A máscara de Fawkes em
V de Vingança
Paulo Nogueira (*)
E Guy Fawkes é uma presença dominante nos protestos no
Brasil.
Você vê Guy – fala-se Gui porque Guy vem de Guido – nas
máscaras que as pessoas associam a duas coisas: o filme V de Vingança e o grupo
de hacker Anomymous.
Mas é Guy Fawkes que está ali, tal como idealizado na
história em quadrinhos de Alan Moore que serviria de base para V de Vingança.
A expressão zombeteira e altiva de quem é invencível em
qualquer circunstância, especialmente na derrota.
Mas quem é ele?
Guy Fawkes foi o herói da Conspiração da Pólvora, ocorrida
na Inglaterra no começo dos anos 1600 e até hoje lembrada com paixão.
O que os conspiradores queriam não era pouca coisa:
simplesmente explodir o Parlamento britânico no momento em que o Rei Jaime I
abriria, formalmente, os trabalhos, em 5 de novembro de 1605.
Na essência do complô estava a raiva e a frustração que
Jaime despertara entre os católicos ingleses.
Ele sucedera Elizabete, filha de Henrique 8.
Elizabete, feia e indesejada, morreu virgem e sem
sucessores, e com ela chegou ao fim a dinastia Tudor.
Ela perseguira cruelmente os católicos, como seu pai.
Imaginava-se que Jaime, escocês da família Stuart que ascendera por conta de
laços familiares com um ramo dos Tudor, facilitaria a vida dos católicos.
Não facilitou.
Os católicos logo o detestaram – não só por manter a
perseguição como porque ele era escocês.
Logo começou uma trama para matá-lo – e a todos os
parlamentares.
Os conspiradores compraram uma casa ao lado do Parlamento,
em Westminster, e foram aos poucos, em completa discrição, enchendo de pólvora.
Fawkes, alto, forte, bonito, um guerreiro provado em várias
guerras nas quais atuou como mercenário, tomava conta da casa, e estava
preparado para explodir a si próprio, com a casa, caso fosse descoberto.
Uma fraqueza pessoal de um dos conspiradores pôs o plano a
perder.
Na tentativa de salvar um amigo, o conspirador relutante
mandou a ele um recado cifrado e anônimo. Recomendou-lhe que não fosse à
abertura do Parlamento, no dia 5 de novembro.
O destinatário estranhou.
A carta chegou a Jaime, e o plano foi descoberto. Fawkes foi
impedido, na ação de surpresa da polícia, de explodir a casa.
Ele bem que tentou, para evitar que os conspiradores fossem
descobertos, presos e punidos.
Ele foi levado à presença de Jaime, e nasceram aí frases
memoráveis.
O rei perguntou por que o objetivo era matar tanta gente – a
família real, todos os parlamentares etc?
“Tempos desesperadores exigem medidas desesperadas”,
respondeu Fawkes.
O rei insistiu perguntou: para que tanta pólvora?
“Era a maneira mais rápida de mandar todos os escoceses de
volta à Escócia”, disse Fawkes.
A coragem de Fawkes assombrou. Foi condenado à morte por
enforcamento e esquartejamento.
Submetido a uma sessão infernal de torturas, não revelou
nada que já não fosse conhecido.
Em sua História da Inglaterra para Crianças, Dickens o
define como um “homem de ferro”. (De Jaime, diz que era o mais feio, o mais
ridículo e o mais inepto dos mortais.)
O dia 5 de novembro passou a ser comemorado na Inglaterra
com uma queima de fogos.
Aos poucos, a imagem de Fawkes de vilão foi se transformando
na de um justiceiro, de um guerreiro heroico e libertário.
No filme V de Vingança é assim que ele aparece, reencarnado
num homem que usa sua máscara e, para punir um Estado totalitário, faz o que
Fawkes não conseguiu: explode o Parlamento.
A máscara de Fawkes aparece, hoje, em manifestações de protesto
mundo afora, incluídos os do Movimento Passe Livre.
É também utilizada pelos hackers do grupo Anonymous, junto
com este lema: “Nós não esquecemos, nós não perdoamos”.
A história é escrita pelos vencedores. Fawkes perdeu, e por
isso foi inicialmente tratado como um traidor vil e inclemente.
Mas, num caso raro, a posteridade transformou o perdedor
esquartejado num exemplo de coragem, bravura e justiça — num personagem que
inspira lutas contra a opressão dos Jaimes que se espalham pelo mundo em todas
as épocas.
(*) O jornalista Paulo
Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de
notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário