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terça-feira, setembro 28, 2010

Lembranças de um peladeiro aposentado (3)

No fundão, Dona Francisca (mãe do Luiz Lobão), Aureo Petita (de cabelo black power), Luiz Lobão, Paulo César Dó e Chico Porrada. Na frente, Nonato Índio (fumando um cigarro de índio), Marcos Pombão, Airton Caju e Medeirinho

Setembro de 1968. Tendo como técnico o gente fina Popó, o Sancolzinho vai enfrentar o abusado Estrela do Mar, de Petrópolis, no campo do Sages (hoje, no local, está o Colégio da Polícia Militar, na rua Codajás).

Considerado o maior campo de futebol da época, o campo do Sages media 120 X 90 metros e havia sido escavado no meio de uma rocha. Seu piso era formado quase que exclusivamente de pedras-jacaré. Cair ali era pior do que cair no asfalto.

Uma das traves do campo dava direto para a mata fechada existente no quintal do sanatório Adriano Jorge. Encontrar uma bola perdida ali era semelhante a procurar agulha no palheiro – e no palheiro havia insetos e animais peçonhentos de todos os tipos.

Pra complicar, não havia uma única árvore nas proximidades do campo. O sol batia direto no cocuruto dos jogadores, chegando a provocar insolação.

Como aquele era o mês mais quente do ano, combinamos com o Marajara, técnico do Estrela do Mar, que a partida começaria às 9h da manhã. Seriam dois tempos de 45 minutos, com 15 minutos de intervalo.

No primeiro tempo, o juiz seria indicado pelo nosso time, no segundo tempo, o juiz seria indicado por eles. O malandro índio piratapuia topou.

O primeiro tempo transcorreu sem sobressaltos. Fizemos 3 a zero (gols de Áureo Petita, Betinho e Luiz Lobão) sem muita correria e chegamos até a ensaiar um olé.

Percebendo que estava tudo sob controle, o técnico Popó foi embora.

Com seu físico de halterofilista na beira do campo, ele impunha respeito aos adversários. Sem ele por perto, a gente não passava de um bando de moleques assustados.

O malandro Marajara resolveu se aproveitar da situação. Ele próprio se escalou para ser o juiz do segundo tempo, apesar dos nossos protestos veementes.

Nos primeiros quinze minutos, até que ele se comportou direito – apesar de ter anulado um gol do Luiz Lobão alegando impedimento (e o Lobão havia dado um chapeuzinho no zagueiro antes de chutar pro gol...).

Mas na primeira bola lançada pelo Estrela do Mar sobre a nossa área, Marajara marcou um pênalti inexistente (o Cumbuca cortou a bola de cabeça, o juiz, que estava a 50 metros de distância, garantiu que ele tinha cortado com a mão).

Xinga daqui, reclama dali, o zagueiro Airton Caju foi expulso.

O zagueiro Caveirinha, de bico, converteu a penalidade. O time deles ficou animado e partiu pra cima da gente na base da correria.

Numa trombada entre o Cumbuca e o Luiz Bordado, a dez metros da entrada da área, Marajara marcou novo pênalti e expulsou o Cumbuca. O zagueiro Caveirinha meteu outro bico e fez o segundo gol do time dos salafrários.

Apenas com nove em campo, resolvemos segurar a partida e colocar o Estrela do Mar na roda. Durante meia hora, eles não tocaram na bola.

Do lado de fora do campo, Airton Caju fez sinal de que o tempo regulamentar já havia terminado.

Peitamos o juiz. Ele falou que ia dar dez minutos de desconto por causa das duas interrupções ocorridas durante as marcações dos pênaltis inexistentes. Não discutimos.

Roubamos a bola do Estrela do Mar na primeira oportunidade e voltamos a colocá-los na roda. Durante meia hora, eles não tocaram na bola de novo.

Do lado de fora do campo, Airton Caju e Cumbuca estavam desesperados. O segundo tempo da partida já estava pra completar 90 minutos e o juiz mandando continuar o jogo.

Uns 15 minutos depois, cada vez mais puto da vida, o meia armador Aureo Petita não se fez de rogado.

Dominou uma bola na intermediária, deu um balãozinho em um adversário, fintou o outro, limpou, e aí, sem mais nem menos, se virou para o nosso campo e meteu um chute de trivela, no ângulo, verdadeiramente indefensável.

Mário Adolfo nem teve tempo de se mexer.

Feito isso, Áureo Petita peitou o juiz:

– Pronto, tá satisfeito? O teu time empatou o jogo! Agora, dá pra terminar essa porra?...

Ao ouvir aquilo, Marajara imediatamente expulsou o Áureo, mas não teve mais peito de continuar a presepada e encerrou a partida.

Já era quase meio-dia. A sensação térmica era de 45 graus.

O goleiro Mário Adolfo estava possesso:

– Porra, Petita, como é que tu me fazes uma palhaçada dessas...

Sem esconder o mau humor, Áureo devolveu:

– E tu querias que eu fizesse o quê? Se eu não faço aquilo a gente ia ficar jogando até às 4 horas da tarde e perder o vesperal do Ipiranga...

Foi só aí que caiu a ficha do goleiro. Grande Petita!

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