Exilado do palacete,
só podendo falar com a Lúcia pelo telefone da Princesa das Flores ou da sede do
Paysandu, passei a me dedicar mais aos treinos, embora tivesse de cumprir o estágio
de mais ou menos um ano parado em jogos oficiais, que caía sobre o amador que
mudava de clube.
Assim que acabávamos,
íamos ver o Castilho treinar ali da arquibancada de madeira do Papão da Curuzu.
Era algo arrasador. De uniforme todo azul, com o escudo alviceleste no meio da
camisa, praticamente ocupava a trave.
Dava para entender
rápido por que o comparavam a Yashin, o Aranha Negra, goleiro da União
Soviética. Uma legião de castilhófilos se reunia todas as tardes, num
verdadeiro torneio sobre a vida do ídolo. Eles sabiam...
... que ele amputou
duas falanges do dedo mindinho esquerdo para continuar jogando porque a
recuperação era muito problemática – e colocava um esparadrapo para fazer
volume no local.
... que jogou quatro
Copas do Mundo – de 1950 a 1962, mas foi titular apenas em 1954.
... que ele costumava
dizer que teve o azar de pegar o Gilmar pela frente nas Copas de 1958 e 1962;
considerava o rival simplesmente fantástico.
... que ele dava sorte
no Fluminense, a bola batia na trave, na cara dele, desviava em algum jogador –
era a famosa leiteria.
... que se dava ao
luxo de ter na reserva um goleiro extraordinário, Veludo, também reserva dele
na seleção, na Copa de 1954, talvez um caso único no futebol brasileiro.
... que em 1952
defendeu seis pênaltis, só observando como os craques da época – Jair, Ademir,
Zizinho ... – batiam.
... que ele não dava
sorte na seleção, talvez pelo vexame da Copa de 1950 e pelo fracasso da copa de
1954.
... que foi titular no
Pan-Americano de Santiago, em 52, ganhando o título na final contra o Uruguai,
que jogou com o mesmo time da Copa de 50.
... que trocou o uniforme
preto pelo cinza, para ficar “invisível” pro atacantes.
... que era daltônico,
o que era bom de dia, porque enxergava vermelhas as bolas amarelas, mas um
problema à noite, que dificultava a visão das bolas brancas.
... que a formação
Castilho, Píndaro e Pinheiro era fenomenal.
... que demorou muito
para os jogadores entrarem pela porta da frente do estádio das Laranjeiras, do
aristocrático Fluminense – entravam por baixo da arquibancada, pelos fundos.
... que um mulato
chamado Carlos Alberto passava pó-de-arroz na cara para ficar parecendo branco
e poder jogar pelo tricolor – daí os torcedores do Fluminense serem chamados de
pó-de-arroz.
... que Castilho
jogava pelo Fluminense desde 1946.
... que era chamado de
São Castilho...
... que no Gol de
Placa no Maracanã, Pelé driblou o time inteiro do Fluminense e entrou com bola
e tudo no gol.
... que, no Gol de
Placa no Maracanã, Pelé driblou o time inteiro do Fluminense, mas não entrou
com bola e tudo, não...
O que eles não sabiam.
Castilho era um cavalheiro atormentado. Pelo menos uma vez por semana ia
conversar com o meu amigo Ápio Campos, na varanda de uma casa na rua Ruy
Barbosa, em busca de conforto espiritual.
Nessa varanda chegou
aos prantos diversas vezes: a mulher não amava. Ele, ao contrário, era louco de
amor por ela.
Como eu era da casa,
encontrei-o várias vezes, mas só trocávamos um discreto cumprimento.
O drama de Castilho me
transportava para o meu próprio drama.
Nessa varanda cheguei aos prantos
diversas vezes: e se a Lúcia não me amasse? Eu estava louco de amor por ela.
Acabei sendo anistiado
pelo brigadeiro, voltei a sair com a Lúcia, sem o sufoco da clandestinidade.
Mas, na medida em que
a gente se afinava, minha bola murchava em campo.
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