Aos 38 anos, o ídolo
do Fluminense foi emprestado ao Paysandu, de Belém do Pará, para jogar no gol
do bicolor, em 1965. A chegada dele foi um acontecimento na cidade. Mas para
mim teve um efeito especialmente dramático. Eu era goleiro dos juvenis do Remo,
o arquirrival do Paysandu, e recebi uma proposta para mudar de clube, feito por
um mecenas de lá, Adalberto Chady.
Para um garoto de 15
anos, era uma perspectiva divina: ser treinado por Castilho, que além de jogar,
fazia questão de preparar pessoalmente os goleiros, inclusive das categorias
inferiores, e ainda ganhar uma mesada. Era assim como virar primeiro-ministro
da Bulgária de uma hora para outra.
Havia um componente
maquiavélico na tentadora proposta de Adalberto, cujos mundos e fundos vinham
menos de um escritório de advocacia do que de um magistral golpe do baú
aplicado na rainha do pau-rosa, do qual vem a essência fixadora de perfumes
como o Chanel nº 5. No fundo, no fundo, ele só queria tirar do Remo o filho do
goleiro dos 7 a 0.
Esse é o placar mágico
do futebol paraense. Aconteceu nos anos 40, mas é festejado como se fosse hoje.
Antes de o Paysandu ascender à primeira divisão do futebol brasileiro, não havia
nada mais importante. Nunca o Remo vai devolver essa goleada. Existe um acordo
tácito: se o Remo chegar, digamos, a enfiar 5 a 0, o Paysandu sai de campo.
Não sei se papai era
um grande goleiro. Isso pouco importa. O importante é a mística. E ele era o goleiro
que estava lá. Todo ano era aquilo, a família toda com a cara no jornal no dia
que relembrava a goleada histórica – 25 de julho de 1945 –, que eclipsou o
acontecimento mundial da véspera: no final da conferência de Potsdam, perto de
Berlim, Harry Truman, Winston Churchill e o delegado chinês deram um ultimato
ao Japão, que não se rendeu, sem saber que ia levar duas bombas atômicas pelos
costados.
Mas, apesar de torcer
fervorosamente pelo Papão da Curuzu, como toda família, acabei parando no Remo,
porque, quando tomei gosto pela bola, aí pelos 13 anos, o Paysandu não tinha
categoria infantil.
E lá estava eu, no
calor infernal do sol de 1 hora, só de calção, a chuteira fuleira sobrando no
pé, sem meião, entre trezentos moleques no centro do gramado do estádio do Remo,
o primeiro em concreto armado de Belém, com alambrado e tudo.
O técnico Zuru, um
baixote de rara energia, parecido com o anão Zangado, ia perguntando o nome de
cada um. Quando disse o meu, o mesmo de meu pai, me jogou a camisa número 1.
Encontrei ali minha
praia. A saia-justa viria algum tempo depois, quando o Paysandu também formou
uma equipe infantil e passamos a nos enfrentar em preliminares do clássico.
Com as chuteiras
penduradas no ombro, saía de casa sob vaias da própria família, que morava em
boa parte na Vila Letícia, nome de uma das minhas tias, no bairro do Reduto.
Mas lá debaixo das traves conseguia ver os cabelos brancos do meu velho na
arquibancada. Tenho certeza de que, em silêncio, torcia por mim.
Papai era o melhor
amigo do sogro de Adalberto, dono dos bosques de pau-rosa que se espalhavam em
Santarém, no Baixo do Amazonas. Rico, bonito e inteligente, Adalberto
certamente era um dos responsáveis pela contratação de Castilho, que ganhou
dois campeonatos pelo alviazul, um como goleiro, outro como técnico.
Com o cacife do sogro,
também podia se dar ao luxo de importar craques de outros Estados para as
equipes de futebol de salão e basquete. Encarnação do boêmico e bon vivant, Adalberto
sabia fazer uma festa.
No casamento dele, um
dos mais supimpas de todos os tempos, as comidas e as pressurosas criadas
vieram de avião de Santarém.
Os noivos
desembarcaram de um Impala conversível bege, nas escadarias da Basílica de
Nossa Senhora de Nazaré, às 6 da tarde em ponto, com os sinos badalando, sob
aplausos da patuléia. No meio dela, uma língua-de-trapo comentava:
– Se ele está
apaixonado por ela, deve ter sido em outra encarnação.
Se você pensa que é
barbada fazer uma ponte aérea Santarém-Belém de pratos amazônicos, que incluíam
variações em torno da tartaruga, não entende nada de Amazônia.
Eram pelo menos três
horas de vôo, geralmente em DC-3 – da Real Aerovias ou do Lóide Aéreo –, avião
criado antes da Segunda Guerra Mundial – não sei mesmo o que seria a ocupação da
Amazônia sem os DC-3: antes do carro, os índios conheceram o avião.
Bote aí três dias, se
fosse numa dessas casas navegantes, ou daquelas gaiolas que circulavam no
Amazonas.
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