O mundo dos homens não
me interessava. Não sei como não virei fresco, o termo em voga naquele tempo,
assim como a palavra voga. Aliás, o fresco oficial de Santarém chamava-se
Bráulio. Tudo a ver.
O que eu gostava mesmo
era de ser apanhado pelas amigas solteiras de mamãe, principalmente a tia
Dulceíde e a tia Alva, para o footing no fim da tarde, na pracinha em frente ao
Olímpia ou lá no trapiche, onde elas aguardavam o pouso dos Catalinas no rio.
A idéia era fisgar um
dos garbosos tripulantes desses aviões de fuselagem cáqui ou verde, conhecidos
como “Pata Choca”. Eles vinham para a terra nas catraias que iam buscá-los
perto do encontro das águas do verde Tapajós e do barrento Amazonas, que correm
lado a lado, durante quilômetros, sem se misturar. Eu funcionava como isca.
Acho que fiquei careca
de tanto aviador jovem passar a mão na minha cabeça. Enquanto eles cantavam
minhas tias, eu chupava os deliciosos sorvetes do bar Mascote, da família
Meschede, de origem alemã, ou acompanhava o show dos botos, que saltavam em
grupos.
Já tinha assimilado
que eles eram bons camaradas dentro e fora da água, que emprenhavam as moças,
essas coisas. Nas quermesses, numa praça vizinha aos Correios e Telégrafos,
saíamos em turma para identificar o boto no vaivém. O cara mais pintoso, que
atraía a atenção de mais mulheres, sem dúvida era ele o boto, sinhá.
Em alguns pontos da
praça, a malandragem cavava misteriosos buracos. Deles tiravam peças da mais
autêntica cerâmica dos índios tapajós. Para nós, eram só isso: figurinhas de
jacarés, onças, tartarugas, cobras e rãs em alto-relevo.
Para os incautos
turistas, podia ser o acesso à obra de uma civilização dizimada no segundo
século da colonização portuguesa, cerca de 250.000 índios, que construíram
vários quilômetros de estradas de dois metros de largura e 30 centímetros de
profundidade, ligando centenas de aldeias.
Diz a lenda que os
tapajós comiam as icamiabas (mulheres sem marido) uma vez por ano durante um
forrobodó nas margens do lago Iaci-Uaruá (espelho da lua), lá pras bandas do
rio Nhamundá.
Também diz a lenda que
foi no Nhamundá que Orellana, o descobridor do Amazonas, quebrou o pau com
essas mulheres guerreiras, chamou-as de amazonas (em grego, mulheres sem peito
– elas arrancavam um deles para manejar melhor o arco) e batizou o Amazonas com
o nome delas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário