O sambista José Geraldo Cavalcante, mundialmente conhecido como Gera de Vila Isabel, chegou em Manaus com uma encomenda sagrada de seu padrinho espiritual, o consagrado Martinho da Vila: comprar uma manta de pirarucu seco no mercado Adolpho Lisboa.
Numa das vezes em que esteve aqui, Martinho da Vila acabou se encantando com um “pirarucu de casaca” e estava convencido de que sua mulher, Russa, ou a filha mais velha, Martinália, seria capaz de reproduzir a iguaria em casa.
No domingo pela manhã, Gera foi até o mercadão e escolheu a melhor manta de pirarucu que pôde comprar. Avermelhada que brilhava, a manta tinha uns dois dedos de gordura.
Como é de praxe, o vendedor apenas embrulhou o produto em alguns jornais velhos e o colocou numa sacola de plástico.
Cioso do valor do produto que estava levando, Gera nem se preocupou em despachar o peixe como “carga” por meio de uma caixa de isopor, como fazem os nativos locais: ele simplesmente acondicionou o tesouro inestimável na sua sacola de mão, onde levava os melhores ternos, camisas e cuecas.
O voo de Manaus a Brasília foi tão tranquilo, que Gera começou a dormir.
Depois da parada técnica, quando o avião se dirigia para a Cidade Maravilhosa, a porca torceu o rabo.
Gera despertou com um cheiro estranho dentro da aeronave.
Cheirou os sovacos, para ver se era cecê, nada.
Dissimuladamente, tirou as meias e cheirou para ver se era chulé, nada.
Incomodado com o mau cheiro, ele chamou a aeromoça e explicou o problema.
Ela aspirou o ar, seus olhos lacrimejaram, teve ânsias de vômitos, aí chamou as outras comissárias e começaram a revistar os compartimentos de cargas internos, procurando pelo maldito rato morto.
O ar putrefato estava invadindo toda a aeronave.
Alguns passageiros entraram em pânico, outros começaram a tossir e puxar as máscaras de oxigênio.
Como as comissárias não encontraram o rato morto, resolveram fazer um “pente fino”, do setor de fumantes, próximos dos vasos sanitários, ao setor de não-fumantes, perto da classe executiva.
Que a essa altura do campeonato, já havia descido a porta corta-chamas, para se isolar do mau cheiro da ralé.
Todo mundo foi obrigado a pegar as bagagens de mão e abrir, para ser fiscalizado.
De tão desnorteado com o mau cheiro, Gera já estava quase engolindo o próprio vômito – que batia no início da garganta e voltava.
Quando as comissárias o abordaram, ele só teve condições de indicar a pequena valise abaixo dos seus pés.
Assim que as comissárias abriram a valise, o horror, o horror, o horror: a compressão interna da aeronave havia acelerado o processo de putrefação do pirarucu.
No lugar da bela manta avermelhada, estava uma salmoura enegrecida, com consistencia, cor e cheiro de chorume de lixeira municipal.
Para sorte do cantor, a descoberta só foi feita quando o avião já estava pousando no aeroporto do Galeão.
Constrangido, Gera saiu com a valise na mão, torcendo para que ninguém esbarrasse na imundície, e a jogou fora no primeiro terreno baldio que encontrou ao logo da Linha Vermelha.
Perdeu seus melhores ternos, camisas e cuecas.
Pior: por não ter trazido a preciosa encomenda, Martinho da Vila ficou seis meses sem falar com ele.
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