Novembro de 1967. A voz inconfundível ecoava na ladeira da rua Parintins, se aproximando da rua Borba:
– Peixeeeiro! Eita jaraqui, tambaqui e tucunaré! Peixeeeiro! Eita branquinha, pescada e matrinchã! Peixeeeiro! Eita curimatã, acari bodó e sardinha! Peixeeeiro! Eita surubim, cará-açu e piramutaba! Peixeeeiro!
O dono da voz era um caboco baixo, atarracado, chamado por todo mundo de Pirarucu. Nunca descobri o nome dele.
Era o peixeiro mais popular da Cachoeirinha.
Ele saía da Feira da Maués com seu tabuleiro na cabeça, equilibrado em uma rodilha de pano, e percorria as principais ruas do bairro.
Começava a labuta por volta das 6h da manhã e só retornava pra casa depois do meio-dia, com o tabuleiro completamente vazio.
Era quando se permitia um único momento de lazer: tomar duas doses de branquinha no Bar do Aristides.
Um dia, quando subia a ladeira da rua Parintins, Pirarucu foi colhido por um temporal diluviano.
Para fugir do aguaceiro, ele se refugiou no Bar do Aristides, onde descansou seu tabuleiro no chão, cheio de peixes novinhos em folha.
Como ainda era por volta das 9h da manhã, havia poucos biriteiros no bar.
Pirarucu resolveu tomar uma branquinha. Depois, tomou a segunda. Dali a pouco, a terceira. E o aguaceiro nada de parar.
Lá pelas tantas, um sujeito entrou no bar, viu o tabuleiro de peixes no chão e não teve dúvidas: improvisou uma rodilha de pano, colocou o tabuleiro na cabeça e começou a conversar animadamente com Pirarucu, equilibrando o dito tabuleiro na cabeça. Coisa de profissional.
Os dois eram compadres e resolveram dividir uma garrafa de Brandicana.
Quando o dilúvio arrefeceu, por volta das 11h, Pirarucu já estava completamente mamado.
Ele começou a procurar o seu tabuleiro de peixes no chão, mais agoniado do que cobra quando perde a peçonha.
– Caralho! Buceta! Puta que pariu! Roubaram o meu tabuleiro que estava bem aqui! – gemia ele, apontando para o local.
– Também, tu é muito abestado, compadre! – avisou o sujeito. “Vê se eu tiro o meu tabuleiro da cabeça quando estou bebendo! Nem pelo caralho! O que mais tem aqui nessa área é ladrão!”
Dito isso, ele se despediu do Pirarucu e foi embora com o tabuleiro de peixe na cabeça.
No dia seguinte, o compadre devolveu o tabuleiro do amigo.
Sem os peixes e sem a grana apurada.
Que era pro Pirarucu aprender a lição e deixar de ser abestado.
Um comentário:
Parabéns!!! Além da descontração, o texto recorda e mostra também a vida do homem amazônico. Totalemente ligado a pesca e as ativiadades que esse recurso natural oferece, que também tem grande importancia econômica e cultural.
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