No começo das férias
de julho, soube que estava perdoado no Dom Amando, por obra e graça da minha
querida professora Maria de Lourdes. Então fui liberado para todos os folguedos.
É o chamado verão,
época de vazantes, estação em que chove menos, as águas de todos os rios da
Amazônia ficam pela metade. E abriam-se praias que pareciam nevadas no Tapajós.
Aí, a gente pegava um
motor todos os fins de semana e ia para a Ponta da Maria José e Salvação. Em
noites de luau, dormíamos nessas areias quase virgens, tomávamos água ali na
beira – água de beber, camará! –, daí meu espanto quando um dia vi água
engarrafada.
Ainda não conhecíamos
Alter do Chão, hoje o cartão-postal de Santarém, com a Serra Piroca e tudo, que
deixa os gays em estado de pura excitação. As praias fora da cidade nunca me
deram grande margem para a saudável prática da sacanagem, por causa do olho
vivo e faro fino dos mais velhos. Gostava mais daquelas que ficavam na frente
da cidade.
Nessa época chegava o
pessoal de Belém, meninas irresistíveis, saltitantes e alegres, com pique da
cidade grande. Minha prima Conceição veio pelo menos duas vezes. O barato era
vê-la fazer xixi de porta aberta, o vestido levantado, a calcinha abaixada.
Tinha também uma certa
Lúcia Pamponet, prima da Ilka, que vinha todo ano. Essa me balançou um bocado
nesse verão. Nossa especialidade era beijinhos sem ter fim atrás da porta.
Mas a novidade mesmo
veio do Acre, nas formas esculturais de uma jambete chamada Ismênia. Acho que
não tinha nem 18 anos, mas passou a ser a presença sedutora da cidade para os
mais velhos e – why not? – para nós
também.
De cara, tornou-se
amiga de mamãe. Acreana, era como todos a chamavam. As acreanas, é bom que se
diga, tinham fama de atiradas. Vamos ser mais explícitos: em Manaus, acreana é
sinônimo de galinha.
Mamãe, contudo, não
dava ouvidos para as outras amigas que, um tanto enciumadas, punham em xeque o
comportamento liberado daquele novo animal na floresta. Em matéria de
palavrões, por exemplo, ela só era batida pelo falecido Craveiro Lopes. Mas em
pouco tempo Ismênia já era parte da família.
Cuidava de mim, do
Valdemar e da Betina com um desvelo de mãe. Fazia todas as nossas vontades.
Ninguém preparava uma goiabada como a Ismênia, ali ao pé do fogão a lenha.
Nós três ficávamos ali
extasiados, vendo-a mexer a colher de pau, experimentar um bocado com o
indicador, aprovar com uma bela estalada de língua, que nos deixava com mais
água na boca.
E assim, ano vai, vem,
íamos vivendo de amor. Eu, mamãe, papai, Ita, Betina, Valdemar e Ismênia, que
não morava com a gente, mas era como se morasse. Aquilo ali era um casulo de
felicidades! O que vinha de fora – respeito – me atingia muito pouco.
Teve a passagem de
Jânio Quadros, já em campanha presidencial, que fez um discurso de uns dez
minutos de manhã cedinho, sem microfone nem nada, na escadaria da igreja
matriz, administrada pelos padres franciscanos e cuja lateral dava para a minha
casa.
Ouvi o discurso de
cabeça erguida praticamente na cintura dele, abismado com a loquacidade daquela
figura de terno azul-marinho e sem gravata.
Pelo visto, as
campanhas eram no gogó, e os políticos tinham de se virar que nem cobra em
areia quante para conquistar os eleitores do general Magalhães Barata – os
baratistas, quase uma religião baseada no PSD, “a voz do Brasil unido”, que
fazia dobradinha com PTB – ou do marechal Zacarias de Assumpção – que se
aglutinavam na UDN e no PSP.
Nos comícios noturnos,
estes agitavam carros alegóricos em forma de gigantescos chinelos:
– Assumpção! Barata,
não!
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