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quinta-feira, julho 13, 2017

Palmério Dória 13: Olho por olho


Algum tempo depois mudamos para a Vila Letícia, assim que o inquilino saiu da casa de mamãe. Vovó Laura já tinha morrido. Uma pena, porque comecei a apreciar a velha em seus últimos momentos, além da estupefação que os pentelhos dela me provocavam.

A megera da 28 de Setembro não acompanhou essa mudança, e mamãe passou a fazer uma criteriosa seleção das empregadas: quanto mais feia, melhor. Mas eram todas jovens.

Foi um período muito singular. Acostumado ao corpo-a-corpo com a Ita, Iliaci, Ilka, primas – ainda não falei da Gilma, com os olhos rasgados de japa – e irmã, tornei-me um manjador juramentado.

Como não havia olho de fechadura, apreciava as empregadas tomando banho pela janelinha no alto do único banheiro da casa. Era um jogo muito interessante: elas faziam de conta que não sabiam. Assim, cada qual podia se masturbar com toda a tranquilidade.

Com pelo menos uma houve contato não digo de primeiro grau, mas pude sentir na palma da mão o que era a gostosura de um pentelho fofo.

Fui apurando essas técnicas de voyeurismo. No clima rígido do Colégio Suíço-Brasileiro, onde fiz o primário, não dava jogo. Mas no Ginásio Modelo tirei o atraso: através da abertura de uma telha num mocó que descobri, podia ver do alto as meninas fazendo xixi, encurtando as saias baixando a blusa para conferir os peitinhos.

Meu coração borbulhava. Uma vez até demais. Perdi o equilíbrio, a telha estalou, uma garota viu, gritou e correu pra contar na diretoria. Como eu era bom aluno, a diretora Cândida – da qual eu era peixinho – desconsiderou a travessura. E pude continuar a manjar os seios de Fátima Silva, ex-Rainha do Carnaval, cuja Cleópatra abalou Belém para sempre.

Fátima Silva dobrou os jurados do concurso, a maioria turistas estrangeiros, ao fazer-lhes uma reverência que deixou à mostra os saborosos melões. Eu lhe ensinava os pontos fracos, ela explorava o meu fraco: na casa dela não abotoava nunca o primeiro botão da blusa da escola, me deixando entrever o Paraíso durante as lições.

Se todos fossem iguais à diretora Cândida, essa santa mulher, não passaria pelo sufoco de anos antes. Uma cena de pugilato no pátio de recreio do Colégio do Carmo. De um lado, eu. Do outro, o padre-conselheiro. Eu sem a camisa de aluno salesiano. Ele com a batina bege arregaçada. O motivo: só nós dois é que sabíamos.

O rolo começou bem antes. O padre-conselheiro era confessor das irmãs do Colégio Dom Bosco, também salesianas, só para meninas, onde fiz minha primeira comunhão, ainda de calças curtas. No confessionário contei todas as minhas estripulias sexuais.

Mas, ajoelhado ali, notei que ele ficou especialmente incomodado com essas histórias, principalmente a da Ita. Pediu para eu repetir tudo, e me deu uma penitência absurda, perto dos míseros padre-nossos e ave-maria que deu para os outros.

Dali pra frente não deixava de me fuzilar com os olhos toda vez que cruzava comigo em sua Vespa, a caminho do Dom Bosco, a uma quadra de casa. Enfim, eu sabia por que ele me olhava assim.

Para ele, eu era a encarnação do demo. Eu pressentia que tinha um encontro marcado com ele nas profundas do inferno. E assim aconteceu.

Eu não usava mais calças curtas, já era rapazinho quando entrei no Colégio do Carmo, só para homens, no bairro da Cidade Velha, uma versão de Lisboa em Belém. Era ele quem fazia a chama das turmas no pátio do recreio para a entrada nas salas de aula.

Ficava num tablado, com a batina sebenta e os óculos fundo de garrafa com aros de metal. Ostensivamente, meia dúzia de vezes olhou para mim e disse:

– Tu não. Tu esperas.

Eu esperava pacientemente todo mundo entrar, ali isolado no pátio de areia. Quando não tinha mais ninguém, ele me liberava. Era uma situação absolutamente insustentável.

Meus colegas perguntavam qual era a dele comigo, mas eu não podia dizer. Como Gary Cooper em Matar ou Morrer, cheguei naquele dia disposto a encerrar a questão. Em vez de entrar na sala gritei:

– Desce dessa porra e vem cá, filho da puta!

Ele veio arregaçando a manga, eu tirei a blusa e o pau comeu, para delírio de toda a galera, que saía das salas para assistir ao espetáculo no pátio central, a gente rolando aos sopapos na areia. Não demorou muito para que os outros padres, esses de batina negra, apartassem.

Lá estava eu de novo na sala de um padre-diretor por alguns crimes de amor. Claro que ele queria saber a razão da briga. O padre-conselheiro se fechou em copas. Mas eu sabia que, se ficasse calado, o meu destino era a expulsão. Abri:

– Ele tá me fazendo chantagem com uma coisa que eu contei na confissão.

O padre-diretor, um francês com sotaque carregado, arregalou os olhos, perguntou para o padre-conselheiro se era verdade, mas ele continuou calado. Então resolveu me dispensar:

– Tira essa areia do corpo e vai pra aula.

Bem, esse padre-conselheiro não regulava mesmo. Alguns anos depois, ateou fogo na roupa e morreu numa cela do Hospício Juliano Moreira.

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