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terça-feira, junho 18, 2013

O sexo das igarités


Nos longes do litoral maranhense, as igarités enfunam, desfraldam velas, partem ao sopro dos ventos que são gerais.

Gaivotas voam, sobem, asas trêmulas contra o céu.

No mar, as igarités de velas verdes, vermelhas, azuis, brancas ou amarelas, com bandeiras triunfais pandas ao vento, enfrentam as ondas atlânticas e atormentadas, desafiando a distância do horizonte, noite após noite, dia após dia, sobre o brilho irisado das águas sagradas e salgadas e à luz pálida e longínqua das estrelas.

As estrelas são a rosa-dos-ventos dos pescadores, que lançam as redes de zangaria ao mar, para colher o pão de cada dia na evangélica multiplicação dos peixes.

As igarités são frágeis, os pescadores enfrentam o marzão com a sua pouca força, até parece gente lutando contra o destino ou a vida: vão ao encontro da morte nas vagas traiçoeiras para ganhar a vida.

A igarité nos mares do Maranhão é escola de bravura.

Os pescadores saem de madrugada com elas, que tem nomes de estrela, de flor ou de mulher escritos na proa ou nas velas coloridas: Estrela da Manhã, Rosa do Mar, Bárbara Bela...

Os pescadores vão à pesca e se chamam muitos nomes, mas a maioria é Pedro, por causa de promessa ao santo-pescador, ou Sebastião, por causa da lenda que El-Rei Dom Sebastião está encantado nos mares maranhenses desde que desapareceu em Alcácer Quibir lutando contra os mouros.

As velas contra o céu começam a se ampliar e parecem búzios enormes, com o vento gemendo no bojo côncavo de sua concha móvel.

As quilhas das igarités rasgam a água; rangem os mastros e o tempo tem gosto de sal.

Elas partem, aos bandos, para a pescaria, que é para o que servem.

Vão montando a água, no galope das ondas. Indo, indo, chamadas pelo horizonte, em busca dos cardumes de tainhas, serras, cavalas e peixe-pedra.

O sol está guardado na pele cor de bronze, iodada, dos pescadores.

Eles conhecem vendavais na palma da mão, e quando as tempestades caem, falam sempre alto, pondo a voz acima do rumor das ondas, dos ventos e da chuva.

Se uma rajada mais forte do vento insufla as velas, rasga tudo e a igarité vira de lado, eles sobem ligeiros no mastro e consertam no alto as velas ou os cabos de espicha.

E são sempre vencedores na luta que travam há séculos, contra as tempestades e a zanga do mar.


A igarité serviu para as primeiras explorações dos rios da Amazônia.

Em 47 igarités foi conquistado o rio Amazonas, pelo capitão-mor Pedro Teixeira, que saiu da barra do Maranhão em 1637.

Igarités eram as embarcações dos índios tupinambás que habitavam as costas do Maranhão à época da conquista francesa e da reconquista portuguesa.

Quer dizer canoa (igara) verdadeira (reté).

São pintadas de breu e de cor roxo-terra, que é dada com o sumo extraído por meio de cozimento, a fogo alto, da casca de mangue e caroço de muriti.

As roupas dos pescadores também são tingidas com essas tintas, ou quando a querem preta, esfregam-nas à vasa barrenta dos igarapés.

As igarités usam de velas quadrangulares de espicha, e com retranca.

Os mastros são esfurnados em bancadas colocadas quase à proa.

O pano da escota vem à rodela, quando andam à bolina. A escota é passada na retranca, e dá volta em círculos regados por dentro das rodelas.

Algumas usam bujarrona num pequeno gurupés amarrado na roda de proa e no mastro. O leme cala com machos e fêmeas, e não excede à quilha.

Dispõem de remos, feitos de caibros fortes, afinados para os punhos e com pás largas, pregadas na extremidade, para governá-las à bolina quando o vento não sopra.

As velas são de pano de algodão grosso, ordinário, tingidas de anil, tabatinga ou resina de maçaranduba.

A igarité é embarcação veleira típica do litoral do Maranhão. Tem 40 a 60 palmos de comprimento, leva quase sempre dez homens e um menino para a pescaria.

Tem perdido muito a sua forma primitiva, pela necessidade de fazê-la barlaventar na costa, visto como o casco, com a forma de caverna que tem, rola muito e perde muito tempo nas viagens.

Os filólogos ainda não chegaram à conclusão sobre o gênero do substantivo igarité: uns afirmam que é do feminino; outros, do masculino.

Mas o pescador é mais realista. Para ele, ela tem o dengo e o calor da fêmea que ama e que é mãe dos seus filhos.

Por isso, a batiza com nome de estrela, de flor ou de mulher.

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