A antropóloga Jacqueline Ruff
Fascinação não tem
hora nem lugar para acontecer. Pode ser até num mato sem cachorro.
Um índio de pele muito
clara e muito esguio sai do meio da mata, com um jabuti nas mãos, e entra na
clareira em que estamos.
Apesar de ter apenas
uma folha de palmeira enrolada no pênis, parece nitidamente o cacique dos
índios paracanãs que nos “atacaram” há poucos minutos, levando tudo o que havia
em nosso acampamento – redes, facões, farinha, caça...
Era o primeiro contato
com a primeira tribo na rota da Transamazônica, um sonho desvairado de Médici
que virou rali de onça.
O sertanista João
Carvalho, parceiro de Darcy Ribeiro em várias expedições de contato, vai ao
encontro dele só de calção, parlamentar em tupi.
A conversa leva uns
dez minutos, falam cada vez mais alto, o índio gesticula irritado, aponta para
o jabuti, depois para o nosso grupo, de mais ou menos umas dez pessoas. João
Carvalho também gesticula muito, demonstrando tensão.
João Carvalho vem até
nós, deixando o índio ali parado, para explicar a situação.
O cacique quer trocar
o jabuti por Jacqueline Ruff, antropóloga formada por Harvard, que está no meio
do grupo ainda sob o impacto do emocionante encontro.
Ela é filha do
gerente-geral da U.S. Steel, Arthur Ruff, um apaixonado pela arqueologia que
também está entre nós.
Não se pode negar o
extraordinário bom gosto do cacique. Jacqueline é a cara daquela outra
Jacqueline, a Kennedy.
O índio apaixonado a vem observando do meio do mato
nesses dois dias que Jacqueline está no acampamento.
Ela veio com o pai e a
irmã Andrea – um bofe, esnobado pelo índio – apenas para uma rápida visita no
helicóptero da gigante do aço americana, que iniciava a exploração do minério
de ferro da serra dos Carajás.
Mas o helicóptero deu
pane, o socorro não chegou e os índios invadiram o acampamento às 8 horas da
manhã, após meses e meses de espera. Provavelmente por causa da presença da
beldade americana.
Jacqueline, que
trabalhou muito tempo com os quíchuas, no Peru, é a única que encara a
inusitada situação com absoluto fair play,
rindo a ponto de João Carvalho pedir para ela parar.
Mexe aqui, remexe ali,
o sertanista encontra mais alguns facões, bota em cima dos braços, coloca-os no
chão na frente do cacique, conversa mais de dez minutos com ele.
O cacique se dá por
achado, pega os facões, e volta para a mata com o jabuti e sem Jacqueline.
Eu e o cinegrafista
Rubens Onetti, já veterano, demos sorte. Pegamos uma carona no helicóptero de
mister Ruff e registramos todas as cenas desse contato, que foram ao ar no
Jornal Nacional, que a Globo começava a transmitir em rede, junto com o Brasil
Grande.
Uma invenção não de
Walter Clark, como todo mundo pensa, mas do publicitário José Ulisses Arce,
superintendente da Central Globo de Comercialização, que teve a idéia quando a
emissora integrou a rede mundial que mostrou a chegada do homem na Lua.
Muita água tinha
rolado, Lúcia voltara com a família para o Rio, e esses índios vieram como uma
bênção.
Levei o filme, em negativo, pessoalmente à sede da Globo na rua Von
Martius, 22, no Jardim Botânico.
Vi as cenas,
projetadas numa saleta sem qualquer charme junto com a editora-chefe Alice
Maria, que aprovou e editou a matéria. A sala do diretor da Central Globo de
Jornalismo, Armando Nogueira, também era bem modesta.
Cobra, Armando
Nogueira me pegou de calças curtas. Contei-lhe toda a aventura, sem saber que
estava sendo gravado.
Assim, quando as imagens foram ao ar – o JN entrava às
19h45, não podia ter mais que quinze minutos –, o depoimento entrava em off, o
que dava uma emoção danada pra coisa toda – o som que faltava em nosso filme
preto-e-branco.
Como estava indo a São
Paulo, para vender o texto e as fotos ao Jornal da Tarde, Armando me mandou
falar com o Boni. Não tinha a menor idéia de quem era.
Boni foi muito
cordial, me deu um cartão, botou no verso o valor, e eu recebi a grana ali.
Com ela, podia pensar
em ficar um tempo no Rio, perto da Lúcia.
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