Capitalismo e racismo andam juntos na história.
Discriminações servem para dividir e oprimir grupos. Poucos personagens
sorveram dessa realidade de forma tão radical quanto Malcolm X.
De pregador do ódio racial, ele se transformou em liderança
pelos direitos humanos, afrontando o poder do governo norte-americano.
Era o período da Guerra Fria, e Malcolm passara a defender
os países do Terceiro Mundo e a flertar com as ideias socialistas.
Percorrera a África e o Oriente Médio, enterrando o
sectarismo cego que o marcara até então.
Já não satanizava os brancos nem advogava a criação de um
Estado negro separado.
Os meandros dessa transformação são dissecados pelo historiador
norte-americano Manning Marable em “Malcolm X, uma Vida de Reinvenções”, obra
vencedora do prêmio Pulitzer de 2012, que está sendo lançado no Brasil pela
Companhia das Letras.
Diferentemente de Martin Luther King, fruto da pequena
burguesia instruída e endinheirada de Atlanta, Malcolm X veio do gueto urbano
moderno: vivenciou a pobreza, a falta de emprego, a violência, a segregação.
Na juventude, meteu-se em arrombamentos, roubos, furtos,
prostituição. Lavou pratos e vendeu maconha.
Preso, virou muçulmano.
“O crescimento econômico do pós-guerra tinha deixado muitos
afrodescendentes para trás”, escreve Marable.
Malcolm incorporou a cadência do jazz ao seu estilo de
oratória e levou multidões a aderir ao islã e a protestar contra a violência
policial.
Leitor voraz a partir do tempo de cadeia, fazia discursos
sobre o legado da escravidão, atacando o cristianismo e o governo dos EUA.
Seguindo a trajetória do líder, o historiador aponta também
suas escorregadelas em entrevistas e seus erros estratégicos.
Malcolm chegou a ter encontro com a Ku Klux Klan.
O autoritarismo do seu grupo islâmico e a seita de
supremacia branca eram lados de uma mesma moeda: racismo e segregação.
O pensamento de Malcolm deu um giro quando se aproximou dos
embates de seus seguidores e conheceu outras experiências de luta pelo mundo.
Marable observa que o líder percebeu que só teria êxito “se
se juntasse ao movimento de direitos civis e outros grupos religiosos para uma
ação conjunta. Não se podia simplesmente deixar tudo por conta de Alá”.
Arrependido de ter ridicularizado King em discursos no
passado, Malcolm o cumprimentou.
O aperto de mãos traduziu a mudança: o líder rebelde trocava
a violência pela batalha do direito ao voto.
“União é a religião certa”, declarou. E se autodefiniu: “Não
sou antibranco, sou antiexploração e antiopressão”.
O historiador afirma que Malcolm tornou-se “uma ameaça ainda
maior” para o governo dos EUA após o seu rompimento com a Nação – o grupo
islâmico de características xiitas que abraçara na cadeia.
O livro, rico em análises, faz uma descrição minuciosa do
até hoje não esclarecido assassinato de Malcolm, em 1965.
Quatro horas após o crime, o palco onde ocorrera o delito
estava lavado para um baile de aniversário.
Marable compara Malcolm a Che Guevara e cita as influências
do líder no movimento Black Power e em músicos como John Coltrane.
O autor conta que começou a trabalhar na biografia no final
dos anos 1980.
Desconstruindo a “autobiografia” de Malcolm, percebeu
exageros.
Marable concluiu o livro pouco antes de morrer, em 2011.
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