois comecei a colocar num blog que
eu tinha na época. E, em 2010, veio o Tumblr.
Quando você percebeu
que o Pintinho estava ficando famoso?
Eu não sei te dizer exatamente quando foi, porque no começo
era mais gente conhecida mesmo, gente que comentava que tinha gostado, que
tinha visto algum quadrinho. E foi meio que acho que pelo Twitter, porque era
mais fácil de ter esse retorno. E aí as pessoas que eu conhecia começaram a
contar que alguém tinha compartilhado, alguém que não tinha conexão nenhuma
comigo. Mas foi difícil. Ainda hoje eu fico bastante surpresa com o alcance que
acabou tendo o que era só uma brincadeira. Hoje, na internet, 16 mil pessoas
que curtiram uma fan page é até pouco. Tem o Suricate Seboso, o Bode não sei
das contas (Bode Gaiato), os caras têm 800 mil curtir, são fenômenos. O Pintinho
tem uma constância, um público fiel, mas quando chegou ali nos mil curtir, 5
mil, 6 mil me assustou de alguma maneira. Eu pensei “poxa, que legal que tem
gente que realmente gosta e que tá além desse meu círculo”, porque o meu
círculo realmente é muito pequeno. Foi meio isso.
O Arnaldo Branco diz
no livro que você é o que de melhor surgiu no humor nacional recentemente. Por
que mesmo assim você reluta em ser chamada de quadrinista?
Não sei se bondade é a melhor palavra, porque não é
exatamente isso, mas enfim, é umagentileza dele dizer isso. E eu sou a maior fã
do Arnaldo, mais do que qualquer coisa. Mas eu tenho essa limitação do desenho,
o meu desenho é muito cru, muito pobre até. Eu sei que essa pobreza tem uma
graça, mas os caras que fazem quadrinhos mesmo fazer todo dia, na mão, é com
tinta. Eu tenho um respeito muito grande pelo trabalho deles e, quando você vai
entrando nesse mundo, você pensa “pô, mas eu não sou nenhum deles”, “não tenho
o talento que eles têm”, “não tô elaborando esse desenho da maneira que eles
elaboram”. Eu acho que o meu trabalho é um pouquinho diferente desse quadrinho
tradicional, que é realmente muito mais trabalhado e muito mais bem acabado do
que o meu acaba sendo. Mas é de coração.
Em algum momento você
pensou em aprimorar o desenho?
Não. Não mesmo. Porque eu acho que ficaria uma coisa
artificial, talvez falsa. Não seria muito útil eu mudar aquele desenho porque
eles já estavam ganhando uma vida própria. Então pra mim não foi uma questão,
não pensei em fazer um curso ou tentar elaborar e aplicar algum tipo de técnica
mais sofisticada nem nada.
Você concorda que a
ideia é mais importante do que o traço? Isso revela uma mudança nos quadrinhos?
Eu acho que, ao mesmo tempo que eu mesma enxergo nessa
questão do desenho uma força muito importante dos quadrinhos, tem o problema da
piada também, porque nem sempre o cara que tem o melhor desenho tem a melhor
piada. Eu tô bem longe de dizer que sou eu que tenho a melhor piada, não é
isso, mas acho que durante um bom tempo a gente ficou refém demais do traço, e
talvez a internet mesmo tenha possibilitado o aparecimento de gente que
consegue conjugar as duas coisas ou que se esforça em busca de ideias legais
que encontrem suporte no traço. Então acho que a gente caminha pra encontrar
essa harmonia. E, em muitos casos, ela já foi encontrada: tem o Angeli, o
Laerte, o Fernando Gonsales, que é incrível. São bem importantes as duas
coisas. Mas o traço também sem ideia não vai existir. Num contexto de humor, eu
digo, porque é óbvio que nem todo desenho precisa ser engraçado.
Então a ideia é mais
necessária para o traço do que o traço para a ideia?
Aí você me pegou. É porque essa é uma frase forte do Arnaldo
(Branco), que serve para ilustrar o meu trabalho, mas eu não sei se serve para
definir o que é mais importante agora. Eu acho que tem essa questão de você ter
tido um período, uma produção muito apoiada no humor de salão, alguns vícios
que ficaram do humor mais social e muito pesado num certo sentido. Então foi
ficando pobre, porque você precisa arejar justamente com ideias. Então, quando
se alinha as duas coisas, você tem um contexto ideal.
Como surgiram os
outros personagens?
Eles são meio caricaturais. Tem o Abortinho, que é um feto
abortado amigo do Pintinho, tem o Zé Sexo, que é essa caricatura meio inspirada
no Zé Celso a partir do nome que um conhecido meu cunhou para ele, tem a
diretora da escola, que é uma personagem mais amargona, o dinossauro ateu...
Eles foram surgindo a partir da necessidade de colocar alguma outra coisa nesse
contexto. Acho que o primeiro de todos - e o terceiro personagem que surgiu
além dois - foi o Zé Sexo mesmo, porque eu acho graça nisso de ter essa
ilustração dessa figura, que é muito peculiar e defende um tipo de arte e que
está sempre evocando Baco e não sei mais quem. Então eles foram surgindo disso.
Eu não sentei para planejar, não pensei “preciso fazer um outro personagem
agora”, então eles surgiram com a piada mesmo.
Em que você se
inspira?
Acho que é mais o dia a dia mesmo. Eu me fodo bastante.
Então pra mim é isso, apesar das dificuldades, do dia a dia e das coisas que
tendem a amargurar a gente, para mim ver a vida com um pouco de humor sempre
foi natural, desde que eu era pequena. Sempre foi uma coisa de que eu gostava,
gostava de contar piada, gostava de rir, de ouvir piada, de ver A Escolinha do
Professor Raimundo. Essas eram as minhas diversões quando eu era pequena, então
eu não tive que fazer esforço para tentar rir das coisas, foi meio natural.
Como surgem as ideias
para as tiras?
Ah, vou juntando pequenas desgraças. E eu gosto muito de
andar, de andar de ônibus, eu acho que são momentos bastante propícios para de
repente ter ideias, para ir pensando na vida, nas coisas. É como, sei lá, ver
um filme, ler um livro. É aquilo que eu tava falando sobre oxigenar a cabeça
mesmo, porque é dali que vão sair ideias novas. Não adianta ficar bitolado
assim “ah, eu preciso ter ideia, eu preciso fazer alguma coisa”, porque é justamente
quando elas mais faltam.
O Pintinho evoluiu
desde os primeiros quadrinhos?
Acho que sim. Ele era bem mais cru no começo, menos
elaborado, menos preocupado. Acho que é uma questão de timing, de menos
silêncio, mesmo tendo bastante espaço vazio ali na tira. Também tem o tom das
coisas, que antes era pesado demais, nonsense demais. Mas ao mesmo tempo acho
que não chega a renegar, foi um caminho que era pra ter sido percorrido mesmo,
eu acho.
O Arnaldo Branco
também escreve que você não perdoa a esquerda, principalmente a nova esquerda.
Por que as críticas à esquerda?
Ah, foi acontecendo. Acho que você não precisa ser nenhum
reacionário para identificar esses vícios. Isso de botar no Facebook Guarani
Kaiowá... Acho que é uma postura que vai esvaziando o sentido das próprias causas,
é uma caricatura mesmo. Quem estudou numa universidade, ou trabalha numa
redação de jornal, sabe que tem um pensamento que impera ali que não aceita
muita contestação. Em outros tempos foram outras causas, mas hoje é essa coisa
da ecologia, umas preocupações sociais que descem meio de paraquedas. A direita
também tem aspectos caricatos, mas hoje o que tem mais força para virar piada
está coincidentemente mais alinhado com a esquerda.
As 80 tiras que estão
no livro são as melhores?
A gente tentou chegar nas melhores, mas isso é menos de um
terço da produção total do site. Tentamos alinhar mais ou menos tematicamente,
mas um alinhamento bem frouxo mesmo, sem capítulos, sem nada, para que fluíssem
as historinhas. A gente fez uma seleção grande e dividiu esse material: parte
dele para o primeiro livro e parte para o livro que ainda vai vir. Não sei
quando, mas será esse ano ainda.
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