Meu mundo então girava
em torno de Ita. Essa, sim, uma babá perfeita. A bem dizer, eu ainda nem tinha
idade para saber dessas coisas. Um dia, estava em cima do muro do quilométrico
quintal de minha casa, se não me engano pelado.
Do outro lado, lá de
baixo, três moleques acenaram com um estilingue, uma baladeira. Um deles era
filho do zelador do Clube Recreativo, para onde o muro dava. Tinha uma mancha
rosa na face esquerda. Era chamado de Manga Rosa.
Mordi a isca. Desci do
muro, e els me levaram para a casa de força, atrás do clube. Me colocaram de
costas, eu com o estilingue na mão, absorto com o presente de grego, quando Ita
irrompeu como um furacão, quase botando a porta abaixo. Distribuiu sopapos,
botou a molecada pra correr, me pôs por cima do muro no quintal de casa, e
levou-me para o banheiro.
Não havia água
corrente, a gente tomava banho de cuia, pegando a água de uma tina de madeira.
Ela tirou o vestido de chita e uma calcinha de algodão, jogou água nela, depois
em mim, nos ensaboamos um ao outro, como eu já estava acostumado.
Mas aí fez algo diferente:
sentou numa das quinas do banheiro, a última peça de um casarão livre de
qualquer adorno, que dava para o quintal com todo tipo de árvore, e abriu as
coxas.
Um close em meu rosto
flagraria uma expressão de alumbramento, a visão daqueles lábios. Pediu que eu
me deitasse de frente no chão de cimento molhado, ajustou meu rosto bem ali, e
pediu que eu lambesse. E eu lambi, lambi, lambi.
Tudo ali ganhou outra
dimensão, outro colorido. Durante muitos anos dormíamos invertidos na rede, ela
com o rosto no meu pinto, eu com o rosto na xoxotinha ainda despentelhada dela.
Ita era bem mais
velha, calculo que tinha uns 8 ou 9 anos. Era batista, cabelos anelados e
compridos, como toda crente. Com ela tive o melhor bê-á-bá que alguém pode
sonhar. Vale contar que hoje, cercada de belas filhas, ela administra um salão
de beleza em Copacabana.
– Sabe a Ita? Ela tem
um salão de beleza na Siqueira Campos.
Foi assim que soube
dela décadas depois, numa papo com mamãe, que costumava passar vários meses de
férias no Rio. Peguei o endereço, mas a galeria, quase na esquina da rua Barata
Ribeiro, estava fechada.
Passei logo no outro
dia, morto de curiosidade. Ela e as filhas me trataram como um querido amigo da
família, Palmerinho pra lá, Palmerinho pra cá. E a Ita livrou de novo a minha
cara. Dessa vez de uma plantação de cravos.
Não sei direito como
apareceu a Iliaci. Mas que teve bala no meio, teve. Lembro-me de que vinha da
praia a 200 metros de casa. Vinha de calção, sem camisa, brincando com a
Iliaci, pequena como eu, só de calcinha. Ela era filha do vizinho, homem forte
do PTB em todo o Baixo Amazonas.
Chegando perto de
casa, vimos uma fila de gente que pegava toda a rua de terra desde a porta da
casa dela. Fomos entrando por entre as pessoas, assim como vão se metendo as
crinanças por entre as pernas dos mais velhos, até enxergar, no meio da sala,
de pijama, em pé, recebendo pêsames e chorando convulsivamente, o seu Elias.
Atrás de Elias Pinto, um
retrato na parede – Getúlio Vargas de corpo inteiro, a faixa presidencial no
peito, no dia de sua posse. Ninguém nos disse nada – nós mesmo percebemos:
– Getúlio morreu!
Mas não estávamos nem
aí para o drama nacional. Enquanto as ondas da Rádio Nacional narravam a
tragédia para todo o país, as multidões tomavam conta das ruas do Rio de
Janeiro agitando bandeiras rubro-negras – as cores do PTB, as cores do Flamengo
–, mas nosso problema básico era onde íamos brincar de médico.
Ali não havia clima.
Tratamos de ir correndo para debaixo da cama da minha casa, onde pudemos
brincar tranquilamente. Instrumento cirúrgico: a ponta do cinto do meu pai.
Nisso ia terminando a manhã.
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