Meados dos anos 80. Proprietária da TV Ajuricaba, a empresária Sadie Hauache firmou um convênio de cooperação técnica com o empresário Roberto Marinho e despachou alguns funcionários para serem treinados na área de jornalismo da TV Globo, entre eles o apresentador Jefferson Coronel e o cameraman Jorge Ferraz.
Eles chegaram na Cidade Maravilhosa no período pré-carnavalesco.
Numa sexta-feira, um dos pauteiros de jornalismo da emissora carioca chamou Jefferson numa sala:
- Bom, eu acho que a parte teórica você já conhece bem, está na hora de partir pra prática. Eu quero que você faça uma matéria especial na quadra da Portela. O samba deles está tocando direto nas rádios porque tem um refrão muito forte, que gruda no ouvido. Filma o refrão pra mim, que eu vou usar ele em uma vinheta de chamada para a transmissão do desfile.
Jefferson recebeu a pauta e, em companhia do cameraman Jorge Ferraz, se mandou para o Portelão.
Assim que chegou, ele fez umas quinze entrevistas com celebridades que estavam na quadra.
Aí, chamou Jorge Ferraz e passou a bola:
- Agora é contigo. Filma tudo, passista, bateria, mestre-sala, porta-bandeira, mulatas, ala show, o diabo a quatro. E não esquece de filmar o refrão que a gente vai precisar dele para uma vinheta.
Na segunda-feira, Jefferson foi chamado na sala de edição.
O pauteiro apontou uma cadeira pra ele se sentar e abriu o verbo:
- As entrevistas estão muito boas e as imagens estão fantásticas, mas, porra, Jefferson, o principal vocês não fizeram. Onde foi que vocês filmaram o refrão? Já assisti essas duas fitas quatro vezes cada uma e não encontro o maldito refrão. Vocês filmaram ou não filmaram aquela bosta?...
Jefferson ficou pálido e saiu à cata de Jorge Ferraz.
Encontrou ele na sala de cafezinho xavecando uma copeira.
- Porra, Jorge Ferraz, que sacanagem é essa? O que o cara mais pediu pra gente fazer, você não fez, que era filmar o refrão. Eu te falei umas dez vezes: filma o refrão, filma o refrão... Parece que aquilo que eu falei entrou por um ouvido e saiu pelo outro... Porra, meu, desse jeito você vai acabar queimando o nosso filme...
Sem perder a calma, Jorge Ferraz tomou o restante do cafezinho, jogou o copinho no lixo, tirou um pente do Flamengo do bolso de trás da calça e, enquanto passava displicentemente o pente na cabeça, se explicou:
- Olha, meu amigo, eu filmei tudo. Eu filmei tudo! Filmei os banheiros, o palco, a ala de compositores, as passistas, as mulatas, a velha guarda da Portela, o puxador de samba, os passistas-mirins, o mestre-sala, a porta-bandeira, as baianas, a bateria, a madrinha da bateria, filmei tudo. Eu me meti embaixo de mesas, subi nas caixas de som, entrei nos camarotes, fiz o diabo a quatro. Filmei o seu Monarco, Davi do Pandeiro, Jair do Cavaquinho, Argemiro, Casquinha, Casemiro da Cuíca, Serginho Procópio, Cabelinho, Guaracy, filmei as pastoras Tia Áurea Maria, Tia Eunice, Tia Doca, Tia Surica, filmei tudo. Agora, se esse tal de Refrão não estava na quadra, meu amigo, o problema é dele, não é meu...
Jefferson Coronel quase esganou o sujeito.
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