Santarém ficou pequena
para as duas. Mamãe ainda procurou sondar junto aos parentes de Ismênia se ela
pretendia ficar na cidade depois do escândalo todo. Ao saber que sim, não
pensou duas vezes, já que estava com a faca e o queijo na mão:
– Vamos voltar para
Belém!!!
Uma operação de certa
maneira fácil. Não tínhamos o que o periquito roesse. Eram as tralhas da
cozinha, as redes que seriam atadas no convés da gaiola Aquidaban, durante o
retorno, uma gravura do Sagrado Coração de Jesus, caprichosamente emoldurada,
um retrato do papai e da mamãe colorizados, dois retratos de meus avós
maternos, o ferro de passar, a carvão, as fotos e jornais dos tempos de jogador
do papai, a máquina Singer movida a pedal, a vitrola do irmão do seu Elias e
uma coleção dos livros de Jorge Amado, capa dura, vermelha, que eu ainda não
lera.
A pior parte da
história: Ita não podia ir, a família dela não deixava, talvez por causa de
todo aquele bafafá com status de rififi, religiosa como era.
Nessa época, cansei de
ouvir histórias de garimpeiros que cortavam o “mal pela raiz”, após perder tudo
em noitadas com as prostituas no rendez-vous Vai Quem Quer.
O ouro tinha aparecido
no Alto Tapajós, Santarém saiu da modorra, uma legião estrangeira começou a
circular pela cidade, que deixou de ser um ponto perdido no mapa – tudo rebate
falso, o ouro era de aluvião, nem a história de garimpeiros se auto-mutilando
era verdadeira.
Associação de idéias
inevitável: sexo podia ser muito bom, mas causava um barulho danado.
No entanto, continuei
usando com relativa frequência em Belém, todas as possibilidades infanto-infantis,
apesar da implacável perseguição de dona Tita, uma megera que mamãe trouxe de
Santarém, marcada por uma tragédia: o filho dela foi o único morto do Tapajós,
durante a rebelião comandada em 1956 pelo major da Aeronáutica Haroldo Veloso,
contra JK, que reclamava lá no Palácio do Catete:
– Eu ainda nem tive
tempo de errar.
(Olhe esse emaranhado:
décadas depois, Haroldo Veloso, que provocou a mobilização de cerca de
quatrocentos homens das três armas para sufocar sua revolta, que tinha a adesão
velada de grande parte da oficialidade brasileira, morreu em consequência de um
tiro na perna defendendo como deputado federal, o mandato do prefeito de
Santarém, Elias Pinto, aquele homem de Getúlio no Baixo Amazonas, do PTB, que
com militares golpistas como ele tentaram liquidar desde 1954, com a República
do Galeão, e só conseguiram em 1964. Antes desses acontecimentos, já deputado, era
figura de destaque no Café Central, na avenida Presidente Vargas, em Belém.)
Mas eu não podia ir
com a minha irmã para o porão, brincar de papi-e-mamãe, que dona Tita,
brandindo uma vassoura, saía correndo atrás da gente, aos berros:
– É por isso que o
peito dela tá crescendo!!!
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