Sou amigo do governador Omar Aziz há 20 anos, apesar de conhecê-lo desde 1986.
No início daquele ano, Omar Aziz, Francisco Deodato, Paulino Gonçalves (irmão do João Pedro), Durango Duarte, George Tasso e outros militantes do PCdoB abandonaram a legenda para apoiar o candidato a governador Amazonino Mendes.
O PCdoB continuou apoiando Artur Neto.
Eu era presidente municipal do PDT e continuava firme e forte na oposição (o PDT havia indicado Serafim Correa para vice do Artur Neto) – o que desagradou enormemente meus camaradas do PCB, que também haviam embarcado no bonde do “Negão”.
Apesar de ser mais ligado à velha guarda do PCdoB (Eron Bezerra, Edson Ramos, Levino, Vanessa, Crizólogo, Arminda Mourão, etc), eu sabia que os companheiros que haviam abandonado o barco eram valorosos e que não cabia nenhuma espécie de juízo de valor a respeito de suas decisões.
Todos eles haviam apanhado da polícia de Gilberto Mestrinho durante a luta pela meia-passagem estudantil, por exemplo.
E nenhum deles coonestava a selvageria da ditadura militar que nos azucrinava.
De repente, eles estarem do outro lado da barricada era uma coisa que não me agradava, mas que também não me tirava o sono. Cada qual com seu cada qual.
Continuei mantendo com eles a mesma civilidade e camaradagem que dedicamos aos verdadeiros companheiros de luta – apesar de estarmos em trincheiras diferentes.
Conforme se sabe, Amazonino ganhou a eleição e os ex-stalinistas foram premiados com vários cargos no governo.
Salvo engano, Omar ficou responsável por uma Fundação de Apoio às Comunidades Urbanas – o sonho de consumo de qualquer militante de esquerda.
Dois anos depois, por pressão do PCB, eu é que havia mudado de lado.
Deixei o PDT e voltei para o PMDB, para apoiar a candidatura de Gilberto Mestrinho contra Artur Neto (foi a única vez na vida em que não votei nele).
Meu candidato a vereador era o queridíssimo Chico Fera, ex-diretor financeiro do Sindicato dos Metalúrgicos, que também havia deixado o PDT.
Conforme se sabe, Artur Neto ganhou a eleição, virou prefeito de Manaus e eu quase perdi um amigo: o Chico Fera, sem qualquer apoio logístico ou financeiro do PMDB, teve quase 700 votos.
O PDT elegeu o Miquéias Fernandes com 900 votos.
Estivéssemos, eu e Chico Fera, ainda no PDT, a gente teria atingido mais de mil votos.
Chico Fera, com razão, me culpa até hoje pela tragédia.
Pior: em 1990, o ano em que me tornei verdadeiramente amigo do Omar, o Miquéias Fernandes se elegeu deputado estadual e assumiu na CMM, em seu lugar, o primeiro suplente de vereador do PDT, um cangaceiro gente boa, que tinha tido pouco mais de 500 votos, chamado Francisco Praciano.
Quer dizer, nas duas hipóteses aventadas (poderia ter sido o primeiro ou o segundo candidato mais votado do PDT), o Chico Fera tinha razão em querer me matar.
Bom, mas em 1990, eu fui candidato a deputado estadual pelo PMDB. O Omar Aziz também foi candidato, quero crer, pelo PDC.
Começamos a conversar – e se tornar amigos de infância – na ante-sala do saudoso boto navegador, quando ele morava ali numa transversal da estrada da Ponta Negra, enquanto esperávamos pacientemente que uma de suas filhas (Leila? Maria?) nos fornecesse os chorados caraminguás para colocar a tropa na rua.
Em valores de hoje, recebi R$ 10 mil, “cash”, e 2 mil cartazes. Quando descubro hoje que tem deputado estadual que gasta R$ 3 milhões pra se eleger, chego a sentir vertigem.
O fato é que ambos (eu e Omar) apoiávamos Gilberto Mestrinho.
E o fato é que ambos perdemos (acho que tive uns ridículos 900 votos – a maior parte dos meus votos engrossou o mapismo do deputado Simão Barros), mas o boto navegador foi eleito.
Encerrei minha infame carreira política naquela eleição. Omar seguiu em frente.
Em 1992, Omar foi eleito vereador e, na seqüência, presidente da CMM.
Dois anos depois, ele foi eleito deputado estadual e líder do governador Amazonino Mendes na ALE.
E, acreditem se quiser, o Omar continuou sendo um cara de esquerda, com legítimas preocupações sociais.
Sei disso porque acompanhei sua luta pela criação da Ageesma, pela valorização da cultura popular – notadamente o folclore amazônico –, pelo incentivo à criação das associações de moradores, pela força que dava aos esportes amadores e por aí afora.
Nesses 20 anos, Omar fez uma única bobagem na vida – e, por causa dela, acabou colocando seu hoje principal opositor no tabuleiro político do Amazonas.
Pra quem não sabe, Alfredo Pereira do Nascimento nasceu em Martins (RN) e começou sua vida profissional como meia-direita ciscador do modesto time América, de Natal.
Ele abandonou o futebol depois de uma série de contusões e fez concurso para cabo da Aeronáutica, no final dos anos 70.
Foi aprovado, andou por Brasília estudando mecânica de aeronaves e depois foi transferido para a Base Aérea de Manaus, na função de controlador de voo e taifeiro.
Aprovado no vestibular da FUA, o cabo Pereira começou a fazer o curso de Letras e conseguiu um estágio no Instituto Euvaldo Lodi (IEL), subordinado à Federação das Indústrias do Amazonas (Fieam).
Quando o presidente da Fieam, João Furtado, assumiu a Prefeitura de Manaus no início dos anos 80, em substituição ao prefeito nomeado Paulo Nery, o cabo Pereira foi nomeado assessor técnico de um aspone do novo prefeito.
Em 1983, o governador Gilberto Mestrinho nomeou o empresário Amazonino Mendes prefeito de Manaus.
O cabo Pereira fazia parte da equipe de transição e, apesar de ser um funcionário do terceiro escalão, foi o responsável por passar para o novo alcaide a maioria das informações sobre a administração passada.
Alfredo acabou conquistando o cargo de secretário municipal de Administração, substituindo o competentíssimo José Seráfico.
Falo sobre a rasteira aplicada pelo cangaceiro potiguar em um próximo post – e de sua habilidade manual para descascar tucumãs-arara para o prefeito.
Alfredo deixou a prefeitura no início de 1986, para coordenar a campanha de Amazonino Mendes ao governo. Em troca, foi nomeado conselheiro diretor da Empresa de Processamento de Dados do Amazonas (Prodam).
Em 1987, quando Amazonino assumiu o governo pela primeira vez, o cabo Pereira foi nomeado secretário estadual de Administração e descascador oficial de tucumãs.
Em 1988, irritado com as “lambanças” da administração municipal, o governador Amazonino Mendes fez uma intervenção na prefeitura, afastando o prefeito Manuel Ribeiro (hoje no IMTU) e nomeando o cabo Pereira como interventor.
O cabo Pereira gostou muito do novo cargo. Tanto que, meses depois, quando Manuel Ribeiro, com o apoio do senador De’ Carli e do deputado federal Carrel Benevides, conseguiu derrubar em Brasília a famigerada intervenção, ele não quis devolver a chave da casa.
Pelo contrário. O cangaceiro colocou um cadeado gigantesco na porta da prefeitura e se trancou lá dentro, com seus assessores mais próximos.
Parecia cena de comédia mexicana. O prefeito Manuel Ribeiro com o mandado de “reintegração de posse” na mão gritando para Alfredo Nascimento abrir a porta e receber a intimação e o cabo Pereira lá dentro, fazendo ouvido de mercador.
Carrel Benevides não teve dúvidas: sacou um três-oitão do bolso e deu três tiros no cadeado, que quebrou. Com um pisão que desmontou a porta, Manuel Ribeiro entrou de novo em seu castelo.
Ao ouvir os estampidos, o cabo Pereira e sua turma conseguiram pular o muro traseiro do anexo da prefeitura e ganharam o mundo correndo pela Bernardo Ramos.
No Salão Oval da prefeitura, o cabo Pereira havia entronizado um quadro com a foto do governador Amazonino Mendes.
Puto da vida, Manuel Ribeiro deu um muro no quadro, o vidro quebrou e quase lhe decepou a mão. Saiu de lá para ser hospitalizado e só tomou posse no dia seguinte. Coisas de português.
O cabo Pereira voltou para a Secretaria de Administração, onde permaneceu até abril de 1990, quando Amazonino deixou o cargo para concorrer ao cargo de senador.
Eleito senador, Amazonino convenceu o presidente Fernando Collor a nomear o cabo Pereira para superintendente da Suframa, o que ocorreu em março de 1991.
Alfredo deixou o cargo em agosto de 92, para coordenar a campanha de Amazonino Mendes para a Prefeitura de Manaus.
Amazonino derrotou Zé Dutra no segundo turno e assumiu a prefeitura, tendo Eduardo Braga como vice.
Em 1994, tendo o cabo Pereira como candidato a vice, o prefeito Amazonino Mendes disputou praticamente sozinho a eleição para o governo do Estado, derrotando Nonato Oliveira (PL) e Aloysio Nogueira (PT) no primeiro turno, com quase o triplo dos votos somados dos dois candidatos.
Eduardo Braga assumiu a Prefeitura de Manaus. O cabo Pereira foi nomeado secretário estadual de Administração.
O cacife eleitoral de Amazonino contagiou seu grupo político. Todo mundo acreditava que o “Negão” seria capaz de eleger até um poste para a Prefeitura de Manaus.
Então, em 1996, na sucessão do prefeito Eduardo Braga, apareceram cinco supostos “postes” dispostos a se matar pela indicação: os deputados estaduais Omar Aziz, Ronaldo Tiradentes, Lupércio Ramos e Beto Michilles, e o deputado federal Pauderney Avelino.
O governador chamou o cabo Pereira num canto e pediu para ele secretariar uma reunião dos cinco postulantes ao cargo, de onde deveria sair um nome de consenso que atendesse aos interesses políticos do grupo inteiro.
Como todos eles se julgavam as “pregas da Odete”, o impasse continuou. Ninguém queria nem pensar na possibilidade de retirar o nome para apoiar alguém.
Lá, pelas tantas, Omar Aziz deve ter achado que aquilo era uma partida de pôquer e resolveu “blefar”:
– Olha, pessoal, eu não vou retirar meu nome porque tenho mais densidade eleitoral, sou mais conhecido pelo povo e tenho mais amigos na mídia do que vocês. Eu conheço cada um de vocês e sei quanto vocês são ambiciosos pelo cargo. Eu só retiraria meu nome se fosse para apoiar uma pessoa sem ambição política, uma pessoa assim como o Alfredo, que, além de ser humilde e prestativo, ainda une o grupo...
O cabo Pereira tomou um susto.
– Êi, Omar, para com essa conversa. Eu só vim aqui secretariar a reunião. Não tenho nenhum interesse em cargo eletivo. Nem venham com esse papo pra cima de mim, que não vai colar...
Colocados no canto do ringue pelos argumentos demolidores de Omar, os outros quatro postulantes resolveram contra-atacar com os mesmos golpes baixos do “blefador”, crentes de que o cabo Pereira era mesmo uma carta fora do baralho. Um “poste” sem pedigree.
– Eu também só retiraria meu nome se fosse para apoiar o Alfredo, que em termos políticos é quase um zé mané! – ironizou Ronaldo Tiradentes, querendo, com isso, forçar a discussão a voltar para o seu ponto inicial.
– É, se o Alfredo aceitasse, eu também retiraria o meu nome! – alfinetou Lupércio Ramos, sem muita convicção.
– Eu também! – disseram em uníssono Beto e Pauderney, supostamente encerrando o festival de lambanças.
A reunião terminou como havia começado: no mesmo impasse.
Uma nova rodada de negociações foi marcada para o dia seguinte.
Ocorre que, no mesmo dia, Amazonino passou na “base” e quis saber o resultado das conversas. Levou um puta susto.
– Eles disseram que o único nome de consenso é o meu e que se eu for candidato todos eles abrem mão de suas candidaturas! – explicou timidamente o cabo Pereira.
– Por mim, tudo bem! – avisou Amazonino, com o pragmatismo de um caboco suburucu. “Agora, chama a imprensa e anuncia a tua candidatura, que amanhã mesmo a gente coloca o nosso bloco na rua. E te prepara para ser prefeito de Manaus”.
Quando souberam o que havia acontecido, os cinco postulantes queriam meter uma bala na cabeça. Na deles ou na do cabo Pereira. Deu no que deu.
Nessa eleição, o Omar Aziz está tendo a oportunidade de corrigir aquela bobajada feita há 14 anos e que só causou prejuízos inenarráveis ao Amazonas.
Eu não quero nem falar da Nova Veneza, do Expresso, das palmeirinhas imperiais, dos portos submarinos (Parintins e Humaitá) e do fato de que um dos rebentos do ex-ministro ficou milionário aos 21 anos porque sabe falar inglês.
Meu filho caçula, Marcus Vinicius Pessoa (aka "Mavipe"), fala fluentemente inglês, italiano, espanhol e russo, e ainda está ralando para conseguir grana pro seu mestrado em Design, na Itália, depois de ter sido o único representante do Norte-Nordeste a ser aprovado na prova de seleção.
Deve ser porque o pai do Mavipe nunca foi ladrão.
É por isso que estou com Omar (“Diga 33!”) – e qualquer pessoa de bom senso deve fazer o mesmo.
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