Eu também já fazia uma
boa excursão pelo mundo da literatura e afins, pressentindo que podia ser outra
forma de ganhar mulher. Tinha acesso total a uma biblioteca com mais de 2.000
livros a uma quadra de casa, que me valeu o primeiro trabalho remunerado: eu
ganhava uns trocados para espaná-los, mas levava mais tempo lendo.
Era essa a idéia do
meu melhor amigo, o cônego Ápio Campos, a cara da nova Igreja de João XXIII e
do Concílio Vaticano II, embora seja mais feio que Lúcio Mauro – o comediante
paraense é prova definitiva de que o homem não foi feito à imagem e semelhança
de Deus, segundo o pessoal da Casseta e Planeta. Mas, com cinco minutos de
papo, Ápio Campos virava Alain Delon.
Vice-reitor da
Universidade do Pará, ensaísta, poeta, leitor apaixonado de Rilke e Gide, Ápio
achava esse negócio de futebol puro desperdício. Procurava despertar outros
interesses em mim.
Essas novas frentes
iam pintando em dupla com outro amigo da infância mais remota em Santarém,
Lúcio Flávio Pinto, irmão da Iliaci.
Aí pelos 15, 16 anos,
me convidou para tocar a revista radiofônica Gente Jovem, na Rádio Guajará.
Tínhamos meia hora para botar no ar, todos os domingos, na Hora do Ângelus,
mensagens de Justiça Social Cristã, entrevistas com misses e música, muita
música: Chico Buarque, Edu Lobo, Beatles...
Nesse embalo, consegui
espaço para uma página dominical de música no jornal A Província do Pará, dos
Diários Associados, onde passei a conviver com os melhores jornalistas da
cidade – Ana Diniz, Aldo Almeida, Porfírio da Rocha...
Tinha o Euclides
Bandeira, o Chembra, personagem granítico, quase moldado a cinzel, consciência
viva da redação, de adorável mau humor. Tinha o Edwaldo Martins, o Zózimo
Barroso do Amaral de Belém. Generoso ao extremo, mão aberta, bancava as minhas
incursões naquelas pensões da 1° de Março, entre outras baladas, que não é uma
expressão de hoje, não.
Lá me enrabichei pela
Laura, uma versão gasta de Kim Novak, que eu reverenciava como movie star. Os presentes que eu dava
para a namorada, dava igualzinho para Laura.
Uma vez elas cruzaram
com os mesmos óculos rayban, e uma conferiu a outra da cabeça aos pés, em
frente à loja Paris n’América, jóia da arquitetura da belle époque paraense, na rua João Alfredo, a principal do
comércio, onde todos se encontravam aos sábados de manhã.
Enfim, o futebol
estava seriamente ameaçado por novos amigos e um novo estilo de vida, que
incluía fugas das bordoadas da PM nas ainda festivas manifestações estudantis
contra a ditadura, lideradas por caras mais velhos, geralmente alunos do
Colégio Estadual Paes de Carvalho, que formou a elite da estudantada paraense,
ou das faculdades de direito, medicina (a central da subversão na época) e
arquitetura.
Gente como Jader
Barbalho, Pedro Galvão, Ruy Antônio Barata, Fernando Fúza de Mello, Jorgito
Vale, Paulo Cal e Waldir de Paiva Mesquita, que se tornaram políticos,
publicitários, médicos, advogados e até poetas, como João de Jesus Paes
Loureiro, autor destes versos:
Sete lemes amolados
Cortam sete maresias.
As velas ardem de
espera
Num sonho de
ventanias.
Nesse departamento, eu
não passava de um fundista.
Junto com o Lúcio,
entrei certa vez no último momento pela porta da Província, de uma altura
descomunal, com os soldados na minha cola, para delícia de Roberto Jares
Martins, o diretor do jornal, que tudo observava da janela da rua Campos Sales,
também na área comercial.
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