Nos longes do litoral maranhense, as igarités enfunam,
desfraldam velas, partem ao sopro dos ventos que são gerais.
Gaivotas voam, sobem, asas trêmulas contra o céu.
No mar, as igarités de velas verdes, vermelhas, azuis,
brancas ou amarelas, com bandeiras triunfais pandas ao vento, enfrentam as
ondas atlânticas e atormentadas, desafiando a distância do horizonte, noite
após noite, dia após dia, sobre o brilho irisado das águas sagradas e salgadas
e à luz pálida e longínqua das estrelas.
As estrelas são a rosa-dos-ventos dos pescadores, que lançam
as redes de zangaria ao mar, para colher o pão de cada dia na evangélica
multiplicação dos peixes.
As igarités são frágeis, os pescadores enfrentam o marzão
com a sua pouca força, até parece gente lutando contra o destino ou a vida: vão
ao encontro da morte nas vagas traiçoeiras para ganhar a vida.
A igarité nos mares do Maranhão é escola de bravura.
Os pescadores saem de madrugada com elas, que tem nomes de
estrela, de flor ou de mulher escritos na proa ou nas velas coloridas: Estrela
da Manhã, Rosa do Mar, Bárbara Bela...
Os pescadores vão à pesca e se chamam muitos nomes, mas a
maioria é Pedro, por causa de promessa ao santo-pescador, ou Sebastião, por
causa da lenda que El-Rei Dom Sebastião está encantado nos mares maranhenses
desde que desapareceu em Alcácer Quibir lutando contra os mouros.
As velas contra o céu começam a se ampliar e parecem búzios
enormes, com o vento gemendo no bojo côncavo de sua concha móvel.
As quilhas das igarités rasgam a água; rangem os mastros e o
tempo tem gosto de sal.
Elas partem, aos bandos, para a pescaria, que é para o que
servem.
Vão montando a água, no galope das ondas. Indo, indo,
chamadas pelo horizonte, em busca dos cardumes de tainhas, serras, cavalas e
peixe-pedra.
O sol está guardado na pele cor de bronze, iodada, dos
pescadores.
Eles conhecem vendavais na palma da mão, e quando as
tempestades caem, falam sempre alto, pondo a voz acima do rumor das ondas, dos
ventos e da chuva.
Se uma rajada mais forte do vento insufla as velas, rasga
tudo e a igarité vira de lado, eles sobem ligeiros no mastro e consertam no
alto as velas ou os cabos de espicha.
E são sempre vencedores na luta que travam há séculos,
contra as tempestades e a zanga do mar.
A igarité serviu para as primeiras explorações dos rios da
Amazônia.
Em 47 igarités foi conquistado o rio Amazonas, pelo
capitão-mor Pedro Teixeira, que saiu da barra do Maranhão em 1637.
Igarités eram as embarcações dos índios tupinambás que
habitavam as costas do Maranhão à época da conquista francesa e da reconquista
portuguesa.
Quer dizer canoa (igara) verdadeira (reté).
São pintadas de breu e de cor roxo-terra, que é dada com o
sumo extraído por meio de cozimento, a fogo alto, da casca de mangue e caroço
de muriti.
As roupas dos pescadores também são tingidas com essas
tintas, ou quando a querem preta, esfregam-nas à vasa barrenta dos igarapés.
As igarités usam de velas quadrangulares de espicha, e com
retranca.
Os mastros são esfurnados em bancadas colocadas quase à
proa.
O pano da escota vem à rodela, quando andam à bolina. A
escota é passada na retranca, e dá volta em círculos regados por dentro das
rodelas.
Algumas usam bujarrona num pequeno gurupés amarrado na roda
de proa e no mastro. O leme cala com machos e fêmeas, e não excede à quilha.
Dispõem de remos, feitos de caibros fortes, afinados para os
punhos e com pás largas, pregadas na extremidade, para governá-las à bolina
quando o vento não sopra.
As velas são de pano de algodão grosso, ordinário, tingidas
de anil, tabatinga ou resina de maçaranduba.
A igarité é embarcação veleira típica do litoral do
Maranhão. Tem 40 a 60 palmos de comprimento, leva quase sempre dez homens e um
menino para a pescaria.
Tem perdido muito a sua forma primitiva, pela necessidade de
fazê-la barlaventar na costa, visto como o casco, com a forma de caverna que
tem, rola muito e perde muito tempo nas viagens.
Os filólogos ainda não chegaram à conclusão sobre o gênero
do substantivo igarité: uns afirmam que é do feminino; outros, do masculino.
Mas o pescador é mais realista. Para ele, ela tem o dengo e
o calor da fêmea que ama e que é mãe dos seus filhos.
Por isso, a batiza com nome de estrela, de flor ou de
mulher.
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