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terça-feira, julho 11, 2017

Palmério Dória 7: Botos vinham do ar


O mundo dos homens não me interessava. Não sei como não virei fresco, o termo em voga naquele tempo, assim como a palavra voga. Aliás, o fresco oficial de Santarém chamava-se Bráulio. Tudo a ver.

O que eu gostava mesmo era de ser apanhado pelas amigas solteiras de mamãe, principalmente a tia Dulceíde e a tia Alva, para o footing no fim da tarde, na pracinha em frente ao Olímpia ou lá no trapiche, onde elas aguardavam o pouso dos Catalinas no rio.

A idéia era fisgar um dos garbosos tripulantes desses aviões de fuselagem cáqui ou verde, conhecidos como “Pata Choca”. Eles vinham para a terra nas catraias que iam buscá-los perto do encontro das águas do verde Tapajós e do barrento Amazonas, que correm lado a lado, durante quilômetros, sem se misturar. Eu funcionava como isca.

Acho que fiquei careca de tanto aviador jovem passar a mão na minha cabeça. Enquanto eles cantavam minhas tias, eu chupava os deliciosos sorvetes do bar Mascote, da família Meschede, de origem alemã, ou acompanhava o show dos botos, que saltavam em grupos.

Já tinha assimilado que eles eram bons camaradas dentro e fora da água, que emprenhavam as moças, essas coisas. Nas quermesses, numa praça vizinha aos Correios e Telégrafos, saíamos em turma para identificar o boto no vaivém. O cara mais pintoso, que atraía a atenção de mais mulheres, sem dúvida era ele o boto, sinhá.

Em alguns pontos da praça, a malandragem cavava misteriosos buracos. Deles tiravam peças da mais autêntica cerâmica dos índios tapajós. Para nós, eram só isso: figurinhas de jacarés, onças, tartarugas, cobras e rãs em alto-relevo.

Para os incautos turistas, podia ser o acesso à obra de uma civilização dizimada no segundo século da colonização portuguesa, cerca de 250.000 índios, que construíram vários quilômetros de estradas de dois metros de largura e 30 centímetros de profundidade, ligando centenas de aldeias.

Diz a lenda que os tapajós comiam as icamiabas (mulheres sem marido) uma vez por ano durante um forrobodó nas margens do lago Iaci-Uaruá (espelho da lua), lá pras bandas do rio Nhamundá.

Também diz a lenda que foi no Nhamundá que Orellana, o descobridor do Amazonas, quebrou o pau com essas mulheres guerreiras, chamou-as de amazonas (em grego, mulheres sem peito – elas arrancavam um deles para manejar melhor o arco) e batizou o Amazonas com o nome delas.

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