Nos anos 60, Manaus era uma cidade provinciana, mas aprazível, cuja vida social se desenvolvia no quadrilátero Eduardo Ribeiro – Sete de Setembro – Joaquim Nabuco – Ramos Ferreira. Era ali que se concentravam os bares, cafés e restaurantes.
O Café Leão de Ouro ficava no cruzamento da Eduardo Ribeiro com a Henrique Martins e era o preferido do pessoal do Judiciário.
O bar e restaurante Avenida ficava onde hoje está localizado o Bradesco e era o preferido dos jornalistas e boêmios.
O Ponto Chic e o Bar Americano eram os preferidos dos ginasianos e das normalistas.
Numa determinada noite, os jornalistas Alfredo Aguiar (tio do advogado Laerte Aguiar) e Eliseu Angarita, feras criadas do poderosíssimo matutino O Jornal, chegam mais uma vez no bar e restaurante Avenida, para outra de suas sessões de ilibações metafísicas.
Vão pedir filé à portuguesa e bolinhos de bacalhau, encher a cara de cerveja XPTO, discutir o sexo dos anjos, oferecer vinhos espanhóis aos amigos, rebater o porre com uma sopa à jardineira ou caldo verde, e sair sem pagar.
Há anos que eles fazem isso naquele que é considerado o principal reduto da boêmia manauense.
Havia um acordo tácito entre os donos de bares e restaurantes.
Eles não cobravam as despesas dos jornalistas e, em troca, recebiam, de vez em quando, uma notinha simpática nas principais colunas dos matutinos, que poderia funcionar como excelente propaganda para os estabelecimentos.
Na prática, aquilo era uma forma branda de “jabaculê”, ainda na era pré-jurássica.
Os dois sentam-se à mesa e, enquanto abrem um exemplar de O Jornal para conferirem as notícias do dia, chamam o garçom Ceará por meio de um assobio característico.
O garçom faz que não ouve.
Os dois insistem, se revezando na arte de assobiar cada vez mais alto. Nada.
Depois de quinze minutos de assobios irritantes, que despertaram a atenção de todos os presentes, menos do garçom, Alfredo resolve descobrir o que está acontecendo.
Ele vai até Ceará, conversa um pouco com ele, retorna à mesa com uma cara de poucos amigos, cochicha alguma coisa para Angarita, e os dois se retiram do bar.
Dono do estabelecimento, o galego Meneghini simplesmente havia cortado a boca-livre dos dois rapazes.
No dia seguinte, no “Informe Diário” (o equivalente à coluna “Sim & Não” da época), sai publicada a nota venenosa: “Ao contrário do que andam dizendo na cidade, não é verdade que o cozinheiro do bar e restaurante Avenida esteja acometido de lepra. Aquelas suas manchas na pele, no máximo, são de vitiligo”.
Pânico no meio intelectual e entre as famílias dos bem-nascidos. A hanseníase, supunha-se na época, era altamente transmissível e simplesmente incurável. Qualquer vacilo era fatal.
Em questão de dias, o bar e restaurante Avenida estava entregue às moscas.
Desolado, Meneghini foi pessoalmente à redação do jornal pedir desculpas aos dois jornalistas e explicar que a boca-livre deles continuava de pé, lá na casa.
A reputação do restaurante, infelizmente, nunca mais foi a mesma.
Também, pudera. Quem confiaria num restaurante cujo cozinheiro era “suspeito” de ser leproso?
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