Antes de ser prefeito de Boa Vista do Ramos, Vasco Ribeiro, ex-presidente da Associação Amazonense de Municípios, resolveu desafiar o clã dos Gonçalves, em Parintins, enfrentando o patriarca da família, Gláucio Gonçalves, três vezes deputado estadual e três vezes prefeito do município.
Como era de se esperar, todo mundo acreditou que aquela era uma candidatura natimorta e, evidentemente, ninguém se dispôs a colocar dinheiro numa canoa furada. Faltando um mês para a eleição, Vasco Ribeiro ainda estava mais liso e duro do que pau-de-sebo de arraial em Festa do Divino.
Desesperado com a penúria da campanha, seu companheiro de chapa, Delmiro Uchôa, o “Dedé da Bia”, resolveu partir para o tudo ou nada e convenceu Vasco Ribeiro, católico praticante e ex-coroinha, a visitar um terreiro de macumba da pesada. O mísero dinheiro arrecadado entre os parentes foi investido em meia dúzia de garrafas de Cocal, para “alegrar” os exus e abrir os caminhos.
No dia combinado, Vasco Ribeiro entrou no terreiro do Pai Cardoso de Oxumaré, discípulo do famoso Uilson Donato dos Santos, ou Bita do Barão, o pai-de-santo mais afamado, temido e respeitado de Codó, interior do Maranhão, a capital brasileira da feitiçaria. O “trabalho” prometia.
Quando os tambores começaram a rufar, Pai Cardoso entrou em transe e recebeu o Preto Velho. Ele mandou Vasco Ribeiro se aproximar do congá. Enquanto os demais cambonos entravam em transe, Preto Velho abriu uma garrafa de Cocal e derramou sobre a cabeça de Vasco Ribeiro.
Os cambonos começaram a cantar um ponto: “Corre a gira meu Pai Ogum/ Filho não esquece de defumar/ Oh Umbanda tem fundamento/ E é preciso preparar/ Com incenso e bejuim/ Alecrim e alfazema/ Oi defumar filhos de fé/ Com as ervas da Jurema”.
O Preto Velho acendeu um charuto e começou a soprar a fumaça sobre o candidato, enquanto analisava a mercadoria:
– É, zifio... Cê tá muito carregado... Tem muita coisa ruim no seu caminho... Caminho tá muito fechado... Muito fechado...
Ele pediu que o candidato tirasse a camisa, para começar a sessão de “descarrego”. Quieto como um cordeiro às vésperas de ser imolado, Vasco Ribeiro tirou a camisa e, de cabeça baixa, concentrado como um autista, ficou aguardando o desfecho da história.
O pai-de-santo começou a passar as mãos nas costas do candidato e soprar a fumaça do charuto no local, enquanto repetia:
– Zifio tá muito carregado... Tem muita coisa ruim aqui...
Se virando para Dedé da Bia, que assistia a tudo visivelmente apreensivo, Pai Cardoso começou a passar a mão no cóccix do candidato e apelou para uma cumplicidade que não existia:
– Ó só cumo zifio tá carregado... Chega o couro tá liso...
Como se estivesse pensando em voz alta, Dedé da Bia não perdoou:
– Liso tu vai ver quando chegar no bolso dele...
Nem o pai-de-santo segurou a gargalhada. Foi um pandemônio. Assustados, os exus pegaram o beco enquanto os cambonos caíam no chão, rolando de tanto rir. A sessão de descarrego foi suspensa, claro.
E Gláucio Gonçalves trucidou o “candidato liso” nas urnas.
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