Por Mouzar Benedito (*)
Era final de 1981, e eu, desempregado, demitido do Senai
como militante de esquerda, andava catando frilas aqui e ali para pagar o
aluguel.
Foi quando recebi um telefonema da Global Editora. Fiquei surpreso.
José Carlos Venâncio, editor da Global, me oferecia um
trabalho muito bom.
Contou que tinha muita vontade de publicar uma versão
brasileira da revista “Mafalda”, entrou em contato com Quino e fez sua
proposta.
Quino topava, com uma condição: que Henfil fizesse a versão
brasileira. Mas o Henfil era muito ocupado, não tinha tempo para isso.
José
Carlos falou sobre essa dificuldade com Paulo Schilling, chegado havia pouco
tempo do exílio e autor de alguns livros que a Global publicaria.
Apesar da grande diferença de idade, Paulo Schilling era meu
amigo desde que chegou a São Paulo, e disse ao dono da editora: “Tenho um amigo
que pode fazer a tradução. Você podia propor que o Henfil dê ‘um tapa’ na
versão dele e ela sairia no nome dos dois”.
José Carlos consultou o Henfil e o Quino, e os dois toparam.
Quino, na época, morava entre a Itália e a Argentina. Passava seis meses em
cada país.
E dias depois veio a São Paulo para assinar o contrato com a editora
e conversar sobre a versão que faríamos.
Assim, eu me vi ao lado do dono da Global, almoçando com o
Quino e o Henfil, dois ídolos para mim.
Eu já havia colaborado com o “Pasquim”
e tinha ido algumas vezes à sede do jornal, no Rio, mas, naquele período, o
Henfil morava no Rio Grande do Norte, nunca o tinha visto.
E comprava todas as
revistas do Quino, não só as da Mafalda, mas também as de seus cartuns, sempre
arrasadores.
No almoço, Henfil argumentou que as versões em que
transformavam a Mafalda em não argentina eram meio bestas, ficavam sem graça.
Eu tinha visto a versão portuguesa e a italiana e concordei.
Perdiam muito do
sentido original.
Então, ele propôs que fizéssemos uma versão meio para o
portunhol, mantendo em espanhol algumas palavras que qualquer brasileiro
entendesse, e também a pontuação, com pontos de exclamação e interrogação “de
cabeça para baixo”, nos inícios de frases em que esses pontos apareciam no fim.
Quino relutou um pouco, mas acabou aceitando.
Quando fiz a versão, lembrei ao José Carlos que a letra
também faz parte do desenho, do estilo do autor, então o letrista deveria
manter o formato da escrita original.
Mas ele não ligou nem pediu isso ao
letrista. Saiu com letras diferentes.
Mesmo assim, os 30 mil exemplares de tiragem da primeira
edição se esgotaram rapidamente. E a Global só editou até o número 5 da
revista, em 1982. Uma pena.
Tempos depois, o “Pasquim”, com dificuldades econômicas,
pediu que ex-colaboradores voltassem a colaborar, mas de graça.
Fiz um texto e
levei ao Henfil; ele estava morando em São Paulo, e seu apartamento tinha
virado uma espécie de sucursal do “Pasquim” aqui.
Continuei levando textos pra
ele, semanalmente.
Um dia ele me disse que tinha parado com seu quadro “TV
Homem”, de um minuto por dia, até então apresentado dentro do programa “TV
Mulher”, na Globo.
A Editora Abril havia comprado quatro horas diárias da TV
Gazeta e levou o Henfil e seu quadro para lá. Ele me chamou para ser um dos
atores improvisados.
Disse que pensava em fazer um filme, “Tanga (Deu no New
York Times?)”, e queria que eu fizesse o papel de guerrilheiro, por causa do
meu visual.
Sua ideia ao me levar para a TV era que eu fosse me acostumando a
ficar diante da câmera sem me incomodar com ela.
Fiquei uns dois ou três meses trabalhando com ele, até que
um dia tentaram censurar um dos quadros, ele brigou com a produção e saiu.
Assim acabou minha breve carreira de “artista” televisivo.
Nesse dia, ele pegou uma carona comigo até sua casa e me deu
um exemplar do seu livro “Diário de um Cucaracha”, cuja segunda edição fora
lançada pouco antes.
E ainda me brindou com essa caricatura e esse autógrafo.
(*) Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG)
em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro.
Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim,
Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher).
Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em
São Paulo.
É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela
Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena
enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção
Pauliceia).
Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
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