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sexta-feira, julho 14, 2017

Palmério Dória 20: Bola dividida


Eu também já fazia uma boa excursão pelo mundo da literatura e afins, pressentindo que podia ser outra forma de ganhar mulher. Tinha acesso total a uma biblioteca com mais de 2.000 livros a uma quadra de casa, que me valeu o primeiro trabalho remunerado: eu ganhava uns trocados para espaná-los, mas levava mais tempo lendo.

Era essa a idéia do meu melhor amigo, o cônego Ápio Campos, a cara da nova Igreja de João XXIII e do Concílio Vaticano II, embora seja mais feio que Lúcio Mauro – o comediante paraense é prova definitiva de que o homem não foi feito à imagem e semelhança de Deus, segundo o pessoal da Casseta e Planeta. Mas, com cinco minutos de papo, Ápio Campos virava Alain Delon.

Vice-reitor da Universidade do Pará, ensaísta, poeta, leitor apaixonado de Rilke e Gide, Ápio achava esse negócio de futebol puro desperdício. Procurava despertar outros interesses em mim.

Essas novas frentes iam pintando em dupla com outro amigo da infância mais remota em Santarém, Lúcio Flávio Pinto, irmão da Iliaci.

Aí pelos 15, 16 anos, me convidou para tocar a revista radiofônica Gente Jovem, na Rádio Guajará. Tínhamos meia hora para botar no ar, todos os domingos, na Hora do Ângelus, mensagens de Justiça Social Cristã, entrevistas com misses e música, muita música: Chico Buarque, Edu Lobo, Beatles...

Nesse embalo, consegui espaço para uma página dominical de música no jornal A Província do Pará, dos Diários Associados, onde passei a conviver com os melhores jornalistas da cidade – Ana Diniz, Aldo Almeida, Porfírio da Rocha...

Tinha o Euclides Bandeira, o Chembra, personagem granítico, quase moldado a cinzel, consciência viva da redação, de adorável mau humor. Tinha o Edwaldo Martins, o Zózimo Barroso do Amaral de Belém. Generoso ao extremo, mão aberta, bancava as minhas incursões naquelas pensões da 1° de Março, entre outras baladas, que não é uma expressão de hoje, não.

Lá me enrabichei pela Laura, uma versão gasta de Kim Novak, que eu reverenciava como movie star. Os presentes que eu dava para a namorada, dava igualzinho para Laura.

Uma vez elas cruzaram com os mesmos óculos rayban, e uma conferiu a outra da cabeça aos pés, em frente à loja Paris n’América, jóia da arquitetura da belle époque paraense, na rua João Alfredo, a principal do comércio, onde todos se encontravam aos sábados de manhã.

Enfim, o futebol estava seriamente ameaçado por novos amigos e um novo estilo de vida, que incluía fugas das bordoadas da PM nas ainda festivas manifestações estudantis contra a ditadura, lideradas por caras mais velhos, geralmente alunos do Colégio Estadual Paes de Carvalho, que formou a elite da estudantada paraense, ou das faculdades de direito, medicina (a central da subversão na época) e arquitetura.

Gente como Jader Barbalho, Pedro Galvão, Ruy Antônio Barata, Fernando Fúza de Mello, Jorgito Vale, Paulo Cal e Waldir de Paiva Mesquita, que se tornaram políticos, publicitários, médicos, advogados e até poetas, como João de Jesus Paes Loureiro, autor destes versos:

Sete lemes amolados
Cortam sete maresias.
As velas ardem de espera
Num sonho de ventanias.

Nesse departamento, eu não passava de um fundista.

Junto com o Lúcio, entrei certa vez no último momento pela porta da Província, de uma altura descomunal, com os soldados na minha cola, para delícia de Roberto Jares Martins, o diretor do jornal, que tudo observava da janela da rua Campos Sales, também na área comercial.

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